quarta-feira, 26 de janeiro de 2022

Estamos na trilha errada

Quando o autor empolga, nada o segura. Nem o calor e seus efeitos, nem o cansaço, nem a doença, nem qualquer outra coisa que se apresente diante dele. Ele prioriza o que sente como missão - ao mesmo tempo que se realiza cumprindo-a. Eis que logo após apresentar um estudo sobre a sustentabilidade planetária, mostrando tendências da civilização, vem a ideia de deixar o tópico ainda mais claro para o público, tornando mais vivo o que foi apresentado anteriormente.

As pessoas não enxergam com clareza certas coisas porque não lhes é conveniente. Seu modo de vida seria tremendamente abalado se tivessem de aceitar em seu imo certas observações. Certos preceitos. Seria necessário reformular tudo que julgavam saber com certeza. Seria necessário reestruturar sua vida. Radicalmente. E isso demandaria um esforço que muitos receiam. Esforço titânico. E um estofo fora do comum. 

Vamos começar aos poucos para construirmos a ideia de forma ordenada, sem dar aparências de imposição de opinião. Vou passar a visão que já tenho intuitivamente, desde minha adolescência, da forma mais racional, lógica, concreta, científica, imparcial e universal. Porque não adianta apelar para o sentimento sincero (que exige uma consciência mais intuitiva, de síntese, do que racional, de análise) das pessoas: elas exigem evidências, argumentações, lógica, provas e etc. Estamos num mundo de resistência ao transformismo íntimo da substância. De um ceticismo escravo de um comodismo de gozos. E por isso é mister fazer-se claro (claríssimo).

Vamos lá...

Todo o sistema econômico se apoia no substrato material, energético e vivo do planeta. Esses três elementos são a base de qualquer tipo de economia. Não existe economia sem recursos, sem energia, sem transformações, sem deslocamentos e sem trabalho humano. Então, além desses elementos-base (matéria viva e não-viva + energia), há o ser humano que, através de sua mente e habilidades, cria ferramentas e máquinas e algoritmos e inteligências artificiais e construções e saberes que geram um corpo de conhecimento - que se atualiza incessantemente, acompanhando o grau de consciência da média de um povo, nação ou humanidade. Pode observar qualquer coisa que ocorre neste planeta: não tem como existir uma economia imaterial. 

Sim: podemos ter uma economia intangível, imaterial, em que 90 ou 95 ou 98% do PIB seja oriundo de serviços e bens virtuais. Isso no entanto nunca será 100%. Porque nós temos corpos e comemos e fazemos necessidades e nos limpamos e queremos certo prazer e temos doenças e ficamos gripados e precisamos de experiências sensoriais e nos movermos e muito mais. E esses 10% ou 5% ou 2% que restam do PIB de uma economia dessas, apesar de representarem pouco no balanço econômico, são fundamentais para que os outros 95 ou 98% existam. Isso é muito claro para você e eu, meu amigo. Porque somos pessoas pensantes, razoáveis, em busca de uma verdade (e vivência) mais profunda. Mas para muitos economistas, que estudam e atuam e são responsáveis por influenciar o destino de muita gente com seu trabalho e pesquisa e decisões pontuais, o que eu acabei de lhe mostrar é irreal. Não deve ser considerado nos modelos. Porque sempre existe uma solução mágica (para eles) para contornar os problemas. 

Vejamos o diagrama abaixo, da economista Kate Raworth - que não tem a mentalidade do grosso dos economistas.

Fig.1: Diagrama sintético do sistema Terra-Biosfera-Sociedade.

Ele é auto-explicativo. Percebam que sem as entradas externas (do Sol e da Terra) não temos economia e consequentemente desenvolvimento e criações humanas. Sem estrela e planeta, sem civilização. E sempre será gerado resíduos e calor. Sempre. 

Tem economista que modela e simula e planeja e prevê tendo por base que nosso mundo é de fantasia. "Plim!", e aparece uma maneira de eliminar resíduos sem nenhum esforço, sem nenhum custo, sem nenhum sacrifício. Um livro muito bom que mostra como todo o sistema econômico foi estruturado a partir de premissas errôneas é este aqui [1]. Segundo alguns que leram, é um verdadeiro tour de force do autor para demonstrar o porquê de termos crises constantes desde o século XVIII - a despeito de todos esforços em mitigá-las e tentar evitá-las.

