quinta-feira, 31 de outubro de 2019

Horizonte: temporariamente perdido, ardentemente buscado

Todo ser sonha com uma vida melhor. Cada uma a seu nível, as individualidades no universo orbitam em torno de um eixo central. Princípio inteligente subjacente a todos acontecimentos. Sempre presente, jamais evidente. Sutil. Religiosamente científico quando revelado. Cientificamente religioso quando professado. Poeticamente orientado e harmonicamente plenificado. Nós não somos capazes de realizar uma busca integral - isso nos esfacelaria. A vida fala mais alto. Mas esta vida é ainda orgânica, fortemente calcada nos sentidos e com um senso de concreto ancorado na matéria. Consideramos vida em termos de manifestação externa porque nosso centro de gravidade está situado nesse nível. No entanto, esse é apenas um aspecto.

Shangri-la. Um núcleo de civilização bem longe de
nosso mundo. Um local inserido no seio do himalaia.
Inacessível à ganância humana. Impressionante pela
sua harmonia. 
Quem percebe mais à fundo sente vida na matéria e nas idéias. Percebe que vivemos um átimo do devenir evolutivo. E que o que agora é considerado uma verdade absoluta será tido como uma verdade relativa amanhã (que está logo aí). E à medida que caminhamos na senda evolutiva, essa ideia originariamente grande se apequena, adquirindo um aspecto cada vez mais próximo de sua essência. Mas esse fato não deve desanimar. Apenas aqueles que se prendem ferreamente a um conceito, modo de vida, pessoa, corrente filosófica, profissão ou posse estão condenados a uma corrida cansativa, cheia de fadiga e dores. Uma corrida que obriga o ser a trair a cada passo a sua natureza, desviando a atenção da criatura ao que realmente interessa. O que é isso que realmente interessa? O nada...Isto é, o que este mundo considera como inexistente, inútil, distante, imperceptível,...A essência. A origem e o fim. O pensamento diretor, único, que se manifesta através de tudo e de todos, assumindo uma multiplicidade estonteante. O não-lugar...

E...falando nisso...Há um não-lugar que foi transformado em lugar...Uma obra literária de James Hilton, lançada ao mundo em 1933 - época de obscuridade mental e intensificação tecnológica. Obra que idealiza o mito de Shangri-la. Núcleo de civilização pautada em nova mentalidade, na qual a ganância se vê encarcerada numa personalidade com virtudes sobrepujando vícios. Não um reino de anjos, mas uma comunidade que é verdadeiramente pautada por diretrizes angelicais. Shangri-la.

Rumo ao paraíso perdido. Mas nessa viagem, nada é por
acaso. Ao menos para Richard Conway.
Shangri-la, da criação literária do inglês James Hilton, Lost Horizon (Horizonte Perdido) de 1933, é descrito como um lugar paradisíaco situado nas montanhas dos Himalaias, sede de panoramas maravilhosos e onde o tempo parece deter-se em ambiente de felicidade e saúde, com a convivência harmoniosa entre pessoas das mais diversas procedências. [carece de fontes]
Shangri-la será sentido pelos visitantes ou como a promessa de um mundo novo possível, no qual alguns escolhem morar, ou como um lugar assustador e opressivo, do qual outros resolvem fugir. O romance inspira duas versões cinematográficas nas décadas seguintes (em 1937 e 1973).[carece de fontesWikipedia [1]

Foram realizadas duas versões desse filme. A primeira dela é de Frank Capra (1937). A segunda (1973) de Charles Jarrott, com trilha sonora de Burt Bacarach e com Peter Finch no papel de Richard Conway. O elenco é grandioso: Liv Ullmann (Catherine), Michael York (George Conway), Olivia Hussey (Maria) e o já experiente John Gielgud (Chang). Irei apoiar minha escrita no musical.

A trama se desenvolve lentamente. As cenas iniciais mostram uma revolta ocorrendo num país do sudeste asiático. O caos impera. Richard Conway está no local para apaziguar a situação. Vemos um homem maduro, com semblante ligeiramente desgastado pelo tempo. Olhar profundo e crítico. Ele conhece o mundo mas não opera totalmente de acordo com os métodos de sua época e de sua cultura. Mas não destoa do meio em que está inserido. Seu modo de agir é inteligente. E ele, juntamente com seu irmão e outros personagens (incluindo uma depressiva, um ator e um engenheiro), terão seus destinos entrelaçados por um acontecimento inesperado.

George e Maria. Aquele que vive o frêmito
sedutor do AS tenta convencer aquela que
nasceu na tranquilidade que prenuncia a
jornada final para o S. 
Um avião voa sem destino conhecido - ao menos para os passageiros. Momentos de suspense puro. Que se estendem infinitamente para os personagens - e quase tanto para o expectador. Tentamos ansiosamente compreender o porquê de tudo aquilo. Um sequestro? Um mal entendido? Um plano desconhecido?

