segunda-feira, 18 de abril de 2016

A Perversidade da Neutralidade

À medida que constato e reflito e questiono e relaciono as antíteses, muitas das grandes verdades multimilenares vão ficando mais claras à minha pobre mente. O coração começa a ser compreendido pela inteligência. Num grau pequeno. Pequeno mas substancial perto da completa escuridão que ele se encontra na maioria dos seres. Eis que Hannah Arendt [1], com sua tese de Banalidade do Mal [2], esclarece as grandes questões da humanidade, que trazem implicações nos mais diversos campos, das mais variadas formas, em todos tempos e lugares.

Hannah Arendt, filósofa que
elevou a compreensão coletiva
da neutralidade, revelando
a perversidade desta - que está
sendo muito usada pela ideologia
neoliberal..
Existem muitos filósofos(as) que pouco ou nada sabem a respeito do objetivo supremo de sua área. É verdade. Meu blog, para quem acompanha à fundo, não trata de ser um espaço filosófico gostoso, aconchegante, no qual as pessoas - na melhor das hipóteses - possam se instruir e se melhorar...sem grandes incômodos. Não, nada disto. Aqui é espaço de tensão, incômodo. É espaço onde a alma deve arder e os indivíduos devem se auto-tensionar, especialmente o autor. Mas esse incômodo não é gratuito. Muito pelo contrário. Trata-se de um incômodo vulcânico advindo de causas profundas, que se geram por meio de uma série de fatores internos combinados com experiências sensórias exteriores como um filme profundo, uma música, um texto, um gesto,...Os verdadeiros filósofos(as) vivem isso e portanto compreendem as coisas. Eles se submetem à Verdade além de sua ferramenta - por mais poderosa e elevada que ela seja.

Tudo do mundo é corrompível. Mesmo as melhores coisas...

Devemos ter despertado dentro de nós o senso do Sagrado para que possamos orientar todos os finitos, apontando-os para o Infinito. Cada um a seu modo, a seu tempo, duma certa forma. Isso é a Arte da Vida, que diz tudo e fala pouco.

Da mesma forma, temos profissionais que nada sabem de fato de sua área. A questão é que, quanto mais próxima em traduzir os mistérios do espírito, do imponderável e de regiões muito aquém e muito além, o cumprimento fiel ao objetivo supremo se torna mais difícil. E nesse meio caminho muitos param em certo degrau da escada - e são criticados...Mas muitos dos que criticam nem sequer tem a coragem de compreender do que se trata; e se compreendem, dificilmente apresentarão a coragem de realizar uma travessia completa que torne a área desejada - mas não arriscada... - uma verdadeira serva do Infinito, ou, melhor dizendo, das Forças Cósmicas...E eis que muitos não se arriscam a iniciar a Grande Jornada por ver e aridez dela.

Mas alguns se preparam muito. E tentam...

Hannah Arendt era filósofa integral. Ela dedicou sua vida a mergulhar fundo no ser humano, a ponto de construir uma plataforma sob a qual outros poderão adentrar no universo da consciência, em que o divino é acessível e reproduzível - mesmo que por pouco tempo...mesmo que sem a possibilidade de controle racional...E esse trabalho é poder a tal grau que a única coisa que nos está fazendo sofrer mais e mais nos últimos anos é nossa incapacidade de compreender o que ela quis dizer com sua idéia de Banalização do MalCompreender à fundo.

Mas vamos ao que interessa.

A mente humana, em seu estágio atual, opera na dualidade. Essa lógica é produto do intelecto luciférico [3], que necessita do inimigo, da competição, da externalização, para se desenvolver - e satisfazer! A grande questão é: na lógica da dualidade temos o que se chama neutralidade. Esta comumente é vista como neutra, por ser algo óbvioMas na prática, se observarmos bem, essa neutralidade teórica é a característica mais perversa do ego luciférico, que permite o movimento livre de forças, em várias direções, sem grandes restrições. Pouco atrito. Pouco sabemos ainda disso, mas uma observação mais atenta e bem intencionada pode dizer muita coisa.

Imagine uma mobilização social ou uma greve. As pessoas podem adotar três posturas: a favorcontra ou neutra (no momento não quero entrar no mérito da legitimidade ou não da mobilização...). Imaginemos que 100 pessoas trabalhem numa fábrica e seu sindicato inicie uma greve geral. Pois bem, o que se passa na mente de cada um dos trabalhadores(as) levará cada um a ter uma postura final: a favor, contra ou neutra. Mesmo aqueles que não emitem opinião dizem algo (dizem muito): pode-se ter em mente de que a melhor coisa é se manter neutro, com o intuito de deixar as circunstâncias de desenvolverem, esperando o melhor para si sem se expor aos riscos. Perante o mundo (com seu biótipo médio), essa é a atitude mais sensata, pois lhe evitará problemas - pelo menos a curto prazo - e não haverá exposição desnecessária. Nos últimos 20 anos venho constatando que muita gente vêm adotando essa lógica de operação.