Por quê não conseguimos eliminar os problemas?

Simples: porque não existe solução possível e definitiva dentro de um paradigma cujo conjunto de premissas estão equivocadas a respeito da natureza (infra-humana e humana).

Para o economista padrão de nossos dias é tudo uma questão de troca de mercadorias. Oferta e demanda. Basicamente. Resíduos, degradação da energia (=entropia), perda de biodiversidade, aquecimento global e coisas do tipo são problemas inexistentes para esses seres. Porque podem ser resolvidos com tecnologias novas, com ajustes financeiros. Tal qual o mundo das religiões ocidentais monoteístas-criacionistas, o mundo dos economistas é bem simples. As soluções são diretas e efetivas. E muitos creem nesse mundo porque lhes é cômodo. 

Pensar (de verdade) dá muito trabalho.

Quando eu crio valor, preciso converter uma forma de energia em outra - e nesse processo há perda de qualidade da energia, o que chamamos de aumento de entropia. Levo caixas de um lugar para outro, gastando minha energia, e em troca ganho uma quantidade de dinheiro. Esse dinheiro posso usar para comprar alimentos (e repor a energia perdida no serviço e naturalmente, pelo simples funcionamento do corpo), que servirão para mim e minha família, por exemplo. Se eu tiver sido bem pago, posso usar o adicional para comprar um produto pela internet (ex.: um livro), cuja produção exige energia e material, e cujo transporte exige energia e material também - além do trabalho de um ser humano, que está dando parcela do seu tempo para satisfazer uma necessidade que considero importante. Tudo isso envolve energia. 

Até o século XVIII a produção de bens era escassa. Não havia conforto para muitos. Materiais especiais não existiam. Transportes de grandes volumes era inviável. Até mesmo a revolução da internet, da comunicação, digital, das redes, não poderia ter ocorrido - mesmo tendo o conhecimento de hoje - porque era necessário possuir os materiais e as fontes de energia. Pare para pensar nisso um pouco.

Eu me dedico de corpo e alma para divulgar a visão monista de mundo (em especial através da obra de Ubaldi) porque ela se encaixa perfeitamente em todos assuntos que trato aqui (e muito mais). 

Vejamos a Grande Equação da Substância:

Fig.2: Equação da Substância em seu aspecto de irradiação tríplice.

Veja bem a ilustração: ela nos diz que a substância (ômega) equivale às três formas de manifestação em nosso universo decaído (AS). Essas formas são matéria (gama), energia (beta) e espírito (alfa). Suas dimensões características são, respectivamente, espaço, tempo e consciência. Isso diz que aqui (em nosso universo), no nível manifesto ou superficial, tudo é local, sequencial e relativo

A Mecânica Quântica já aponta para uma realidade mais profunda. David Bohm fala sobre variáveis implícitas. O que isso significa é que a realidade, em sua essência, é constituída de um substrato que nossos instrumentos são incapazes de detectar e nossa mente é impotente para conceber. Logo, ignoramos esse aspecto (ainda). Mas cedo ou tarde, seremos forçados a levar a sério o que foi apresentado pela revelação de Ubaldi e pelo pensamento de grandes mentes e corações.

Essas três formas que a substância assume em nosso universo interagem entre si a todo momento. Elas surgem "juntas" e são intimamente jungidas em sua estrutura, em sua dinâmica e possuem uma finalidade. Falo sobre tudo isso porque quero ressaltar que a informação (que podemos ver, grosso modo, como um aspecto inicial de alfa, ou espírito) depende do substrato físico (matéria e energia), para se manifestar e fazer valer o seu conteúdo. Em suma: nosso mundo tecnológico, digital, de comunicação, de redes, não existe sem uma alimentação contínua de energia e renovação material. É como se estivéssemos construindo uma pirâmide e quiséssemos chegar ao topo (estilo Torre de Babel). Quanto mais alto, maior a sofisticação. Mas tudo depende da base. Sempre, até o fim dos tempos - mesmo que cheguemos mais e mais alto.

