Temos pouco tempo (disponível) para pensar. Ou melhor, dadas as obrigações impostas (muitas delas sem real utilidade), nos é muito laborioso observar o que acontece à nossa volta. Não paramos diante de certas máximas proferidas a todo momento - pela mídia, pela sociedade, nas famílias - para ver se elas estão de fato corretas. Isto é, não identificamos erros conceituais, na base, de muitas afirmações que são divulgadas sem medo a todo momento. Uma dessas afirmações envolve a questão da energia, de nosso ambiente (geosfera, biosfera e noosfera) e, consequentemente, da sustentabilidade.
Paremos para analisar a situação:
Mais de 85% de toda (eu disse toda) energia consumida pela humanidade provêm de fontes fósseis (não-renováveis). Carvão mineral, gás natural e petróleo representam praticamente a totalidade desse grupo. Eletricidade representa 25% de toda energia consumida. E desse um quarto (25%), apenas uma pequena porção é produzida por fontes renováveis. Além disso, essas fontes (e aparatos e sistemas) renováveis - turbinas eólicas, painéis solares, concentradores solares, energia das marés e hidroelétricas - dependem direta ou indiretamente dos combustíveis fósseis. Pense na extração, no transporte, no processamento, nas etapas de produção, na manutenção, no descarte...E além disso, há o uso de materiais diversos - alguns deles eletrointensivos, como o alumínio. Cobre, níquel, cobalto, metais raros. Pode checar essas informações aqui [1].
Agora você pode ter uma visão um pouco mais real da situação energética da humanidade. E qualquer um que preste atenção perceberá que todo o nosso conforto que nos permite elaborar criações interessantes depende de energia. E a nossa matriz (energética) está configurada conforme o que foi descrito anteriormente.
Então, podemos já fazer algumas afirmações, e relacioná-las:
1ª) Necessitamos de energia para nossas criações (importantes e sofisticadas);
2ª) Nossa matriz energética se baseia quase inteiramente em combustíveis fósseis;
3ª) Os recursos fósseis são finitos e devem começar a diminuir em algum ponto desse século;
4ª) O nosso paradigma econômico se baseia no crescimento infinito;
5ª) O crescimento econômico está vinculado à demografia, à cultura e aos recursos materiais e energéticos do planeta, que são finitos;
6ª) As atividades humanas vem causando um abalo profundo em toda geosfera e biosfera, que pode comprometer o próprio desenvolvimento da humanidade.
Não podemos negar nenhuma dessas afirmações.
Vamos relacionar as coisas:
De uma necessidade nobre (1) precisamos de algo para sustentá-la (2). Mas esse algo (2) tem um problema real e já apontado por muitos estudiosos (3) , que tornará esse algo (2) inexistente. Logo, (1) também não poderá se dar. E assim, nossa existência não tem sentido - pois seríamos uma humanidade que não evolui, sem criações novas e dinamismo transformador.
Devemos então olhar para a estrutura do nosso sistema econômico, que está alicerçado numa lógica - que podemos chamar de paradigma - que diz que devemos sempre obter mais lucro. Crescimento econômico. E a questão é que mesmo os bens e serviços intangíveis estão ancorados no substrato material e energético de nosso planeta. Depende das formas de vida.
Todo mundo se alimenta. Todos temos corpos físicos (e muitos outros, mas fiquemos só naquele que as pessoas admitem) que necessitam de condições climáticas razoáveis para serem produtivos (expressar o espírito na finalidade mais consciente). E serem transportados (meios de locomoção) e expelirem dejetos (saneamento) e serem tratados (saúde) e se protegerem dos elementos (moradia) e serem instruídos para atuarem de acordo com seus anseios (educação), entre outras coisas importantes. Já deu para perceber que tudo isso depende de energia.
A humanidade evoluiu muito em termos de conhecimentos e bem-estar porque a esfera social (política e economia) se alinhou ao progresso tecnológico. Mas esse crescimento foi exterior, orientado para coisas e serviços. E para prazeres e alívio (desnecessário) de dores. Nos tornamos frágeis em certo sentido, pois não lidamos com os menores incômodos e consequentemente não expandimos os nossos limites.
É preciso então mexer no item (4). Ou seja, organizar a sociedade de tal modo a obter uma nova relação entre nossa espécie e os recursos do planeta. Isso pode ser feito adotando uma mentalidade mais sistêmica. Mas não apenas: é imperativo mudar a cultura para que isso ocorra. Ou seja, o modo de concebermos a vida. Sua finalidade. Sua essência. Sua dinâmica. Então devemos trabalhar muito bem a relação entre o paradigma atual (4) e a realidade (5). É preciso alterar esse paradigma. Isto é, superação.
Superar algo não é retornar ao passado de paisagens bucólicas ou extrapolar a tendência tecnológica hodierna. É criar algo inteiramente novo, baseado numa releitura madura dos valores do passado e das potencialidades do presente. É mais uma questão de mudar a forma mental do que inovar. É uma questão de deixar morrer coisas inúteis que vemos como vitais. É uma questão de redefinir o trabalho - e com isso o propósito da vida humana.
Observando hoje, nossa finalidade parece ser acabar com as condições que nos permitiram chegar até aqui (aos trancos e barrancos), o que nos leva à afirmação (6). Mas uma pessoa há de admitir que essa não deve ser a nossa finalidade como espécie - mesmo que nosso maior efeito até o momento tenha sido esse. Precisamos ser sustentáveis para sobreviver e, sobretudo, cumprir nosso papel na fenomenologia universal.
Qual é esse papel? Evoluir.
O que é evoluir?
