Saiu na BBC: Os 85 mais
ricos do mundo têm o mesmo patrimônio de metade da população –
mundial1.
"Este
fenômeno global levou a uma situação na qual 1% das famílias do
mundo são donas de quase metade (46%) da riqueza do mundo",
afirmou o documento.
Esse é o fato. Provindo de um órgão que opera no epicentro do
mundo industrial-financeiro. Um fato reproduzido pelas mídias de
vários países, de todas tendências possíveis. Consenso geral.
Sobre
o fato pouco há o que se dizer. Portanto não perderei tempo em
reproduzir estatísticas que só comprovam o que muitas pessoas vem
sentindo nas últimas décadas – exclusivamente e especialmente as
mais pobres. Agora, quanto às consequências de tal realidade, que
tende a se intensificar, já começam a haver divergências. Quando
passamos às causas, essas divergências começam a se tornar
astronômicas, levando a diversas consequências e propostas de
solucionar essa realidade.
A
Edição 197 da Revista CULT traz uma matéria muito esclarecedora
sobre a situação2.
O autor esmiúça filosoficamente a questão, se dirigindo ao
sentimento sincero do leitor, e não apresentando dados e equações
e teorias econômicas e referências de “sumidades” no assunto –
pessoas bem abastadas, com voz na mídia, que fizeram as mais
diversas previsões que se revelaram falsas. O artigo é uma visão
que o mundo, em sua maioria, sem saber o porquê, julga irrealista e
utópica. Porque “a realidade é assim”, e “basta ver como são
as coisas”. Portanto, de nada adianta lutar contra algo que está
na natureza humana. Eis o argumento aparentemente irrefutável
lançado contra aqueles que ousam investigar e assumir uma posição
que em sua forma pode se aparentar com o passado, mas que em sua
substância, à medida que percebemos o transformismo e relativismo
de nosso mundo, RESGATA as idéias do passado, OBSERVA o presente e
VISLUMBRA possibilidades concretizáveis.
Em
agosto publiquei um artigo intitulado “Dois
Tipos de Utopia”3.
Sua essência é justamente revelar às pessoas o emborcamento que o
mundo faz em relação aos vocábulos “utopia” e “realidade”.
Podemos definir uma idéia, conceito ou pessoa com essas palavras
considerando o curto prazo e o longo prazo; as mudanças substanciais
(duráveis) ou na forma (efêmeras); abrangendo grandes unidades
coletivas ou um seleto grupo. É claro que a classificação de uma
idéia, conceito, teoria, indivíduo ou grupo num campo implica na
sua classificação inversa no outro. Lei
de Equilíbrio
(Pietro Ubaldi).
"Dois Tipos de Utopia": revisão de conceitos. |
Vou
exemplificar: quando alguém deseja se formar médico, deverá
necessariamente se dedicar por vários anos. Mas isso é consequência
de seu interesse na área. Quanto mais sincero for esse alguém, e
mais consciente sua decisão, maior o grau de dedicação e (também)
maiores as dificuldades. Tentará aplicar a medicina de uma forma que
transcenda a atual, baseada unicamente no passado e considerando
apenas o material. Vislumbrará possibilidades e as tentará, mesmo
falhando. Porque
ficar no plano atual e obter sucesso nele é muito mais cômodo do
que perceber as dores cada vez mais incômodas no mesmo e se lançar
(sinceramente e conscientemente) a novas descobertas, ousando e
inovando.
Pois bem, esse ser será considerado utópico pela maioria das
pessoas, instituições, seus colegas, familiares, e até esposa (ou
esposo). Mas quando um dia – e a História está repleta desses
exemplos – alguém implementa uma idéia, comprova uma teoria e
expande um conceito inaceitável há poucos anos, o mundo se alivia,
se satisfaz e glorifica esse ser. Mas
esse é apenas o último elo de uma cadeia que foi edificada com
muito sangue, lágrimas, suor e trabalho.
Um esforço tido como louco, radical, insensato e perigoso em suas
origens. Logo o utopista de ontem se tornou o realista de hoje. E o
realista de ontem se tornou uma nulidade que contribuiu com a inércia
do mundo.
É
claro que o progresso é obra de poucos seres4.
Nem poderia não sê-lo. No entanto, o que me preocupa mais (e cada
vez mais gente) é a pouca atenção que as pessoas dão a essas
vozes insistentes, construtivas e incansáveis – Chomsky trabalha
100 horas semanais e lecionou no MIT por meio século, isto é, 50
anos. A taxa de conscientização deve superar a taxa de progresso
científico-tecnológico para que a humanidade como um todo possa
resolver os seus problemas, e consequentemente o de todas espécies e
recursos deste planeta. Não adianta criar veículos mais eficientes,
verticalizar cidades, propagandear ilusões, mercantilizar o pouco
que resta ou imprimir na mente das pessoas de que “a natureza
humana é assim” (sobre essa frase eu também já escrevi um artigo intitulado "Instinto, Razão e Intuição: As três inteligências e seu papel na Evolução", Junho, 2014). Isso não resolverá o problema. Problema que uma
hora irá atingir até aqueles no topo da pirâmide política e
econômica, por não terem mais quem enganar ou explorar. Aqueles que
julgam que o sistema político-econômico atual é infalível e deve
ter seus problemas resolvidos dentro dos seus paradigmas. É
preciso mudar a mentalidade. Dois
tipos de utopias.
