Numa dessas conversas profundas e informais com meus amigos do parque tenho sempre a oportunidade de ouvir as mais profundas verdades reveladas através da mais bela arte ou da mais racional filosofia ou da mais apaixonante ciência. Verdades que se revelam devido ao ambiente descontraído - sem cultos ou dogmas - e natural - com muita fauna e flora ao redor.
Quando indivíduos em busca de uma Orientação Suprema se reúnem, sem compromissos externos (mas compromissados internamente com algo que desconhecem), tudo segue um ritmo natural, caracterizado pelo seguinte preceito: nada é imposto por fora (subjugação), nem forçado por dentro (troca egoística). E assim tem-se um ambiente de trabalho virtuoso, que está muito à frente dos sistemas que remuneram seres em troca de execução viciante, que aliena além da conta e, para compensar, induz à busca de satisfações imediatas que apenas prendem o Ser (que É mas não sabe que É) a essa execução, num ciclo aparentemente sem fim (finalidade) e esperança (objetivo de ascensão).
Tudo isso relatei para mostrar o ambiente de produção do futuro, caracterizado pela geração de valores internos que fazem uso racional dos fatos e circunstâncias externas e internas. E para introduzir uma frase que foi dita por um senhor de idade, já aposentado, em busca da sabedoria suprema.
"O líder não é aquele que conduz o grupo contra a vontade do mesmo, e sim aquele ente capaz de aglutinar os interesses aparentemente divergentes numa marcha efetivamente convergente, tendo em vista o progresso de todos."
Acrescento que esse processo se dá por via da persuasão e visão sintética. Tem-se então a necessidade de possuir uma capacidade de passá-la (visão), na medida dos recipientes (membros), de forma organizada e convincente. E também, quanto mais esclarecido esse líder for, mais preocupação em fazer esse progresso transbordar do grupo para o entorno (ambiente e sociedade).
Um ser que deseje impor algo a um grupo não terá sucesso se não for capaz de: 1) encontrar interesses comuns, e com isso; 2) demonstrar que a coordenação destes pode levar a um ganho coletivo.
A natureza biológica do Ser apenas aceita aquilo que está no seu nível evolutivo ou próximo dele. Ela predomina sobre todas circunstâncias externas. Eis o porquê de tanto seres infra-normais (sensitivos) quanto seres supra-normais (intuitivo-intelectivo-sensitivo) não serem capazes de convencer e liderar seres normais (intelectivo-sensitivo). O primeiro está evolutivamente abaixo do grosso da humanidade, e essa, apesar de suas recaídas e manifestações secretas, - dos instintos mais baixos - não aceita o menos para guiá-la. Por outro lado, o santo, o gênio e o místico, devido à sua composição nervosa-psíquica altamente sensibilizada, capaz de perceber a organicidade do Universo macro e micro, tem dificuldade em estabelecer contato com a humanidade, sendo geralmente vistos como loucos (apesar de mansos) e portanto não-aptos para conduzir povos. E de certa forma é verdade: de nada adianta conduzir seres incapazes de conceber objetivos mais efetivos, realidades mais profundas e horizontes mais vastos. A ruptura é iminente. E por essa mesma razão esses biótipos, que constituem uma antecipação biológica do Ser futuro, optam por trabalhar a seu modo - sem no entanto deixarem de se relacionar com o mundo. O sucesso desse mundo é reservado apenas para o talento intelectual. Algo que, apesar de bom, carece de orientação e em si mesmo - e por si mesmo - pode engessar a evolução.
Estamos diante do drama milenar que assola todo ser consciente - em sua mais profunda essência. Em nosso estágio evolutivo, cada vez mais indivíduos, de forma tão intensa quanta aquela sentida por Hermes Trimegistus, Moisés, Buda, Cristo, Platão, Sócrates, São Francisco, Pascal, Spinoza, Ubaldi, entre outros. E é por isso que sempre sentimos essa necessidade de sermos guiados por seres com essa capacidade de ordenação, que nossos tempos atuais denominam "líderes".
A essência não muda, mas a forma muda constantemente, em busca dessa essência. Tentaremos todos os modos ineficazes e ilusórios de chegar à Realização Verdadeira antes de nos decidirmos pelo caminho ascensional reto, sincero e universalmente filosófico. Isso explica porque os nossos cultos foram mudando de forma à medida que avançamos no campo filosófico, científico, e social.
