Poucas coisas eu sei. Quase nada. Mas de uma coisa tenho certeza - mesmo que não sabendo explicar ou provar:
Nosso Universo é dualista, feito de pólos, sendo que os opostos são complementares (e não contraditórios) entre si. Mas esse dualismo está controlado por um férreo e benévolo monismo.
Fui adquirindo essa certeza à medida que percebia que, num mundo com opostos cada vez mais diferenciados e portanto complexos, nenhuma solução pode ser obtida através do combate, com a aniquilação completa de um e a prevalência do outro. Por quê? Porque como tudo É Deus (isto é, vem de Deus, está em Deus e vai para Deus), cada parcela possui uma parcela da verdade. Ou seja, cada filosofia, religião, grupo, família, nação, saber, profissão, época, civilização,...cada individualidade tem em si desperta uma chispa do aspecto divino - e o resto ainda está na ignorância, à espera de iluminação.
Fig. 1: A águia é livre em seu voo, mas sujeita às leis que o regem. Ao mesmo tempo, ela pode usá-las
e assim fazer peripécias. Imagine o que nós humanos, podemos fazer. Fonte: analogicus (Pixabay).
À medida que tudo evolui (inclusive o ser), a diferenciação cresce. Cada fenômeno e individualidade se torna mais complexo - ou seja, possui mais interdependências, se torna mais frágil materialmente e organicamente; mas no entanto fica mais criativo psiquicamente e espiritualmente. A solução desse caldo de individualidades múltiplas altamente especializadas em funções; intensamente focadas em campos específicos; não seria a percepção de contrastes - que levaria a choques destrutivos. A solução é perceber as interfaces entre pessoas e fenômenos tão díspares. E a partir delas estabelecer conexões construtivas. Conexões que levariam o organismo - do qual esses elementos constituintes fazem parte - a um estado mais evoluído. Isso é sinergia.
Como AGS* nos revela e demonstra, os equilíbrios da vida são mais instáveis do que os da matéria. Seus ritmos são mais intensos e curtos. A dinâmica é totalmente diferente. Ela é sujeita às mesmas leis da matéria. Mas dentro de seu escopo, também obedece a outras leis (metabolismo, instintos, reações, reprodução, pensamento, sensações,, sentimento, etc.). Leis desconhecidas do mundo da matéria inorgânica e das formas dinâmicas (energia). Será que isso significa maior escravidão?
Quanto mais leis governam um ser, menor é a liberdade desse ser? Muitos creem que sim, pois o livre-arbítrio do ser seria diminuído à medida que os graus de liberdade são limitados por leis. Mas e se pensarmos que essas leis, à medida que se revelam nas formas de vida superiores, podem trabalhar de modo igualmente sinérgico?
Fig.2: Todas leis estão interligadas e apontam para a unidade - que está além da nossa compreensão atual.
Pense o seguinte: a lei de convecção (de calor) pode ser usada para nossa vantagem assim que dominarmos (conceptualmente) o fenômeno de transmissão de calor. Se não dominamos o fenômeno - ou seja, não sabemos sua causa, seus efeitos e suas relações com as coisas - seremos sempre sujeitos a surpresas inesperadas. Tudo isso vale para a lei da gravitação, da conservação de massa, as leis da termodinâmica, o eletromagnetismo, a relatividade e mesmo a mecânica quântica. O nível humano também, com todo seu psiquismo e fenômenos socioculturais.
À medida que dominamos completamente uma lei, compreendendo à fundo como não nos machucarmos (físico) ou magoarmos (psíquico) com ela, passamos a nos mover de modo mais fluído na existência: o atrito diminuí à proporção que cresce a percepção. Essa percepção, evoluindo, se torna consciência plena. Compreende-se o porquê de agir de forma aparentemente restrita - mas que de fato não é, pois os ganhos à longo prazo de seguir essas aparentes restrições são imensos. Ganhos que acabam se incorporando ao ser, via experiências. É algo que não pode ser roubado, extraído, repassado. É único e portanto especial, produto de uma experiência vivenciada conscientemente e atitudes desenvolvidas sinceramente.
Perceberam? O crescimento através das leis é resultado da compreensão das mesmas.