É criar novas combinações de palavras que expressem da melhor forma ideias plantadas há milênios;
É ver que o que realmente importa é o essencial - e isso pode simplificar em muita nosso quotidiano;
É criar coisas (cursos, melodias, livros, teorias, aparatos, etc.) visando libertar o ser das amarras;
É sentir mais profundamente aquilo que parece sem importância (por brotar à nossa frente a todo momento);
É ousar em novas formas de agir, mesmo que sozinho à princípio;
É se disciplinar em atividades que lhe dê um retorno na forma de maior paz interior;
É viver de acordo com sua consciência, apesar de todas críticas da sociedade.
Devemos orientar nosso paradigma tendo por meta essas finalidades. Finalidades estas que podem adquirir as mais diversas características. Depende da pessoa. Há vários modos de evoluir em termos pessoais - porém apenas há um caminho em termo substancial. Esse caminho único é despertar cada vez mais sua individualidade indivisa, infinita e eterna (espírito), filha do Absoluto. E assim manifestar esse aspecto divino através de sua personalidade única.
Vamos voltar à questão energética.
Temos a reciclagem, que alguns podem ver como a prancha de salvação. De fato, se trata de algo voltado ao reuso de material usado. Isso é bom, sem dúvida. No entanto, executar essa atividade requer uma quantidade fenomenal de trabalho (no sentido social) e energia. Então perceba, meu amigo, que a reciclagem é mais um paliativo do que uma solução. Ela não sai da malha do balanço geral - cujos resultados indicam uma mudança abrupta ainda nesse século, com implicações profundas para a vida humana. E o próprio processo de reciclagem possui resíduos. Nesse caso poderíamos pensar em reciclar os produtos da reciclagem: mais energia e trabalho despendidos. Será que a partir de um ponto compensa?
Meu amigo, esses problemas não são abstrações da mente de um ambientalista - e sim uma realidade substancial dos processos e necessidades humanas, dos fenômenos do universo e de profundas questões filosóficas que ditam o nosso rumo.
A importância que dou ao pensamento sistêmico é porque ele foca num aspecto crítico de nossos dias: a complexidade. Essa complexidade tem muito mais a ver com interconexões, interdependências, do que com elementos. Observemos que a obtenção de um recurso fóssil (carvão) depende de outro (petróleo). E muitos dados difundidos mascaram a qualidade do recurso - isto é, a parte que é realmente útil para realizarmos nossas atividades...todas elas.
O casamento das necessidades da civilização com os dados mais atuais indicam claramente: não há saída dentro do paradigma atual. É preciso superá-lo.
O gráfico da Fig.3 revela a tendência demanda x produção de três metais vitais para o sistema produtivo nessa década. O que se vê é um descolamento entre o volume de produção (área azul escura, em produção, e azul clara, projetada para produzir) e a demanda do minério (linha vermelha). Em algum momento de 2024 não será possível satisfazer a demanda crescente - especialmente de lítio e cobalto. Lembremos que esses dois desses materiais são imprescindíveis para a indústria de eletrônicos. Para a transmissão de energia, o cobre.
Para finalizar essa primeira parte, vejamos o gráfico acima (Fig.4). Ele nos diz que a humanidade não alterou substancialmente o consumo de energia via biomassa (ex.: lenha ou carvão vegetal). Mas desde a consolidação da Revolução Industrial no início do séc. XIX, a humanidade começou a extrair recursos não-vivos e não-renováveis do planeta, iniciando-se pelo carvão - associado às máquinas a vapor. Depois (início do séc. XX) veio o petróleo, base dos motores ciclo Otto e Diesel, que também alimentam as termelétricas, gerando energia elétrica, uma forma de energia nova e em expansão há cem anos. O gás natural acompanha, sendo de vasta aplicação residencial e industrial - em particular força motriz, geração de calor, cocção de alimentos e eletricidade. Visualize a figura para o ano de 2019 (pré-pandemia): cerca de 85% de toda energia necessária à humanidade depende dessas três fontes. O resto representa muito pouco. Inclusive, para seu crescimento, depende dessa imensa base não-renovável, como ressaltado anteriormente.
Estamos num impasse: para construir uma base renovável e entrar em regime novo, é preciso usar a base não-renovável (que está minguando a passos rápidos). Esse movimento deveria ter iniciado muito antes (muito antes mesmo). Mas apenas uma coletividade com visão de longo prazo - que exige uma cultura difundida de filosofar, escutar, debater e até mesmo contemplar - seria capaz de fazer isso. A nossa espécie está percebendo o que deveria ter sido feito um pouco em cima da hora. Na verdade, tarde demais.
E agora? É o fim?
Sim e não. É o fim do que conhecemos como um modo de vida centrado no crescimento ilimitado, no consumo conspícuo, no trabalho alienado e na superficialidade.
Vivemos um período de transição que inevitavelmente chegaria, cedo ou tarde, dadas as circunstâncias fenomenológicas e as metas estabelecidas e persistidas. De uma forma suave (ideal) ou dolorosa (realidade).
Nossa jornada até aqui foi cheia de contradições. Avanços exteriores barulhentos e fantásticos, sem no entanto a sustentação de grandes visões que brotam do íntimo.
Um conhecimento perdido que deve ser redescoberto, adaptado aos nossos tempos e trabalhado continuamente. Uma filtragem e combinação de elementos do passado e presente, de culturas, de saberes, de histórias, de técnicas, de visões de mundo e de filosofias de vida, que darão o futuro que afirma a missão evolutiva da humanidade - e assim entraremos em ressonância com o Universo, evoluindo em fase com este, caminhando a passos largos rumo ao Reino de Deus, além do espaço, do tempo e do relativo.
Na próxima parte veremos o que poderá ser feito.
Até lá.
Referências:
B. True sustainability - part 1. Link: <https://thehonestsorcerer.medium.com/true-sustainability-part-1-36313910251c>
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