Muitos
alegam que tal disparidade de renda é natural. Que deveria ser visto
como um estímulo para os pobres. “Eu posso ser um também, se
trabalhar duro.” O problema é que muitos (quase todos) pobres
trabalham mais do que duro durante vidas e gerações, e vivem e
morrem da forma mais miserável. Seu esforço sustenta um mundo que
não reconhece, em sua imensa maioria, essa realidade. Um em cada 40
milhões pode chegar a fazer parte do topo da pirâmide. Supõe-se
que esse um “venceu” e se “esforçou”, e que os outros
39,9... milhões “fracassaram”. É sem dúvida uma resposta muito
cômoda para quem opera egoisticamente. Ricos, pobres e classe média;
Negros, brancos, asiáticos, indígenas; Homens e mulheres; Jovens,
adultos e idosos; Feios e belos; Instruídos ou não. Um tipo
biológico que busca driblar um problema cada vez mais ameaçador. Se
o modo de agir – e a falta do sentir – persistir, chegará um dia
em que o problema englobará tudo, cercando todos por todos os lados:
esfera econômica, física, cultural, afetiva, social, laboral, na
saúde,...e finalmente a humanidade deverá aceitar um colapso e
recomeçar do zero (ou quase).
Quanto
falta? 20 anos? 100 anos? 50 anos? Não sei. Não sou profeta nem
desejo sê-lo (sou incapaz). Mas isso é bem visível. E antes do
contra-argumento padrão de que essa é a “minha visão”, peço
que observe a fundo a realidade. Nada mais. Mas quando digo a fundo,
me refiro a uma observação cuidadosa ao longo dos anos, dos
fenômenos e pessoas e meios imperceptíveis. Observe sua própria
vida, percebendo o transformismo. O que era julgado ruim no momento
se revelou o melhor para você. Pode ter certeza.
A
humanidade tem um conjunto de axiomas5.
Um dos mais famosos é aquele: “ a natureza humana é assim”,
egoísta. Mas quando entramos com os santos, os místicos e gênios
somos levados a admitir que o axioma deve englobar todos nós menos
esses tipos de seres. E quem sabe o que acontecerá no futuro? A
evolução do organismo humano chega ao ápice. Mas o próprio
instinto nos diz que sempre tem mais. Cada década que se passa
surgem pessoas que apontam numa direção: mente, espiritualidade,
consciência, moral, síntese, intuição6.
Qualidades imateriais. Independência do corpo para desenvolvimento.
Necessidade momentânea do mesmo apenas para manifestação. Porque?
Falta de sensibilização nervosa-psíquica, pré-requisito para o
início do processo evolutivo que tende a atrofiar o orgânico e
hipertrofiar a consciência.
Julgamos
pelo economês e pelas experiências passadas, especificas de uma
época e povo e ambiente. Esquecemos a investigação abrangente e
honesta da filosofia
transformadora
e o sentimento sincero da fé
construtiva.
Sem esses elementos nossa ciência se perdeu em teorias e equações
e inventos sem finalidades reais. Criamos ilusões para fugir das
mesmas, e assim nos afundamos cada vez mais num lodo. Só um detalhe:
o desgaste é cada vez maior, e nossa energia é limitada.
Nos
entrincheiramos no egoísmo para nos garantir. Todos. E alguns
estudam, sofrem e vivem repetidas vezes, e tentam de vez em quando
sair e divulgar. Falam o “e se”. Explicam mais profundamente.
Revelam ânimo e demonstram como é possível. Paciência infinita
no diálogo. Tomam tiros. Balas carregadas de medo (do diferente, das
possibilidades). Depois, com mais estudo, dor e vivência, o espírito
se torna mais experiente e focado. Seletividade e calma. Calma e
seletividade. A tristeza começa a ser mais pelo mundo que não vê
seu estado calamitoso do que pela sua vida “mal-aproveitada”. Em
pequeno grau. Ínfimo. Mas perceptível para alguns. Claro como água
cristalina para Deus.
Não
devemos aceitar idéias ou conceitos até esgotarmos nossa capacidade
investigativa a fundo. E mesmo que no nível racional-lógico
presente tudo se explica, vê-se que isso é falso – como o tempo
comprova. O íntimo sempre clamará por mais. O sentimento é o
eterno inimigo da ilusão. O
conhecimento em excesso leva facilmente ao preconceito, da mesma
forma que a beleza deslumbrante facilmente aprisiona e controla as
atitudes da pessoa, no seu íntimo.
Poucos são os pensadores e cientistas capazes de aliar intenções
altruístas com suas ferramentas e métodos avançadíssimos.
Essa
visão que apresento está nos antípodas do pensamento corrente. Mas
o mesmo não posso afirmar em relação ao sentimento. Mesmo que
este tenha pavor de se manifestar ou não saiba como.
O
verdadeiro saber estará escondido, encoberto ou sitiado?
Se
escondido, será pela nossa insensibilidade em ver a realidade mais
íntima. Nossa e dos outros.
Se
encoberto, será pelo nosso medo em lidar com essa realidade. Nossa e
dos outros.
Se
sitiado, será pela nossa falta de crença. Em nós e nos outros.
Evoluir
dói.
Mas
é o único caminho.
É
O caminho.
Notas de rodapé
1http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/01/140120_riqueza_relatorio_oxfam_fn
2http://revistacult.uol.com.br/home/category/edicoes/197/
3http://leonardoleiteoliva.blogspot.com.br/2014/08/dois-tipos-de-utopia.html
4Noam
Chomsky, “o intelectual mais importante vivo” segundo o New
York Times.
Ver os primeiros 7 minutos do vídeo
https://www.youtube.com/watch?v=D2LNyZ6NNeE
5http://pt.wikipedia.org/wiki/Axioma
6Léon
Denis, Amit Goswami, Pietro Ubaldi, Teilhard de Chardin.
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