Li um ensaio interessante que abordou esse tema a partir de outra perspectiva [1]. No texto, o autor usou a questão da viagem no tempo para explicar porque não temos livre-arbítrio (e tudo bem, segundo ele).
Num certo trecho ele fala algo muito interessante:
"My understanding of the lack of free will does not remove our accountability for the things we do."
Traduzindo e destrinchando melhor, o que ele quis dizer foi que, em seu entendimento, a ausência de livre-arbítrio não nos exime de sofrer as consequências dos nossos atos. Isso é uma verdade mas precisa ser explicada um pouco melhor, a partir da obra de Ubaldi.
Qualquer coisa está sujeita às leis que a governam. Se uma criança de três anos cai de um penhasco e se estatela, sofrerá as consequências finais - mesmo que não tenha ciência do perigo ao qual se expôs. Isso é fato, e comprova o que o autor disse. Podemos estender isso para todas as esferas da vida e veremos que não há como questionar. Mas há um detalhe que não foi explorado - porque não foi atentado para a questão do determinismo e livre-arbítrio em níveis mais altos.
Como eu já disse, as leis físicas dominam tudo e todos nesse Universo. Mas as leis biológicas se aplicam apenas às formas de vida, sejam elas como as conhecemos ou de outros tipos. E as leis psíquicas, sociais, culturais se restringem apenas à nossa espécie. Percebam que apesar dessas especificidades a matéria engloba tudo; a biologia engloba as plantas, animais e homem; e a psique é exclusiva do Homo sapiens (nós). Percebam o monismo do fenômeno evolutivo!
Se eu causo algo que irá repercutir num mal coletivo e não sofro as consequências, parece que escapo das leis da matéria, da energia, da vida - e mesmo das leis humanas. Muitas pessoas o fazem e vivem bem e morrem no sossego. Mas a consciência perpassa existências, e pode colher efeitos depois de uma existência terrena. Aplicando a teoria da reencarnação ao mundo muitos dos paradoxos são resolvidos. Tudo se torna lógico - e portanto justo.
Mas sigamos a linha do autor.
Ele acertou no sentido de que, uma vez feito algo, sofremos as consequências naturais daquele ato (determinismo).
No entanto, não ter ciência de certo fenômeno (inocência), apesar de não nos eximir dos males nos níveis mais baixos, nos livra de reações inteligentes, focadas na reparação do mal causado. Porque a intenção, sendo boa mas cega, receberá apenas uma reação do ambiente apta a ensinar ao ser como as coisas funcionam.
Fig.3: O livre-arbítrio que nasce de um determinismo elaborado fecunda o mesmo, tornando-o útil.
Este responde, 'apontando' para o livre-arbítrio os caminhos para novas descobertas.
Por outro lado, aquele que pratica algo mal intencionado (com ciência das consequências para os outros), o faz com responsabilidade. Provavelmente não sofrerá os efeitos diretos de suas ações - mas preparou inconscientemente um jogo de forças sutis, elevadas, que irão determinar seu destino através de uma concatenação de eventos que formam uma trajetória rumo a um destino. Trajetória cristalizada e com destino final fixo. Lendo Ubaldi percebemos que este ser também sofrerá consequências por seus atos - mas diferentemente do inocente, as consequências serão mais amargas. O aspecto continua pedagógico, mas dado a responsabilidade, será mais doloroso, dando às vezes uma ideia de castigo.
Comprovo então o que o autor disse, mas indo mais à fundo nessa questão.
Mas há um ponto em que minha ideia é diferente: existe livre-arbítrio E determinismo
Porque apesar do Universo ser um organismo ditado por leis, à medida que nos conscientizamos dessas leis e evoluímos, estando sujeitos a novas leis (e dominando-as subsequentemente), vamos nos dando conta de que a obediência e o bom uso delas nos traz mais alegria.
Por isso Rohden disse que o ápice evolutivo é ser livre para se alinhar completamente à Lei de Deus. Parece um paradoxo, mas não é. Para quem compreendeu a perfeição da Lei, não há desvantagem em segui-la. Ela, sendo a natureza de Deus, é absolutamente perfeita e portanto nos quer sempre o bem. Só precisamos mudar nossa percepção do bem. Spinoza já dizia que, para vivermos em paz, era necessário alinharmos ao máximo nossa vontade com a vontade de Deus.