O avião cai e imaginamos que os sobreviventes terão de se virar até seu fim, em meio a uma cadeia de montanhas inóspitas, isoladas e muito ameaçadoras.

Mas eis que surge um grupo de homens munidos de tochas e resgatam as pessoas. Chang (John Gielgud), o líder da expedição, conduz o grupo até o local de onde veio.

Após uma longa (e árdua) caminhada, chegam ao esperado local. Um lugar somente existente na imaginação de muitos, seja como sonho ou como colônia de férias. Como mundo ideal ou mundo a ser propagandeado. Mas é real. É o que é: Shangri-la.

O que é Shangri-la? Por que ela é miraculosamente isolada? Como ela veio a existir? Quais são seus princípios? É possível seus cidadãos permanecerem estáticos nas ambições materiais após terem atingido um patamar estabelecido por diretrizes universais? E trabalharem interiormente...em busca de realizações fora de nosso plano, em que as ideias sejam realmente vivenciadas, os sentimentos profundamente impactantes e a reflexão seja sempre moda e diretriz íntima? Aparentemente sim. Para aqueles(as) já prontos.

O filme é musical. Cada performance é feita visando trazer à tona a essência de um mundo com imperativos humanos, em equilíbrio com as leis naturais em todos os níveis. Respeito à capacidade regenerativa das formas vivas, cuidado no manuseio da fauna e flora, consumo essencial e saudável, relações de respeito, ritmo de vida moderado, com um trabalho desvinculado completamente da questão da sobrevivência, entre outras questões. O Dinheiro inexiste. Metais e pedras preciosas tem o devido valor: meros pedaços de matéria que não dizem respeito às grandes questões da vida e da evolução. Assim vamos percebendo ao longo da projeção de mais de 2 horas.

Maria e Sally cantam e dançam. Uma deseja (sem saber)
descer. A outra, sabendo como é o mundo, pretende
permanecer...
As letras, cuidadosamente escolhidas, visam transmitir uma ideia. Mais do que isso: é um desejo de realização muito profundo, cada vez mais forte no instinto coletivo. Os personagens entram nessa dança sonora, contribuindo para a expansão dessa consciência aos seus pares - que ainda não perceberam. Há o depressivo suicida (Sally, a mulher sofrida), os frio calculista (Sam, o engenheiro), o prático preso às aparências (George, o ambicioso vaidoso), o sonhador muito distante do concreto (Harry, o artista) e aquele sonhador conhecedor dos métodos do mundo (Richard, o homem escolhido pelo Lama-Mor para continuar a materialização do sonho).

Os diálogos, íntimos, intrigantes e inteligentes, - especialmente quando Chang está presente - temperam as falas. O intuito é colocar pitadas de intuição num mundo afogado em métodos superficiais, que só se preocupam em reagir aos efeitos, discriminar elementos, analisar friamente. Trata-se de uma forma de vida mais inteligente, que só pode ser percebida com a vivência - que de certo modo foi inicialmente forçada, mas depois, aceita por muitos. Assim o grupo que inicialmente estava preso às dores do mundo aceita adentrar num novo mundo. Perceberam que a "civilização" é apenas uma aparência. A verdadeira (civilização) está no local em que eles julgam não-civilizado (apesar de agradável).

O ser humano tem sua mentalidade desnudada através dos múltiplos personagens. Percebemos que o bom senso tende a imperar no fim, seja pelo bem ou pelo mal.

Enquanto todos vão, aos poucos, aderindo à nova forma de vida, George quer insistentemente sair do local. Não suporta a monotonia, a falta de barulho, de problemas, de possibilidade de ambicionar coisas. Não está preparado para o novo mundo porque seu subconsciente o drena para o velho mundo. Um mundo prestes a desmoronar. E nesse ímpeto de fuga, acaba por convencer uma jovem inocente (Maria) a sair do paraíso para viver num mundo de ilusões que se desfazem a cada instante...Ele pinta o quadro do mundo de acordo com sua percepção distorcida da (verdadeira) realidade. Ele não vê em profundidade mas fala com ardor. Porque ele adora tanto as misérias do mundo que elas se tornaram sua verdadeira riqueza. Riqueza perecível...

A busca pelo paraíso perdido é a mais elevada de todas. No fundo, é A Busca. O cinema torna essa epopeia do homo sapiens sapiens musical, sonora, colorida, com características comuns a todos nós. Uma jornada que só terminará quando aceitarmos o que somos e o que devemos nos tornar.