Poderia ficar escrevendo páginas desse aspecto, trazendo as três gunas do hinduísmo, ou as ideias do taoísmo. Mas foge do escopo deste ensaio. O importante é ter consolidado essa ideia de hierarquia, interdependência e contiguidade entre esses elementos. 

Quando começa a Rev. Industrial (econômica) a questão material começa a mudar radicalmente. Aliada ao Iluminismo (valorização do pensamento e conhecimento racional) e a Rev. Francesa (política), nosso mundo sofre uma transformação sem igual. Apesar de se dar aos trancos e barrancos, no geral as condições de vida melhoram. Ganhamos mais opções, vivemos mais e melhor, temos acesso a informação como nunca antes, crescemos em muitos aspectos. Até mesmo se torna possível, para alguns, adquirirem uma sensibilização para a realidade interior. São duzentos anos de transformação vertiginosa. Mas a questão é que tudo isso era (e é) sustentado por uma base limitada, que ainda por cima traz abalos profundos na biosfera e na geosfera. 

Toda energia que obtemos de uma empreitada deve ter descontada o quanto de energia foi gasto para obter essa "nova" energia. Essa é a energia líquida. E quanto mais isolado, inacessível, o recurso, mais energia é requerida. A tal ponto de todo método ficar inviável e nos aproximamos de um retorno próximo a 1:1. Na verdade muito antes disso a coisa já se torna economicamente desvantajosa. 

Nossa civilização depende de fontes fósseis. As civilizações antigas não tinham esse problema. Elas tinham outros que a nossa contornou - às custas de gerar um outro problema. Resolvemos problemas mais psíquicos sem no entanto nos atentar que estamos ancorados numa armadilha física. Isso é bom. Progredimos. Mas não podemos ficar nesse degrau por muito tempo. É preciso agora resolver o problema físico para que o psíquico (espírito) possa desabrochar. Isso passa por resolver a questão energética e ambiental (fortemente jungidas) - e depois a de justiça social.

Fig.3: O desgaste que tanto fizemos ao planeta e a nós mesmos deverá servir para expandirmos nossa consciência. 
Assim estamos cumprindo o semi-ciclo de beta para alfa, ou seja, da energia para a vida para o espírito.
Gerando qualidade intangível com a deterioração da quantidade tangível.

A tese de sempre ser possível substituir um recurso por outro dos economistas está furada porque se isso é feito, o substituto é geralmente de menor qualidade e mais caro. Um beco sem saída. 

A tese de que a escassez de um produto básico o torna caro, e que para resolver isso basta produzir mais dele para barateá-lo novamente, é furada. Porque demanda energia e material, que se tornam cada vez mais caros à medida que se avança na esteira do tempo. O planeta é finito - logo, os recursos também. Quem estudou Ubaldi sabe: vivemos no Anti-Sistema, que é finito...

O problema dos homens de finanças é que eles não enxergam a realidade integral (não querem). E com isso ofendem a essência da vida e os princípios evolutivos. É uma pena, pois poderiam aplicar seus conhecimentos de modo a ajudar essa transição - e não mais dolorosa. 

A Arábia Saudita precisa manter o preço do petróleo alto para sustentar seu modo de vida insustentável - que entre outras coisas exige importar alimentos e dessalinizar água a altíssimo custo energético. Dá para perceber que eles vivem na ilusão-mor. Uma fantasia que irá acabar logo. 

Os preços da energia elétrica já começam a subir na Europa [2, 3]. E com isso, apagões. E com apagões, revoltas. Caos crescente. Que demanda controle crescente em nosso paradigma político. Que demanda desgaste de todos os tipos - e menos tempo ainda para pensar no que causa tudo isso...Parece uma armadilha que nos impede de pensar: quanto pior fica (e pior vai ficar), menos condições para ver à fundo o que realmente acontece. É triste. Mas chegará um momento em que as pessoas verão que não resta nada a fazer a não ser ir à fundo nessas questões. Até aí muito será perdido - mas o importante não é continuarmos sendo involuídos que gozam, mas sermos evoluídos, nem que sofredores. 

