Há cem
anos a expectativa de vida de uma pessoa orbitava por volta dos 40
anos. Isto é, para a maioria das pessoas, que trabalhavam
excessivamente e exaustivamente em atividades físicas de execução.
Hoje, apesar do cenário dessas pessoas ter se tornado mais mental e
menos sofrido, a prevalência da execução sobre a criação ainda é
grande. Além disso, a expectativa de vida dobrou em média. O que
significa que temos o dobro de horas. Horas que precisam ser
preenchidas de alguma forma. Úteis, de preferência.
Na época
do meu tataravô era normal o ano da aposentadoria coincidir com o
ano da morte da pessoa. A criança (sim, a criança) começava sua
vida laboral aos 12, 15 anos, e continuava ininterruptamente sua
atividade até os 35, 40 anos, quando seu corpo estava exausto e não
podia mais servir de ferramenta produtiva. E - pior de tudo - como
essa pessoa se ESPECIALIZOU numa atividade puramente EXECUTIVA - que,
alias, é uma infeliz coincidência, pois ela executa o físico e o
espiritual do ser humano lentamente. executa no sentido de eliminar,
degradar. Mas hoje pode-se constatar que houve um certo progresso.
Uma
pessoa de nem pobre nem rica, mas que depende do trabalho, "produz"
dos 30 aos 60 anos, mas provavelmente viverá até os 80. Ou seja,
trata-se de vinte anos livres para ocupar da forma que se deseja. No
entanto, esse caso genérico ainda não é tão comum se analisarmos
algumas (numerosas) partes do globo. E também, não há garantia de
uma vida plena em termos de saúde para uma boa parcela da população.
Quem
vive em países que possuem uma jornada de trabalho relativamente
civilizada, - como Alemanha, Holanda e Dinamarca, só pra citar três
exemplos - onde a maioria dos indivíduos tem a possibilidade de
cursar um bom ensino superior, ter uma semana de 30 a 35 horas (sem
problemas nos transportes e com férias que chegam a 6 semanas por
ano, como no caso da Dinamarca) e portanto ter uma vida pessoal
decente. É claro que lá se aposenta mais tarde, mas a questão é
que o indivíduo NÃO SE DESGASTA a uma taxa tão grande ao longo dos
anos.
A
postura em relação a benefícios
sociais-previdenciários-trabalhistas dos países citados acima tende
a permear a humanidade ao longo das décadas ou séculos. Isto é
verdade se a nossa civilização não deseja entrar em colapso.
Agora, um ponto que vale a pena ressaltar é o seguinte: os governos
e corporações devem perceber que um novo modo de vida
sócio-cultural está em gestação. Esse modo de vida vem sendo
reprimido em grande parte dos meios cultuados pelo “estabilishment”.
E, no entanto, – por ser uma tendência natural – as vozes
continuam se manifestando. A favor de uma outra maneira de
estruturarmos as relações econômicas e, consequentemente, sociais,
afetivas e culturais.
O
sociólogo austríaco André Gorz fala sobre a extinção do trabalho
da maneira como o conhecemos. Claro, ele não se refere a trabalho
como a execução de uma atividade criativa ou útil, e sim a um
trabalho institucionalizado, industrial, com catracas e crachás e
cercas e muros e arames e controle e foco no tempo. Esse trabalho -
se é que podemos denominá-lo por tal - será cada vez menos
ofertado. Por que? Simplesmente porque a automatização nos livra
cada vez mais de atividades monótonas. E o consumo - ah!
consumo...sempre ele... - chegou a níveis tão altos, puxando a
produção a níveis insustentáveis, que se tornará cada vez MAIS
VISÍVEL a loucura na qual nos inserimos. Infelizmente existem
diversos artifícios para maquiar essa insustentabilidade, como
propagandas e sonhos de vida que não condizem com sua personalidade
e aspirações reais.
Outro
sociólogo italiano, Domenico De Masi, baseado em dados estatísticos,
afirma em sua obra "O Ócio Criativo", que a quantidade de
horas necessárias para manter a economia rodando cai de 3 a 4% ao
ano. E existem duas soluções para isso, ambas bem simples. Mas
apenas uma delas é sensata:
Primeira:
demite-se 3 a 4% dos funcionários (ou mais) e mantém-se (ou
aumenta-se) a carga horária dos que permaneceram empregados,
roubando o pouco tempo que lhes resta ou...
(Segunda)
reduz-se a jornada de trabalho de 3 a 4% ao ano, mantendo todo mundo
empregado, e com mais tempo para se dedicar a outras vertentes da
vida. Isso seria uma mudança gradual.
A nossa
civilização, em sua insensatez, sempre optou pela primeira solução.
