A
sociedade ocidental gerou e superou grandes desastres nas primeiras
décadas do século XX. As duas guerras mundiais demonstraram os
pormenores da capacidade intelectual-destrutiva do ser humano. Após
1945, e pela primeira vez na história, estamos aptos a nos
autodestruirmos. Parabéns para a intelectualidade, pêsames para a
moral.
Felizmente
um conflito de tamanha magnitude fez florescer – mesmo contra a
vontade dos governos e empresas – uma necessidade de sobrevivência
que culminou com o estabelecimento do Estado de Bem-Estar Social, tão
difundido e teorizado por J.M. Keynes anos antes de sua
implementação. Um estado que já havia sido colocado em prática
após uma outra crise. Uma crise financeira: a queda da Bolsa de
1929.
Com o
“New Deal” [1], F.D. Roosevelt [2] se torna o primeiro chefe de
estado da História a implementar uma série de mecanismos típicos
de um Estado socialista sem recorrer a métodos ditatoriais. Na
verdade, pode-se dizer que ele foi o primeiro a implementar políticas
socialistas no verdadeiro sentido da palavra – já que a democracia
é pré-requisito para se ter um sistema cujo eixo é o SOCIAL
(convivência, educação, oportunidades e condições iguais,
respeito às diferenças e capacidades, saúde, transporte, cultura,
etc). Mas isso é outra história.
Um gesto fraterno para salvar ambos (e todos) da ruína. |
Infelizmente,
o “New Deal” só se concretizou por motivos emergenciais. Os EUA
– e toda economia do globo, que estava vinculada à nova
superpotência – mergulharam numa depressão econômica que
ocasionou no caos social de seu próprio povo. Desemprego, desespero
e fome são palavras que definem bem o período. ¼ da população
perde sua ocupação em poucos dias. Famílias são corroídas.
Ninguém ganha, ninguém compra. Ninguém tem nada, ninguém tem medo
de perder nada. Ninguém tem medo de perder nada, todos são
potencial foco de revolta. Eis o produto de um sistema centrado no
negócio, cuja finalidade única é o lucro crescente, custe o que
custar.
Os
itens do projeto de Roosevelt são quatro e continuam atuais para os
dias de hoje e para qualquer sociedade:
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1.
Investimento maciço em obras públicas:
o governo investiu US$ 4 bilhões (valores não corrigidos pela
inflação) na construção de usinas hidrelétricas, barragens,
pontes, hospitais, escolas, aeroportos etc. Tais obras geraram
milhões de novos empregos;
2.
A
destruição dos estoques de gêneros agrícolas,
como algodão, trigo e milho, a fim de conter a queda de seus preços;
3.
O controle sobre os preços e a produção,
para evitar a superprodução na agricultura e na indústria;
4.
A diminuição da jornada de trabalho,
com o objetivo de abrir novos postos. Além disso, fixou-se o salário
mínimo, criaram-se o seguro-desemprego e o seguro-velhice (para os
maiores de 65 anos).
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Os
quatro pilares acima, postos em prática, comprovaram a eficácia de
um Estado focado em políticas sociais e (por que não) fraternas.
São
políticas que cairiam muito bem num país chamado Brasil (mas não
apenas ele). Hoje, ontem e amanhã. Independente do governo.
Embora
não fosse a intenção, as reformas adotadas por Roosevelt lançaram
as bases do estado keynesiano (do Bem-Estar) e do poder sindical –
sem o qual os trabalhadores podem se defender de igual pra igual da
exploração. Trata-se de uma atitude que permitiu o desenvolvimento
de mecanismos de proteção para as pessoas em situação de
vulnerabilidade econômica, evitando que milhões de pessoas caíssem
nas garras de instituições e pessoas – ansiosas para se
aproveitarem dessa situação de fragilidade, da qual o ser humano
frequentemente se dispõe a fazer de tudo para sobreviver.
John Maynard Keynes: o teorizador e defensor. |
A 2a
Guerra Muundial surge (paradoxalmente) como um novo catalisador dessa
nova postura político-econômica, que iria reforçar a manutenção
do Estado de Bem-Estar social na Europa Ocidental e EUA até os anos
1970, quando a Crise do Petróleo foi utilizada (a meu ver) como
justificativa para mudanças. Eis a pré-história do Neoliberalismo.
Jimmy
Carter proferiu um discurso memorável em 1979 [3] a respeito dos
novos tempos que estavam por irromper. Tempos com problemas
relacionados à questão energética. Tempos sombrios se o povo de
seu país (e do planeta) não se conscientizasse e mobilizasse
rapidamente – o que não ocorreu...
O
discurso, a grande questão, pode ser resumida como SUSTENTABILIDADE
energética.