Dada a realidade presente, as fontes renováveis não são a salvação da humanidade. Nem sequer um amortecedor bom. Elas seriam se começássemos a reduzir a economia desde 1970. Mas, ainda assim, apenas um amortecedor. Os motivos eu apresentei aqui [4] e aqui [5].

Percebe, meu amigo? A questão exige algo muito mais interior do que exterior. É gostoso acreditar que uma coisa externa (tecnologia nova, novos processos, novos materiais, até mesmo novos rearranjos) irão resolver nosso problema definitivamente. Mas não. Porque um mal psíquico só pode ser resolvido no campo psíquico. É preciso mudar a forma mental. 

Além de tudo isso, é preciso lembrar que a extração cada vez mais desesperada só piora a situação e nos força a nos prepararmos para um declínio (iminente) de um ponto mais alto: a água doce fica inutilizada com a extração de minérios como o cobre, por exemplo - essencial para nosso sistema. Os motivos podem ser encontrados na fonte principal, logo aqui [6]. Obs.: veja os cinco pontos dessa dinâmica para compreender o porquê disso.

É uma realimentação positiva. Ou seja, quanto mais intenso num sentido, mais no outro, fazendo a amplitude dos preços de itens fundamentais (commodities) aumentar cada vez mais.

Fig.4: Super-ciclos dos produtos básicos da economia. Fonte: [7]

Vamos entender esse gráfico (Fig.4).

Ele mostra a variação percentual em relação a um valor-base de quatro variáveis fundamentais de nosso sistema econômico: petróleo, metais essenciais, matéria-viva e produtos agrícolas. Eu, como engenheiro e professor de engenharia, vejo quatro variáveis cujos preços oscilam periodicamente. E a amplitude cresce a cada ciclo. Isso é um sistema com realimentação positiva (instável). Como as variáveis são finitas (e nossos bolsos, limitados), a expansão da amplitude dos preços não pode se perpetuar para sempre. 

Mas o gráfico está um pouco confuso. Há quatro variáveis - cada uma com uma cor. E três delas parecem nem oscilar tanto. No entanto, não se esqueça meu amigo: elas estão profundamente relacionadas. O comportamento da mais proeminente tende a ditar a marcha geral do quatrilho. Então pode ser observada a mesma realidade num novo gráfico.

Fig.5: Super-ciclos dos produtos básicos da economia. Fonte: [7]

O gráfico acima (Fig.5) soma os ciclos das quatro variáveis (quatro em um). Ele dá uma curva, que revela a tendência geral. A soma faz sentido, pois as variáveis estão acopladas (= relacionadas entre si). 

O que vemos agora são os super-ciclos de nossa economia global. Já tivemos três e estamos vivenciando o quarto. Nosso sistema econômico não possui amortecimento algum. E além disso, ele se auto-excita, fazendo as oscilações crescerem de amplitude. Essa auto-excitação é inerente à lógica econômica por motivos que não cabem neste ensaio. Ela tem a ver com atrasos (delays) - algo que sempre existe no mundo físico.  

Um conjunto de variáveis finitas não pode crescer oscilando para sempre. Os preços não podem oscilar sem controle. Num dado momento, algo vai romper. Não se sabe exatamente quando, nem de que forma. Mas tudo indica que em algum momento desse século, o tensionamento da estrutura sistêmica irá fazer com que as fibras basilares de nossa sociedade sejam rompidas, com consequências psicológicas que nem sequer podem ser imaginadas. 

Meu trabalho na vida e aqui (que é um dos muitos aspectos de minha vida) é relacionar essa realidade com os princípios gerais do universo. 

Espero estar cumprindo essa missão. 

Referências:

B. This cannot possibly end wellLink: <https://thehonestsorcerer.medium.com/this-cannot-possibly-end-well-9d3ae48a488e>

BEINHOCKER, Eric D. The Origin of Wealth: The Radical Remaking of Economics and What it Means for Business and Society Paperback – September 14, 2007. Link: <https://www.amazon.com/Origin-Wealth-Remaking-Economics-Business/dp/1422121038>


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