É muito
desanimador quando a gente quer fazer alguma coisa que gosta, e
julgamos útil, (e é útil de fato. pra nós mesmos e para os
outros) mas somos impedidos de fazê-la porque sofreríamos
conseqüências desagradáveis. Isso é muito comum quando alguém
deseja seguir o caminho da verdade, do conhecimento e da
espiritualidade - que no fundo estão relacionados e convergem pro
mesmo ponto: a felicidade. Para muitas pessoas com perfil de
pesquisador ou filósofo, o doutorado é um meio de atingir esse fim
– na verdade, trata-se de um mesmo tipo de indivíduo, pois um e
outro se assemelham, de forma que os verdadeiros filósofos são
pesquisadores, e os verdadeiros pesquisadores são filósofos.
É
triste relatar as INÚMERAS barreiras às pessoas que desejam seguir
a carreira de pesquisa no mundo e, especialmente, em nosso país.
Pensei e
pensei (e pensei) diversas vezes a respeito do assunto. Já bati papo
com pessoas que passaram por isso. E li artigos de especialistas
sobre o assunto. E pra sintetizar tudo, só posso dizer que a tarefa
de viver dignamente É DIFÍCIL se alguém deseja seguir carreira de
pesquisador.
Vamos às
barreiras.
Primeira:
o valor
de uma bolsa de doutorado (ou mestrado... uma pós-graduação
acadêmica em geral) é irrisório comparada ao salário de um
funcionário de uma empresa privada de grande porte. Para quem almeja
virar doutor, essa bolsa é da ordem de 30% de um salário nominal,
líquido, numa multinacional. Podemos chegar nessa cifra se
considerarmos todas as vantagens que um funcionário leva em cima de
um bolsista de doutorado: décimo terceiro, abono de férias (férias
pagas!), refeição subsidiada, transporte subsidiado, convênio
subsidiado, cooperativa de crédito, facilidade na compra de produtos
da empresa, previdência privada vantajosa, INSS contando,
infra-estrutura adequada, possibilidades de aplicações, melhores
taxas nos bancos, entre outras tantas regalias. O bolsista deve se
contentar com sua bolsa mensal de 2.200 reais (CNPq e CAPES). E só.
(Só pra
enfatizar, a primeira barreira já engloba UMA SÉRIE de barreiras.)
Segunda
(ou enésima):
Além
das dificuldades econômicas DURANTE o período de bolsista, existem
essas mesmas dificuldades DEPOIS - na fase pós-bolsista - quando o
pesquisador, ansioso por poder atuar naquela área em que se dedicou,
procura uma vaga no mercado que valorize aquilo que foi seu objeto
de estudo durante 4 anos. E prazerosamente - como deve ser para
muitos. Mas na GRANDE MAIORIA dos casos, não encontra nada. Pior:
parece que, quanto mais focada num tema importante para o
desenvolvimento da sociedade (direta ou indiretamente), mais difícil
encontrar emprego na área. Exemplos: área espacial; física médica;
química; sociologia; educação; artes em geral; etc. E se encontra,
o salário é tão alto quanto o nosso planeta é grande comparado ao
Universo.
Terceira
(e mais humilhante):
As
barreiras econômicas sozinhas já são suficientemente
desencorajadoras. Mas o pior de tudo é seguir uma carreira - e modo
de vida - que é considerado insignificante pelas autoridades
públicas e (pior) por uma parcela da sociedade. É fato: a nossa
justiça "justa" não considera os anos de pós-graduação
válidos para aposentadoria. É isso mesmo. Esses anos não são
contabilizados pelo INSS - a não ser que o sujeito pegue extraindo
da própria bolsa, o que prejudicaria sua já difícil subsistência.
O que implica que o bolsista não é considerado trabalhador. "Ele
estuda, não trabalha", dizem os juízes (a maioria deles...). E
isso, além de trazer dificuldades financeiras, se não no presente,
nos tempos de velhice - se ele tiver o azar de viver tantos anos - dá
uma sensação de que o que ele faz não é importante para gerar
progresso para a sociedade.
Os
problemas apresentados anteriormente (falta de apoio econômico
durante, após e falta de consideração) são as causas raízes que
levam milhões de pessoas capacitadas a não seguirem a carreira
acadêmica. É como se o sistema estivesse enterrando
sistematicamente MILHÕES de almas capazes. E muitas delas, em busca
de uma vida menos sofrível, devem se submeter a um trabalho cujo
ritmo é incompatível com as necessidades fisiológicas e
espirituais de seu ser. Puro desperdício de talento. E assim
constata-se que a humanidade exibe uma característica
auto-mutilante.