"Pai, que seja feita a Tua vontade e não a minha."
Jesus Cristo
O que é bom para alguém que vê mais (Criador) deve parecer ruim para quem vê menos (criaturas). À medida que se expande a consciência (ver mais), compreende-se melhor porque as coisas ocorrem do único jeito possível - após as causas terem sido lançadas.
Por esse motivo nos revoltamos e muitos afirmam que a liberdade não existe. Mas (aí que eu discordo da conclusão de [1]) a questão é que o livre-arbítrio existe sim. Mas (mas...) ele se amplia à medida que expandimos a consciência. E ele tende a tentar vencer o determinismo do que conhece e desconhece, numa batalha aparentemente perpétua. Mas o determinismo desconhecido (além) sempre à frente, vence esse livre-arbítrio progressivo e dá a cartada final nos momentos decisivos de nossas vidas, da História. Isso vale para indivíduos, famílias, nações, povos e civilizações.
A partir de um ponto, quando o intelecto atinge um apogeu que não pode mais se auto-sustentar, 'surge' uma força, que passa a predominar. É a intuição. E nesse ponto de virada a jornada evolutiva passa a ser ditada mais pela humildade e obediência à Lei do que ao domínio do outro e das leis [2].
Antes ignora-se a Lei suprema.
Depois ama-se a Lei suprema.
Podemos colocar numa relação de causa-efeito:
Expansão da consciência >> Uso proveitoso das leis conhecidas >> Descoberta de novas leis
Expansão - Uso - Descoberta
Percebem?
Quando fazemos uso inteligente (no verdadeiro sentido) das coisas que temos em mãos, nos sentimos livres e felizes. Estamos momentaneamente em harmonia. Isso cria um estado de recepção a novas descobertas. Com isso cria-se o ambiente para progressos coletivos mais interessantes.
Essas descobertas nos deixam perplexos à primeira vista. Num segundo momento, elas nos desanimam. Não conseguimos desvendá-las, muito menos superá-las. E usamos (até hoje) o método do domínio, gerando dores. E com isso surgem conflitos e paradoxos. É apenas com os lampejos dos gênios, as intuições dos inspirados, o exemplo dos santos e as experiências dos místicos que começam a ser abertas fendas. Com o tempo, a humanidade assimila. Assimilando, ensaia novos rumos, gerando choques com significado. Desses choques a consciência se expande.
Não sei se vocês notaram, mas estamos falando de ciclos. Ciclos ascensionais. E que oscilam comummente (avançamos e recuamos em meio à nossa jornada). Eis a TTMF**.
Fig.4: TTMF. A evolução é cíclica, ascensional e oscilante.
Concluimos que tanto determinismo quanto livre-arbítrio existem. Mas um (determinismo) circunscreve o outro (livre-arbítrio) e deseja seu melhor (porque vê mais). É como se o determinismo que vemos como limitante na verdade seja um convite para usamos ele da melhor forma para viver melhor - e ao mesmo tempo usá-lo como meio para descobrirmos novas leis. Sempre estamos transcendendo nosso nível. Eis a verdadeira liberdade: a liberdade de perpassar as camadas do determinismo se vestindo dele da melhor forma.
Se tornar livre não é anular o determinismo que prende o corpo, mas enquadrá-lo numa ordem mais vasta.
E no esquema mais amplo, claro, a Lei reina suprema. Mas quando a liberdade é máxima - relativa à nossa função no Sistema - a consciência e responsabilidade também. E compreende-se que a maior liberdade que existe é alinhar seu Ser com toda força, com todo amor, com toda criatividade, com a Lei de Deus.
“Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todas as tuas forças e com toda a tua capacidade intelectual’ e ‘Amarás o teu próximo como a ti mesmo’”.
Lucas, 10:27.
Notas:
* AGS = A Grande Sìntese
** TTMF = Trajetória Típica dos Movimentos Fenomênicos
Referências:
[1] https://medium.com/illumination/why-we-dont-have-free-will-2b69b0a2ca19
[2] https://leonardoleiteoliva.blogspot.com/2014/11/um-ciclo-duas-fases-piramide-expansiva.html
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