Na pré-história existiam os sacerdotes (guias do grupo) e guerreiros (protetores e expansores do grupo); depois, passamos para um estágio de sofisticação maior, com estruturas hierárquicas, igrejas e feudos; após isso, nasce o método, a análise, a organização mecânica e a produção. Num primeiro momento o culto que era da Igreja passa a ser do líder político, do Estado, cuja função - em sua essência desenvolvedora dos seres - passa a ser subordinada a interesses privados. Um consórcio entre Estado e Igreja é estabelecido. Após experiências passamos para um momento de "liberdade", caraterizado pelo enfraquecimento de certas estruturas e fortalecimento de outras. Aí temos o líder econômico-mercantil, o líder socializável (mas raramente com sensibilidade social [1]), que não se identifica com estruturas visíveis, mas sim com valores intangíveis. Se identifica mas não é nem vivencia - salvo raríssimos casos. Exerce-se autoridade por meio de mecanismos sutis, criando um ambiente "saudável", apoiando se numa estrutura que foi feita para servir (ou talvez falhar). Servir aos interesses egoísticos, que não percebem relações de longo prazo nem sentem as riquezas da simplicidade e da inatividade externa (que é atividade interna).
LÍDER GUERREIRO -> LÍDER RELIGIOSO -> LÍDER POLÍTICO -> LÍDER ECONÔMICO
Se hoje assumiu-se uma nova terminologia, a filosofia de convencimento foi sempre a mesma em sua essência.
Mas como a matemática e a lógica atestam: ter sido sempre de um jeito não implica que será sempre desse jeito. Ou, em outras palavras: o passado indica o que pode ser no futuro, mas não será o futuro em si - a não ser que queiramos isso...
Algumas pessoas já se deram conta de que temos à frente um período que será diferente em sua essência. A capacidade sintética e intuitiva se espalha e é reconhecida como algo além do meramente "pouco sério" ou "utópico" ou "papo fascinante mas irrealizável". Pois sabemos que existem dois tipos de utopia [2]: a construtiva e a corrosiva. O problema é que muitos ainda veem (ou querem ver) a utopia construtiva como corrosiva, e louvam a utopia corrosiva - vista como construtiva. Mundo emborcado.
Parece que experimentamos todas formas de lideranças. E começamos a perceber a unidade de sua essência, e a importância - por pior que seja - de sua implementação ao longo da história dos povos. Após a experimentação de todas antíteses do mundo, resta ao ser percebê-las e sentir uma meta que unifique-as (a Grande Sìntese).
Em outro ensaio examinei como se dá essa tendência, o transformismo (vir-a-ser) da consciência humana, revelando uma quebra de paradigma a cada transição interior efetiva de fase [3]. Pois bem, relendo - e refletindo e sentindo - o texto é possível perceber que existem três bipolaridades convivendo, ora em forma de conflito, ora em forma de harmonia [4].
Quando temos consciência coletiva, predomina o conflito Sentidos X Intelecto.
Esse estágio é aquele do grosso da humanidade presente, que vem desenvolvendo intensamente o intelecto (ainda) nesse século XXI, tendo atingido um clímax explosivo no século XX. Muito desse intelecto é usado - disfarçadamente - para satisfazer os instintos, ora pouco danosos, ora muito danosos. Em nível individual, familiar, regional ou de nação; em nível partidário, de seita ou de orientação econômica.
Quanto tivermos consciência individual, predominará o diálogo de idéias Intelecto <-> Intuição
Nesse estágio existe - e por muito tempo existirá - os sentidos. Porém nosso mundo interior sensório não terá mais o poder de conduzir o ser humano em sua busca por felicidade - uma felicidade cada vez mais vista como consequência de uma auto-realização. Ele ocupará sua devida posição de estabilidade, cumprindo seu papel essencial, docilmente, para que o intelecto entre em regime permanente e as capacidades intuitivas-sintéticas aflorem. Nesse ponto a pessoa inicia um processo de destaque do pensamento coletivo, aprendendo a buscar por si mesma ao passo que suas interações com o mundo se tornam mais seletivas, com menos expectativas do exterior e mais trabalho interior (visto hoje como não-trabalho...).
Quanto tivermos consciência universal, predominará a vivência suprema Intuição < Místicismo
O último estágio visualizado - mas não inteiramente vivenciado - pelo santo da Umbria (P. Ubaldi). Não haverão mais conflitos de idéias internos, e o mundo externo, por mais que agrida o ser desse grau consciencial, nada afetará em seu estado interior e sua tarefa de plenificação. É o ápice evolutivo concebido até hoje [5]. Da mesma forma que para os sentidos, o intelecto ainda desempenhará seu papel, mas este será secundário - tendendo a terciário. Dessa forma sentidos e intelecto estarão estabilizados, enquanto a intuição se desenvolve gradativamente.
Sentidos X Intelecto (1)
Intelecto <-> Intuição (2)
Intuição < Misticismo (3)
Apesar de um encadeamento lógico de quebra de paradigmas, percebe-se que a relação entre as duas grandezas do momento (a atual e o vir-a-ser) tende a se tornar cada vez mais amigável.
Enquanto atualmente existe confronto (X) entre os sentidos e o intelecto - sendo este o modo de relação (ou "socialização") inerente desse binômio; o binômio seguinte apresentará um modo de ascensão mais construtivo e virtuoso, caracterizado pelo estabelecimento de uma comunicação elevada de idéias, reflexões, arte...de modo orientado (<->). Ainda não se percebe claramente o alinhamento em todas esferas da vida, apontando para o seguinte rumo evolutivo
... < sentidos < intelecto < intuição < misticismo < ...