É
importante lembrar que todos progressos gerados pela indústria nada
mais são do que aplicações finais de pesquisas intensivas
realizadas anos antes, apoiadas por conceitos e teorias e
experimentos de pesquisadores(as) famosos(as) ou não. Pesquisas
edificadas durante anos, décadas ou séculos, por mentes espaçadas
cronologicamente e espacialmente na maioria dos casos. O que quero
dizer com isso é que essa "perda de tempo" possibilitou à
indústria moderna gerar uma infinidade de utensílios tecnológicos
e - sobretudo - ganhar em cima disso. Então pesquisa é importante,
sim. Aliás, PESQUISA é a BASE das coisas práticas. É o que gerou
todo conforto material em nossa sociedade. Basta qualquer um pegar um
livro de História e seguir a trajetória – de frente para trás –
de um grande invento. Chegar-se-à à conclusão de que sua origem se
deu nas filosofias e nas ciências.
O mais
intrigante é perceber que o regime de trabalho do bolsista é
criativo, ao passo que muitas empresas não possuem isso. O bolsista
tem a única obrigação de assistir aulas e gerar resultados. Ele é
medido pelo seu trabalho. E se não o cumpre, é punido por isso
(reprovação da banca, extinção da bolsa, devolução de recursos,
etc). O funcionário de muitas empresas, infelizmente, teoricamente
tem a mesma obrigação. TEORICAMENTE. Porque o que se vê no mundo
atual é a mensuração sistemática do TEMPO em que o funcionário
fica confinado num ambiente. Independentemente de sua criatividade,
senso de investigação e produtividade, se o horário é cumprido, o
salário entra em sua conta. Pura loucura. É um sistema que prima
por uma pseudo-produtividade. Uma produtividade orientada para o
lucro e cujos benefícios atendem uma parcela específica da
sociedade e prejudica (direta ou indiretamente) outra. Além de
tratar o meio ambiente como um depósito de lixo a céu aberto,
tratando o planeta como um sistema linear, fechado e estático.
Tamanha falta de inteligência assombra qualquer um que possua um
pouco de bom senso.
O longo
período de divórcio entre institutos de pesquisa e indústrias vem
gerando um atraso ímpar em nosso país. Além disso, para piorar, o
governo NÃO INCENTIVA a carreira de pesquisa, exercendo a mera
função de apêndice de grandes grupos corporativos na maioria dos
casos.
Enquanto
as coisas "funcionarem" assim, a única solução para quem
deseja fazer pesquisa nesse país é: junte um bom dinheiro, viva com
pouco e seja pesquisador, independente do que os outros pensem de ti.
Seja feliz; ou case com uma mulher (ou homem) rica(o), que te apóie
em sua busca. Seja feliz. Qualquer alternativa viável que permita à
pessoa seguir o seu caminho é válida.
É duro?
É. Demais. O dinheiro sempre PESA MUITO nas escolhas. Assim como o
valor que a sociedade dá para uma profissão ou modo de vida. Mas
chega um ponto na vida da pessoa que bate uma vontade irresistível
de seguir tal caminho. Se isso ocorrer, reflita antes, claro.
Bastante. Faça projeções. Tenha uma meta para começar esse sonho.
Aliás, veja se isso é realmente um sonho pra você. Reflita. E...se
for mesmo, NÃO DESISTA.
Fazer
doutorado deveria ser uma solução. Não um problema. Mas a
mentalidade das pessoas precisa mudar primeiro.
O
Problema do Doutorado tem como causa uma das chagas mais graves que
assolam milhões de mentes – infelizmente, a maioria delas com
poder político-econômico: a falta de visão. Gente que não enxerga
um palmo à frente vê o Estudo como algo pouco prático. Erro grave.
Essas pessoas estão semeando um futuro árido em conforto, árido em
amor, árido em cultura e árido em sociabilidade.
Portanto,
quem vê o problema precisa falar e mudar e agir – discretamente,
se as condições obrigarem. Mas a luta precisa ser feita. Lenta e
continuamente. Para expor a loucura que é exaltada, reproduzida e
buscada por milhões.
O Estudo
é o Trabalho mais elevado que se pode conceber.
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