domingo, 7 de dezembro de 2014

DIAS DE GLÓRIA

(dirigido por Rachid Bouchareb)

Os filmes de guerra podem ser divididos em vários subgêneros muito distintos. No de guerra, há o tipo mais difundido, cujo objetivo é simplesmente entreter o público com tiros, tramas e explosões; outros visam fazer uma análise mais visceral da realidade, se baseando em cartas, imagens de arquivo ou estudos históricos, buscando ser fiel à realidade; há também os Anti-Guerra, geralmente verdadeiras obras-primas, como “Glória Feita de Sangue”, de Kirk Douglas*, e “A Grande Ilusão”, de Jean Renoir [1], impecáveis. A nova co-produção franco-argelina-marroquina-belga “Dias de Glória” (“Indigènes” em francês) pode ser considerada uma mescla dos dois últimos.

O diretor Rachid Bouchareb – que também assina o roteiro ao lado de Olivier Lorelle – não desejava trazer inovações técnicas no modo de filmar. Ele apenas queria contar bem uma história, objetivo que alcançou sem nenhuma dificuldade. Mas o verdadeiro mérito dele foi contar uma história de heroísmo baseada em fatos verídicos que o governo francês parece ter esquecido ou ignora: o recrutamento de 130 mil soldados das colônias que serviram de ponta-de-lança para combater os nazistas durante a 2a Guerra Mundial.

Abdelkader (Samir Bouajila), Saïd (Jammel Debbouze), Messaoud (Roschdy Zem) e Yassir (Samy Naceri), são jovens oriundos da Argélia e Marrocos que desejam fazer algo pelo mundo livre. Por serem colônias de uma nação inimiga do nazismo e acreditarem nos ideais da liberdade, os quatro sentem aquele típico dever cívico em fazer alguma coisa pelo mundo e se alistam no exército francês. 

O drama de uma geração de argelinos e marroquinos
sintetizado no cotidiano de quatro homens. Eis um
lado da história pouco conhecido mas muito significativo.
Inicialmente, a nova vida dos soldados das Colônias parece ser igual àquela dos soldados franceses. Ambos lutam por uma causa comum, arriscam suas vidas, tem os mesmos equipamentos e são auxiliados por instrutores experientes. Porém, com o passar do tempo, observa-se que nem tudo é igual. No combate todos são iguais. Na hora da recompensa pelo serviço os europeus parecem ter vantagem, recebendo mais promoções, cargos importantes, prioridades nos alimentos...Sem contar o reconhecimento, claramente demostrado na cena final do filme, quando os argelinos, pouco numerosos, defendem uma vila até o último homem, para que o batalhão –constituído de fraceses, que ficaram pra trás – cheguem em segurança.

O grande mérito do filme é colocar em xeque um sistema injusto que visa obter serviços colossais a preço de bananas, mostrando o dia-a-dia dos soldados das colônias em todas etapas do processo de libertação. 

Numa primeira parte o espectador se depara com o front italiano. Depois, na fronteira franco-alemã, a luta na casa do inimigo. Nesse ponto o filme atinge o clímax.

Os combates finais são os mais memoráveis e revelam a competência e heroísmo dos argelinos e marroquinos. Os quatro protagonistas, sozinhos e encurralados num pequeno vilarejo, enfrentam um batalhão alemão enquanto o reforço não chega – obviamente o espectador habituado aos filmes hollywoodianos pode se decepcionar pelo fato dos quatro sozinhos não vencerem a luta, como num típico filme de Chuck Norris.

O desfecho mostra a (triste) realidade de aparências em que vivemos, com o completo descaso dos governos europeus. Neste caso o francês. Porém, no final do combate, quando Abdelkander, o único sobrevivente, sai das ruínas e se junta aos soldados franceses para continuar a marcha, os habitantes da vila o aplaudem, num gesto de reconhecimento tímido mas profundamente sincero.

Dias de Glória é uma aula de História aprofundada, que demonstra acontecimentos reais e trabalha muito com seres humanos enganados por promessas duvidosas.

É cinema que vale a pena. É crítica, verdade, reflexão.



Referências

* Apesar de dirigido por Kubrick, esse filme foi idealizado, desejado e produzido por Kirk Douglas, que inclusive auxiliou na elaboração do roteiro - alma de um filme.

[1] http://pt.wikipedia.org/wiki/Jean_Renoir

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