O maravilhoso filme Milagres do Amor (que vi recentemente) é a segunda parte de uma história que começa com o filme O Milagre. A beleza da história é tanta que me sinto impelido a escrever mais uma resenha - ainda mais elevada, inspirada, que transmita o sentimento que atingiu minha alma ao assistir o desenrolar dessa bela (e verídica) história.
Fig.1: Um filme belíssimo, que retrata uma história verídica. A vontade, a perseverança e a coragem se revelam ingredientes fundamentais para a gênese da cura de uma deficiência. Através da postura do professor perante a situação, Aziz se direciona para a transformação.
Aqui o foco é na gênese da amizade entre o professor (Talat Bulut) e Aziz (Mert Turak). É o acontecimento que gera uma relação entre duas pessoas. Uma relação que molda uma aldeia. Que inicia um processo de transformação de um espírito que deseja expressar sua bondade da forma mais energética. Um espírito bom enclausurado num corpo deficiente, com restrições aos movimentos, à fala, aos gestos. Mas o olhar transmite a essência e o ímpeto se faz persistente. Esse é Aziz, o rapaz deficiente de 31 anos que é constantemente zombado pelas crianças de sua vila.
As cenas iniciais mostram a belíssima cidade natal do professor. Suas filhas percorrem as ruas com seus sorvetes de casquinha. A paisagem é viva e está em harmonia com a animosidade da cidade. Uma cidade litorânea, banhada de sol e de vida. De caos criativo e vivo.
As filhas adentram na casa e o professor está discutindo com sua esposa. Ele deve ir a uma vila do interior para lecionar. É uma tarefa que lhe foi designada. Como funcionário público, deve cumprir o dever para ter garantida sua aposentadoria e conforto. Sua esposa não gosta da ideia, fazendo com que o professor vá por conta até a vila.
Sobre o professor, não se trata de um homem qualquer. Desde o começo percebemos seus traços peculiares. Sua determinação em cumprir seu dever. Sua vontade em realizar construções - sejam elas de uma escola ou de uma personalidade.
Após uma longa viagem de ônibus, o professor chega ao ponto final - ainda longe de seu destino. A estrada só vai até aquele ponto, já dando ideia do grau de isolamento do local em que ele irá lecionar. E continua sua jornada a pé, vencendo espaços belos porém inóspitos.
De montanha em montanha, vencendo o isolamento, o professor chega a uma vila distante. Um local belíssimo porém inóspito, sem eletricidade, sem serviços básicos, esquecido pelo governo. E sem... escola. Uma vila que lhe recebe com muito temor logo de cara. Pois não esperavam um professor naquele local. Mas que, logo após perceber quem é, acaba por albergá-lo.
Através do professor, o espectador passa a conhecer melhor a vila e seus habitantes. Pessoas simples que "dependem de Deus durante oito meses e do governo durante quatro meses". É o que o "chefe" da vila afirma para o professor quando o inverno se aproxima, cuja duração é de oito meses e deixa o local isolado completamente do mundo.
O professor tenta conversar com políticos da cidade, mas não encontra nenhuma preocupação (ou sensibilidade) das autoridades em edificar um local para que ele possa dar sua contribuição para a pequena vila. Ele está sozinho em sua vontade. Os habitantes do lugarejo, abandonados, são impotentes face às circunstâncias. O destino parece ser mais do mesmo - de sempre. E assim nada resta a não ser retornar à sua cidade.
Mas na iminência de voltar à sua morada, o professor toma uma decisão: irá construir a escola. Com o próprio dinheiro. Vai à cidade e telefona para sua esposa. Inventa uma história mirabolante e ao mesmo tempo convincente, dizendo que foi sequestrado e que precisa de duas mil liras turcas para que tenha sua vida preservada. A encenação é realmente intensa e cômica. Uma mentira necessária para conseguir fazer um gesto de bondade, pois sua esposa jamais aceitaria dar dinheiro da família para terceiros de um local remoto. Como eu disse, trata-se de uma criatura fora de série.
Mas há uma condição para ele ficar e construir a escola: as meninas poderem estudar também. Os "chefes" aceitam e a história conjunta do professor e os habitantes continua. E surpresas continuam vindo.
A construção recebe auxílio de bandidos - na verdade os leões da montanha, pessoas não violentas. Um grupo que, sem complicações ou aparente interesses, ajuda a construir aquela escola. E em pouco tempo está tudo feito. As aulas começam. E o corpo físico (escola, a construção), conjuntamente com o espírito (professor), dão novo sopro de vida à pequena comunidade.