Blaise Pascal: santo e gênio. Se curvava
apenas para O Infinito e Eterno - ou
para aqueles que serviam o mesmo
imponderável.
Sinto - por gestos, olhares, tons de voz, desenvolvimento de vidas - que as pessoas não querem se "meter em confusão", mas ao mesmo tempo elas desenvolvem uma habilidade em desenvolver sua conformação, procurando os mais diversos meios para se esquivar de certas questões - das quais querem permanecer neutras à todo custo, sem posicionamento. Nessa habilidade de esquivo muitos optam pelo consumo de bens, de serviços ou se distraem com pessoas para se sentirem melhor (o famoso 'fazer o social')Dificilmente busca-se um contraponto forte fora da região de decisão para compreender o porquê de sua neutralidade radical*. Aparentemente isso seria uma forma de resolver os problemas do mundo, delegando problemas "insolúveis" àqueles mais "egoístas". De fato é do ser humano, ao agir coletivamente, ser seduzido pelo poder de sua voz e sua influência. Isso no entanto não significa que: A) nada de bom resulte de sua atuação; B) Todos seres sejam igualmente seduzidos e logo desviados de seus objetivos gerais.

As maiores atrocidades cometidas coletivamente foram viabilizadas por aqueles que absolutamente nada fizeram - apesar de não serem "a favor" - para impedi-lá. Desde sua gênese. Essa frase foi dita por Einstein, por Arendt, e provavelmente por outros grandes iluminados, de várias formas. É um conhecimento multimilenar. Mas no entanto ele tem ficado no Sagrado, divorciado das aplicações cotidianas, e com isso criamos um a sociedade cada vez mais desenvolvida intelectualmente, tecnicamente - e até culturalmente! - mas sem um mínimo de desenvolvimento moral para guiar nossas vidas.

Sempre foi assim, e é assim...
Mas não precisará ser sempre assim !

Projetar o passado integralmente no futuro é um vício do ego humano. Ele nos induz à preguiça. E com ela vem a dor.

Leonardo Boff. Na Teologia da Libertação
encontrou a Síntese  amorosa entre 
Cristianismo e Justiça Social. Entre
reforma íntima e atuação efetiva.
Nos movemos na horizontalidade sem finalidade maior do que acumular e procriar e ganhar títulos e nos sentirmos importantes. É uma horizontalidade profana.

Quando mergulharmos no intimo de nós, tocando os fenômenos, rasgaremos nossa horizontalidade profana com uma verticalidade mística simultânea, gerando dor e desespero.

Se aguentarmos esse corte, percebendo sua função de elevação, começaremos a alimentar nossa horizontalidade do mundo por uma verticalidade mística, de forma a nos tornarmos seres que agem segundo uma horizontalidade ética.

Ou seja, a mística interior gera a ética externalizada. Age-se no equilíbrio, pelo equilíbrio, com equilíbrio. Nada mais, nada menos, porque se trata da Essência que é o Todo.

Dessa forma observa-se que aqueles que se posicionam na neutralidade acabam dando razão para as forças que imperam - e estas geralmente são as mais agressivas, não necessariamente em termos físicos, mas sobretudo em termos econômicos e psicológicos. Isso é muito perigoso, uma vez que o mal tende a arregimentar com muito mais facilidade pessoas a seu favor do que o bem. E não me refiro à superficialidade de eventos globais e/ou recentes, mas à essência dos mesmos, e das decisões e atitudes cotidianas de cada um, seja na vida coletiva, seja no íntimo de sua mente e sentimentos. 

Sem entrar no mérito da questão "quem é o bom e quem é o mau", pois TODOS temos dentro de nós o Ego Luciférico e o Logos Crístico, o que vale é captar aquilo que vem ocorrendo no mundo, em nossas vidas e começar a colocar em pauta - antes individualmente, depois coletivamente - as seguintes questões:

1. quem realmente controla as coisas?
2. quem sustenta esse sistema?
3. o que ele tem de bom?
4. o que ele tem de ruim?
5. ele é o ápice do desenvolvimento?
6. até que ponto eu vejo minhas idéias como imposições?
7. o que eu faria no lugar de certas pessoas?
8. quanto eu preciso para viver bem?
9. porque o necessário de uns é absurdamente maior (ou menor) do que o necessário de outros? 
10. será que uma humanidade só de relativos, sem um Absoluto, pode evitar uma catástrofe?
11. porque muitas pessoas abandonam ideais na primeira experiência malsucedida de implementação?
12. o que é transformismo?
13. porque existe gente que gosta de "perder tempo" e se sente bem em meio ao que eu julgo monótono e pouco?
14. porque alguns insistem em idéias que não deram certo?
15. o que é dar certo? e em que escala de tempo podemos considerar que algo funcionou ou não?

A mim me parece que não devemos buscar a "sociedade da neutralidade" porque será instaurar o relativismo luciférico que ignora o Absolutismo Divino, única estrela-guia que pode nos levar à Salvação. 

Mas antes de assumir uma posição, deve-se passar por uma catarse interior intensa, capaz de gerar um agir exterior capaz de compreender as antíteses, realizando uniões elegantes de complexidades crescentes.

Eis a visão que me veio hoje.


Referências e observações
[1] https://pt.wikipedia.org/wiki/Hannah_Arendt
[2] https://www.youtube.com/watch?v=OkESaqHiX3U
[3] Lembre-se que o intelecto em si não é algo perverso nem deve ser erradicado. No entanto, e especialmente, a partir de um ponto de desenvolvimento, se ele não for comprimido e controlado por uma "inteligência" de outra espécie (intuição), corre-se o risco de autodestruição - individual e coletiva.
* Reitero que a mais perversa das ideologias é aquela que se diz não-ideológica e combate as outras colocando em questão todos vícios das outras - mas jamais fazendo autocrítica de si mesma.

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