Vamos começar deixando claro uma coisa:
Trabalho não é emprego - emprego não é trabalho.
Apesar dos dicionários igualarem um termo ao outro, irei partir do pressuposto de que existem dois tipos de preencher o tempo. Com isso é possível aproximar o leitor mais do conceito do que deixá-lo preso às palavras. Ou, como eu digo: o espírito tensiona a letra ao seu máximo.
Trabalho é uma ocupação construtiva que eleva a alma, e sua execução não gera desgaste, mas ânimo.
Emprego é uma ocupação (geralmente mal) remunerada que serve à lógica econômica vigente.
A partir dessas definições já podemos perceber que:
(a) muita gente empregada não trabalha;
(b) alguns que trabalham estão desempregados.
Dificilmente teremos uma pessoa que é desempregada e não trabalha. Por motivos muito simples: não dá para ficar continuamente sem fazer alguma atividade que seja minimamente útil (seja trocar uma fralda, apertar um parafuso, cozinhar feijão, ir ao médico e relatar sintomas, escrever um email, etc.).
Por outro lado, é igualmente difícil encontrarmos uma pessoa empregada que trabalha. Pelo menos não no grau mais alto, isto é, que esteja fornecendo algo realmente importante à sociedade e ao indivíduo, no plano material, emocional, intelectual e espiritual e (ao mesmo tempo) tenha liberdade de fazer as coisas do seu jeito, nos momentos que lhe convier, e tendo condições boas de trabalho (incluindo remuneração, aumentos condizentes à inflação e contribuição substancial, possibilidades de aprender, etc.). Isso ocorre porque nossos empregos, em larga medida, não estão estruturados para albergar em seu seio um trabalho de verdade - algo substancial, que gere realmente valor em todos os planos e focado em prazos mais longos. Em suma, há uma incompatibilidade entre emprego e trabalho no nosso sistema.
Você já parou para pensar que muitos de nossos jovens (e nós quando éramos jovens) escolhem suas profissões e carreiras baseados no que o mercado valoriza? E que esse mercado não está em sintonia com valores intangíveis e que visem uma transmutação do ser? Percebe o desalinhamento entre as sistematizações e planos de salvar o mundo e a lógica que impera e impõe métodos que são diametralmente opostos? Pois é...
Vamos continuar um pouco mais a esboçar as premissas - pois elas nos serão muito úteis e nos darão uma base conceitual para lá de elevada.
Há ainda a necessidade de separar o trabalho em duas subcategorias:
- Trabalho de geração
- Trabalho de execução
O de tipo-geração é aquele que inicialmente não traz benefícios à economia nem à sociedade (ou seja, à coletividade), apesar de estar exigindo do indivíduo que o realiza um intenso esforço. Esse esforço pode ser um estudo ou uma pesquisa (eles podem trabalhar paralelamente inclusive). No caso do estudo, busca-se entender alguma ideia, conceito, método, obra, teoria, etc. à fundo, com o intuito de se apropriar do conhecimento: primeiro conscientemente - e depois encapsular esse conhecimento no subconsciente, através de um lento trabalho de prática via tentativas que irá sedimentando através da experiência; e no caso da pesquisa, busca-se dar um salto conceitual que vá além do concebível humano (mas apoiado nele) para expandir a zona do conhecimento coletivo.
Às vezes (na verdade muitas ou quase sempre), para darmos esse salto conceitual precisamos estar constantemente reaprendendo, revendo, relembrando. Ou seja, é preciso estar estudando para compreender cada vez mais à fundo aquilo que nos foi apresentado no passado, dando um novo significado ao conhecimento que julgamos ter consolidado em nossas mentes.
O trabalho de geração é pouco valorizado em geral, apesar de alguns países darem valor a ele. No Brasil é considerado como um não-trabalho - tanto por parte das instituições quanto por parte da sociedade (uma coisa reflete na outra, e vice-versa). Quem está pensando ou preparando aulas; concebendo novos métodos; criando cursos ousados e inovadores; relacionando saberes; fazendo pesquisa de ponta; contemplando; gerando novos conceitos; se especializando; preparando um grande evento ou projeto; escrevendo formidáveis ensaios; criando belas melodias ou quadros ou filmes; e por aí vai; é visto como alguém que está parado. Não à toa paga-se tão pouco aqui para a (maioria dos) artistas, cientistas, engenheiros de desenvolvimento, filósofos, historiadores, biólogos e profissões do tipo. Porque o vínculo que existe no mundo (e de modo fortíssimo no Brasil) é entre trabalho-execução e emprego - e não entre emprego e trabalho-geração.
O de tipo-execução é aquele que está diretamente relacionado à sociedade: um professor ministrando uma aula; um coordenador ou diretor que apaga incêndios e negocia e assina e convoca e etc.; um engenheiro que apresenta (de uma forma ou outra) algo que o supervisor demanda (mesmo que isso seja inútil); um pedreiro ou pintor ou tapeceiro ou encanador ou cozinheiro ou faxineiro ou algo do tipo que trabalha horas a fio (e ainda assim mal consegue garantir seu alimento, moradia); alguém que instala um software ou conserta uma máquina; aquele que realiza vendas; e por aí vai (a lista é enorme e dá para saber do que quis dizer).
Ele (trabalho execução) é produto final de uma longa cadeia que uma vez começou com um trabalho-geração.
Dou um exemplo: os foguetes. Antes de sairmos por ai lançando satélites e sondas e etc., foi necessário construir todo um corpo de conhecimento que foi se apoiando em outros precedentes, para a partir daí começarem a surgir as ideias que permitiram ao homem colocar satélites em órbita, dando-nos o GPS, os celulares, todo sistema de telecomunicação sofisticado, as tecnologias como microondas e alimentos de bebê, termômetros de engolir, compressão de vídeo, ferramentas wireless, pistas de pouso, preservação prolongada dos alimentos, pneus duradouros, detecção e proteção contra gelo em aeronaves, etc. A lista é longa e se ramifica em níveis inimagináveis. Ás vezes você pode estar vivo ou com mais saúde ou mais contente graças a isso (seja grato a Deus por ter dado a alguns seres a inspiração de viabilizar a edificação se vosso conforto!).
Os exemplos vão muito além (como já deixei implícito anteriormente).
Agora podemos começar a falar do ócio criativo.
Mas isso deve ficar para o próximo ensaio (parte 2).
Referências:
[1] https://finger.ind.br/blog/ocio-criativo/
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