Aziz chama a atenção do professor ao longo do tempo. O que causa esse interesse por parte do mestre? A persistência do rapaz deficiente de 31 anos - sua curiosidade pelo novo, sua alegria pelas coisas simples do mundo e da vida - parecem exercer uma influência magnética sobre a personalidade do professor, que decide dar um passo além: admite Aziz em suas aulas, dedicando-se a ele. Ele o aceita. Acredita em seu potencial. Não mede esforços para fazer o que sente ser sua mais sincera vontade.
Ao longo desse trajeto, a vida do professor causa influências no comportamento de Aziz. Este ganha confiança e passa a perceber que existe uma outra realidade possível. Por mais longínqua que seja ela, parece haver algo. Mas nem ele nem o professor imaginam qual será o resultado final de tantos princípios seguidos com tanta perseverança e desinteresse (=amor).
As surpresas da vida podem causar um abalo muito profundo nas pessoas. E o modo como esse abalo é sentido muda tudo. Quem está ao seu lado, próximo a você, nos momentos mais críticos, pode ser a chave para a verdadeira transformação. A natureza da pessoa se revela pelas conexões que consegue atrair e pelos choques que lhe golpeiam. E assim, após um evento crítico e por forças do destino, Aziz acaba se casando com a mulher mais linda que jamais pisou na vila, Mizgin (Biran Damla Yilmaz).
Mizgin conhece o Alcoorão. Ela cozinha de tudo. É inteligente e dedicada. Bonita, muito bonita. Simpática. Uma mulher bondosa. O destino a une com Aziz, alguém deficiente porém diferente de todas pessoas por dentro. O pai de Mizgin, quando é advertido pelo pai de Aziz sobre a sua proposta ("meu filho é deficiente"), responde: "contanto que não seja deficiente do coração". E isso Aziz realmente não o é. Muito ao contrário, o que o espectador sente ao longo do filme é uma alma bondosa, que jamais faria o mal a qualquer criatura, e que se alegra pelas coisas simples da vida (=gratidão). Uma alma em busca da melhoria constante, apesar de todas barreiras e de toda concretude de sua deficiência física. Uma alma reage por outras vias, interiores. Que sofre uma maturação íntima para alimentar sua vontade e esforço externo.
Mizgin sofre junto com Aziz. Inicialmente, por não aceitar seu destino. Depois, por ver seu marido sofrer porque ela está sendo caçoada pelas mulheres da vila. Ele já se acostumou a ser caçoado e desacreditado como pessoa capaz. Mas não suporta nem admite ver alguém sofrer (especialmente sua esposa, tão boa e bela e inteligente) devido a situação. E assim ambos co-evoluem. Ela através da tristeza que se torna preocupação conjunta que vira dedicação que se plasma em aceitação que vira dedicação amorosa que finda num...milagre.
Ao contrário do que li numa resenha, o milagre vem de Deus sim (como tudo). Mas através de um esforço humano ímpar, com participação de um dedicado professor, uma esposa que evolui junto com seu marido, e choques da vida. Não é um milagre no sentido comum do termo (como as pessoas entendem), mas um milagre que se opera a todo momento.
Um milagre que se constrói a cada instante (continuum da psique), em que cada olhar, gesto, atitude a ato tem um valor registrado na eternidade;
Um milagre que é sempre possível, mas cuja materialização depende da persistência, da lealdade, da vontade e do amor;
Um milagre que está a espera de ocorrer, mas que depende do estofo espiritual dos seres que o viabilizam;
Um milagre que não é um simples apertar de um botão, uma reza, um ritual ou uma demonstração de força, mas uma sintonização...um ato de fé que não se interessa nos resultados. Que busca incessantemente, apesar de todas barreiras.
Um milagre que se atinge através da imersão no processo...na vivência sincera...na superação deste plano...
Um milagre que depende de uma co-participação: da Fonte (Deus) e do esforço da Criatura (nós). Um é fonte incessante de vida - o outro precisa despertar para se alinhar ao máximo com Sua vontade.
Esse é o verdadeiro milagre. E ele existe.
O filme é baseado numa história real.
Aziz vive e sua esposa também. E seus filhos e seus netos. E essa história, através da Arte que expressa o pensamento de Deus (Suprema bondade e inteligência), fica assim marcada na eternidade, pois a ela pertence.
Trailer do filme:
Trilha sonora do filme:
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