Que, convenhamos, no fundo é uma pseudo-solução. Mas os sinais de
desgaste são cada vez mais evidentes que chegará um momento crítico
no qual a sensatez será finalmente levada em consideração.
Quando
chegar o momento, teremos de reformular o conceito que temos de
aposentadoria, criando novos mecanismos de inserção social e
aprendendo a usar nosso tempo (cada vez mais) livre de forma
inteligente. Aliás, creio no seguinte: não terá sentido mais
falar-se em aposentadoria. Pois, com um ritmo de vida cada vez mais
coerente com nossa natureza biológica, tenderemos a fazer mais do
que gostamos na hora que quisermos e do nosso jeito. Como
conseqüência, gostaremos cada vez mais de nossas atividades e
tenderemos a ter mais saúde, nos mantendo em atividade até o fim de
nossas vidas. Essa é uma possível conseqüência do aumento do
tempo livre. Mas para atingir esse estado (ainda) utópico, o tema em
questão precisa ser colocado em pauta pela sociedade e todas
instituições relacionadas a ela – ou seja, todas.
Não há
mais motivo para um tema tão importante para a evolução da nossa –
e de todas espécies – ser ignorado porque um punhado de indivíduos
engomados e com poder tem uma visão distorcida do que é progresso e
do que e qualidade de vida. Aliás, gostaria de ressaltar que existem
alguns líderes empresariais que já vem aplicando conceitos
orientados para essa sociedade do futuro. E que, apesar de serem
pequenos e suas políticas serem pouco propagadas pelos meios de
comunicação, – que na maioria dos casos não estão interessados
nesse progresso – esses dirigentes já plantaram sua semente,
mostrando um modelo do futuro.
O
aumento da maturidade individual, aliado a mais tempo, nos
possibilitará ir mais longe. Na vida e na criação.
Não
estou falando nada novo nem revolucionário. Keynes já tinha essa
visão. Bertrand Russell também. De Masi, Gorz, Alain Tourraine,
Toffler e cia igualmente. Até os artistas como Bukowski enxergavam
isso. No caso deste, seus textos transmitiam a loucura que era o modo
de operação da sociedade, e traduziam isso numa linguagem simples.
Objetivamente, mostrando as coisas como eram, de forma nua e crua.
Sem rodeios ou terminologias específicas.
Se tanta
gente tão estudada em tantas áreas (e com tanto sentimento) tem um
discurso semelhante, será que eu deveria estar com medo de dizer
tudo isso aqui, abertamente?
Quem
mata as pessoas de saúde é um sistema que não mais é capaz de
atender as necessidades e aspirações do Ser Humano do Terceiro
Milênio, desejoso de evoluir. Um sistema que deposita obrigações
desnecessárias em mentes que abrigam sonhos e idéias e sentimentos
e amor e coisas dessa natureza. Um sistema que mata aos poucos. O
sistema joga bigornas pesadas em cima de cabeças sensíveis e
capazes, dizendo: "Mantenha-a (bigorna), carregue-a! Se você
quiser ter seu sustento para os próximos dias, esse é o ÚNICO
caminho!" Pois eu - e cada vez mais gente - respondo: é sim, o
único caminho...é o único caminho PARA A LOUCURA.
Do meu
ponto de vista, num mundo evoluído não existe aposentadoria. Pelo
menos não do jeito que a gente conhece. Existe apenas saúde e
criação. Esta última conseqüência da primeira. Saúde mental e
física.
É
compreensível que a mudança seja lenta. O que é difícil de
compreender é a existência de seres obtusos que fazem questão de
puxar o trem da História para trás, evitando o progresso. Pensando
egoisticamente. Mercadologicamente. Sem sentimento, sem
racionalidade. Apenas com uma pseudo-racionalidade. Fundada em
conceitos incompletos e departamentalizados, e portanto não
aplicáveis a nossa Era. Mas esses seres estarão cada vez mais
solitários e fracos se persistirem em sua teimosia. Se não nessa
geração, talvez nas próximas.
Teremos
de aprender a nos virar nesse novo universo que se abre para nós.
Universo permeado de tempo livre e energia. Muitos tem medo disso. E
é compreensível. Pois o ser humano sempre foi acostumado a
trabalhar excessivamente ou a desperdiçar tempo e riqueza em
atividades degradantes. Jamais houve uma cultura coletiva que
prezasse pelo tempo livre extenso e construtivo. Mas esse parece ser
o começo da solução para os problemas que permeiam nossa
sociedade.
É
recomendável começarmos a semear o terreno para a nova sociedade,
cujos frutos desejamos colher nas próximas décadas e séculos.
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