Um rumo que usa o bom do passado e rejeita o que não mais tem utilidade biológica, para se preparar para o devenir (divenire, ou vir-a-ser). Finalmente, após uma longa jornada ascensional, aqueles capazes de terem feito proveito das experiências, insistindo na busca pelo autoconhecimento pleno de si e sua consequente auto-realização, chegarão a ter um binômio não conflitante (X) nem dialogante (<->), mas simplesmente "vivenciante" (<), em que o menos se coloca em seu lugar e serve o mais. Cessam as cisões internas, chega-se à harmonia coletiva total.
Uma sociedade como a (1) precisa de líderes por não ser individualmente liderável. É alo-causada mas não auto-causante.
Indivíduos que vivem o estágio (2) dentro de uma sociedade do tipo (1) não veem sentido em pertencer a um grupo, seja qual for. Não por medo nem por ódio, mas apenas por iluminação interna (libertação). Eles se socializam quando sentem estreita afinidade. E agem conforme o mundo espera até o ponto em que isso não distorça sua natureza divina - já sentida e vivida, que todos possuem. Seu único dilema é conseguir os meios de subsistência - que este mundo ainda priva por egoísmo e cegueira doentia.
Quando o coletivo da humanidade atinge o estágio (2) cessam os males mais cruéis que assolam e assolaram nosso mundo: guerras, fome, falta de abrigo, ganância desmedida (nosso mercado), e males do tipo. As pessoas já sabem se auto-governar, e graças a isso um governo verdadeiramente socialista será possível**. Com isso cessa a necessidade de grande líderes, sejam eles sacerdotes, homens de estado, ou lideranças empresariais. Passamos a ser auto-causantes e não alo-causados. Por isso serão necessárias poucas leis (autoridade).
Uma sociedade na qual cada um se auto-governa não necessita de igrejas ou governos ou empresas.
Ela tem uma fidelidade para com o Infinito, que estimula o amor e trabalho (real);
Ela possui uma organização gerada por coesão, que torna a administração externa mínima;
E ela possui um senso de simplicidade aliado a um ímpeto criador incrível, que torna maléfico a existência de conglomerados econômicos.
Nesse mundo os "males" a serem vencidos são os pequenos vícios e defeitos: a erudição excessiva, as segundas intenções, a alimentação inadequada, os sentimentos e pensamentos ruins, a ligeira valorização dos bens e do corpo, entre outros.
Quando a sociedade atinge o estado supra-orgânico (3), NENHUMA lei é necessária, pois nenhuma punição tem sentido, uma vez que todos males grandes ou médios foram eliminados. Resta o aperfeiçoamento máximo, que levará a uma imortalização da alma ***.
Esse é o mundo silenciosamente construtivo, tranquilamente dinâmico, harmonicamente impulsionado e...
Ansiosamente buscado por cada Ser.
Um mundo sem líderes ou liderados...
Em que a única obediência é por livre convicção.
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Referências
[1] http://leonardoleiteoliva.blogspot.com.br/2014/02/sensibilidade-social-versus.html
[2] http://leonardoleiteoliva.blogspot.com.br/2014/08/dois-tipos-de-utopia.html
[3] http://leonardoleiteoliva.blogspot.com.br/2015/04/evolucao-da-consciencia-coletiva.html
[4] Me refiro ao binômio de cada que co-existe em cada fase:
A primeira é sensória-intelectiva,
A segunda é intelectiva-intuitiva, A terceira é intuitiva-mística.
[5] Conforme Ubaldi destacou em seu 4o volume Ascese Mística, tudo indica que existem outros níveis além do grau "místico-unitário". No entanto, considerando a visão de futuro além-do-esperado
(inconcebível mesmo para os altamente sensibilizados) conseguida pelo místico da Umbria, não
foi possível ir além, restando esse trabalho para futuros biótipos, ultra-sensíveis.
* Existe uma belíssima música de autoria do italiano Ludovico Einaudi que passa esse sentimento de transformismo do ser (https://www.youtube.com/watch?v=b8SkX9CSJQo)
** Gosto de lembrar que socialismo não é a antítese do capitalismo, nem que inexiste capital ou
comércio ou liberdade em tal regime. Apenas a organização coletiva (o sistema) é conduzida
em prol do desenvolvimento social (saúde, educação, segurança, justiça "mais justa", habitação,
cultura, etc). O capital serve o social. Porque o social é a esfera mais próxima. Aquela que
tangencia o SER.
Para esclarecimentos recomendo a leitura do seguinte ensaio:
http://leonardoleiteoliva.blogspot.com.br/2015/03/nocao-de-transformismo.html
*** Essa terminologia e idéia é de Huberto Rohden, grande sábio do século XX.
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