O EUA estava prestes a entrar na
era Reagan, caracterizada por um desmonte do Estado e participação
cada vez maior de grandes conglomerados, cuja finalidade era “servir
a sociedade”. E para isso, esses conglomerados precisavam de mais
“mobilidade”. Era necessário que o Estado servisse esses
conglomerados para que estes pudessem servir à sociedade. Um agente
intermediário entre Estado e Povo. Para “facilitar” tudo...
Dessa forma, os problemas decorrentes da dependência de fontes
energéticas não-renováveis* se tornam uma forte justificativa para
o desmonte do Estado do Bem-Estar Social. Lentamente. Vagarosamente.
Maquiadamente...(e Maquiavelicmanete).
A meu ver é um erro atribuir as
falhas de um sistema a algo que não está intrinsecamente relacionado ao modo de operação do mesmo.
Pode-se ter um sistema
sócio-cultural eficaz com uma fonte energética insustentável (esse
seria o caso do Ocidente dos anos pós-guerra). Nesse ponto eu me
pergunto se o caminho mais sensato não seria ouvir os conselhos de
Jimmy Carter e começar a pesquisar novas formas de se obter energia
e/ou (mais importante) ter como finalidade da existência bens
intangíveis e a espiritualidade. No entanto, uma pessoa de bom senso
sabe muito bem que a ganância humana é ilimitada, e que portanto o
que precisava ser feito não foi porque um grupo de pessoas
travestidas de aparatos mastodônticos criaram um problema cuja causa
foi desviada para fins escusos. E a partir daí entramos no reinado
de Reagan e Thatcher, cujos efeitos são visíveis até hoje. Em seus
países e no mundo.
Pode-se contra-argumentar que o
Bem-Estar gera uma ampla rede de assistencialismo que induz as
pessoas a um estado de inércia. No entanto, basta observarmos os
fatos para comprovar a falta de fundamento de tal argumento:
- O desenvolvimento social dos
países europeus e EUA permitiu um período de paz relativa dentro
dos mesmos (apesar de que o terceiro mundo continuava a ser
explorado, e as ditaduras pseudo-socialistas do oriente fossem
norteadas pela burocracia, brutalidade e matéria);
- Hoje, mais do que nunca, as
crises financeiras continuam ocorrendo. Cada vez mais frequentes. E
quem paga a conta é quem não a gerou: os trabalhadores e a
sociedade. Enquanto quem as causou é socorrido;
- Os desemprego é cada vez maior, e ao mesmo tempo não se geram alternativas de ocupação do outro lado. E cada vez menos trabalho (do tipo alienado) é necessário. E mais do tipo criativo. No entanto as vagas não são criadas na mesma proporção;
Existem inúmeras atitudes que, se
analisadas em sua essência, clamam por um sistema com democratização
dos meios de comunicação, priorização dos bens públicos,
respeito a questões privadas (sexo, afetividade, sonhos, manias,
etc) e liberdade de escolha profissional. Esta última implica que
deve haver VALORIZAÇÃO (salários bons, jornada humana, plano de
carreira, perspetivas de crescimento profissional) de áreas
relegadas ao esquecimento como o ensino, as ciências sociais, a
filosofia, as artes, as ciências naturais e mesmo as ocupações não
reconhecidas como oficiais que no entanto geram muita riqueza
INTANGÍVEL para o seu entorno.
Como último ponto gostaria de
enfatizar o seguinte: resolver o problema individual é a primeira
coisa a ser feita (é a famosa Reforma Intima) para melhorar o mundo
– é a Psicologia em ação. No entanto, como seres sociais,
devemos atuar na sociedade como elementos transformadores da mesma.
Sem isso há departamentalização e nenhuma interconexão, e
portanto não haverá mudança efetiva. Logo, DEBATES, CONFLITOS
(saudáveis e conduzido por pessoas sapientes) e INSATISFAÇÃO (bem
orientada) são ingredientes fundamentais para edificar uma nova
sociedade que anseia por nascer – é a Sociologia em ação.
Mas muitas mudanças se iniciam e
não se concretizam. São apenas ondas (os protestos de junho, por
exemplo). Talvez isso reflita na postura que os indivíduos tem com o
seu meio: hoje as coisas são mais efêmeras. A sensação do momento
está à frente da construção sólida. A energia logo se esvai. É
a liberdade sem compromisso. É preciso mudar sim. Mas é preciso
ORIENTAR essa mudança.
E na fase atual, não vejo como
promover progresso sem um órgão público competente conduzido pela
sociedade. Um progresso encabeçado por princípios espirituais mas
que atue no plano material.
É difícil. Trata-se de reformular
todo o aparato estatal, para que este sirva o povo e não um punhado
de grupos. É o que F.D. Roosevelt fez.
Quando teremos um “New Deal”?
Referências:
* A
longo prazo, pode-se dizer que o petróleo, assim como todas fontes
de energia, são renováveis. Agora, considerando as necessidades da
sociedade (de um sistema que a controla), que clama por uma rapidez
crescente de recursos e energia, o petróleo não é renovável.
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