Referências
[1] https://pt.wikipedia.org/wiki/Shangri-La
[2] Lost Horizon, 1973. Filme completo. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=23BcjBWd65I>

terça-feira, 29 de outubro de 2019

Quando a profundidade do Sistema toca a superfície do Anti-Sistema

O fenômeno da descida dos ideais é talvez o mais fantástico que ocorre em nosso mundo. Ele se dá de muitas formas, de tempos em tempos, através de personagens históricos que ecoam pela esteira do tempo devido a seus atos fora do comum. Verdadeiramente inesperados e poderosos. Quem já atingiu a devida maturidade interior é capaz de sentir de forma mais intensa (muito mais intensa!) certas coisas que ocorrem neste mundo.

A Arte que verdadeiramente faz jus ao nome é capaz de expressar uma determinada ideia - de modo sutil, por uma combinação de elementos do mundo, sonoros, musicais, de figurinos, gestos e...sobretudo, olhares de personagens - com força impressionante, capaz de levar o ser a outra dimensão, superando as míseras barreiras de tempo e espaço, de limitações e paradigmas.

Irmão Sol, Irmã Lua (1972).
Um filme que revela o profundo que governa a vida.
O Cinema, para mim, é verdadeiramente impressionante por representar uma experiência de imersão profunda em um mundo que já foi mas - ao mesmo tempo - ainda o é e será. Das sete Belas Artes [1], ele é a mais massificável, pois pode ser reproduzida ao mesmo tempo, em todo mundo, para todos públicos e em várias épocas, atingindo muitas pessoas em pouco tempo. A luz da película e os sons ordenadamente orquestrados pelo realizador (o grande cineasta) banharão todos os olhos e invadirão todos os ouvidos. Mas as almas tocadas devem estar num nível capaz de transformar esse conjunto harmônico de um relato numa orquestração divina que aponta para as regiões do espírito.

Franco Zeffirelli [2] decidiu fazer o filme Irmão Sol, Irmã Lua (1972) após passar por uma experiência que quase lhe tirou a vida. Esse abalo levou o diretor italiano a expressar em tela uma das mais fantásticas sagas interiores. O verdadeiro drama cósmico da ascensão. Trata-se da gênese daquele que talvez seja o Santo mais conhecido de todos os tempos: Giovanni di Pietro di Bernardone, mais conhecido como São Francisco de Assis.

O filme retrata de forma muito interessante como se deu o processo de despertar. Fica evidente que os maiores santos e gênios se forjam a partir de uma personalidade repleta de energia e paixão, que já contém dentro de si as potencialidades espirituais para sustentar aquilo que ele deseja se tornar.

Clara era meiga e certinha - Francisco Bernardone era bagunçado e brincalhão. Clara se preocupava com os leprosos desde tenra infância - Francisco Bernardone tinha pavor deles. Mas em Francisco estava o germe para uma mudança radical em sua personalidade. E sua grande energia, vontade e criatividade o levaram a se tornar o pai fundador da ecologia.

A cena final do filme, quando Francisco e seus discípulos chegam ao Vaticano para serem recebidos pelo Para Inocêncio III (interpretado pelo brilhante Alec Guiness), é uma exemplificação do fenômeno da descida dos ideais, quando o Sistema (S), que é a ideia pura, entra em contato com o Anti-Sistema (AS) que representa essa ideia no mundo.

S e AS trabalham conjuntamente, mas separados - o primeiro atuando silenciosamente, em profundidade, sem se preocupar com prazos e metas; o segundo impondo e fazendo barulho na superfície, buscando adquirir vantagens em nome de uma difusão do ideal. Quando os dois se tocam, seja num instante em que dois seres que personificam as forças S-AS, seja num confronto de ideias, ocorre um fenômeno impressionante. Um fenômeno que o subconsciente das massas baixas (povo) e das massas altas (aristocracia ou clero) capta de forma imediata. Cada um reage de acordo com o que aquilo significa para sua pessoa, seu grupo, seu partido, sua religião, sua ideologia, sua nação. Mas ninguém consegue ficar indiferente diante do que ocorre.

Quando Francisco, o poverello de Assis, entra na Igreja-Mor e se vê diante de tanta riqueza, percebe que a pobreza é pregada mas não praticada - com a desculpa de que é preciso ter poder para se difundir um ideal. E isso é verdade! A mecânica do processo evolutivo é assim. Doa a quem doer, é esse o fenômeno desfraldado pela brilhante arquitetura monista de Pietro Ubaldi, que explica toda a fenomenologia universal, coordenando todas as atitudes para uma meta central: a ascensão humana.

parte 1

Vê-se a riqueza. Vê-se o comportamento. A atitude de superioridade. Os ritos e a arquitetura (física e mental), cuja função é impressionar, mostrar a grandeza de Deus - e seus representantes, incumbidos da função divina de propagar o ideal. O Santo deve apenas ler um texto, não incomodar. Recitar belas palavras em latim. Ser obediente para a hierarquia do mundo - mas afogar os princípios que o impulsionam. Ele percebe isso e acaba por falar o que sente. Sua visão se espalha pelo ambiente como um relâmpago - que corta o íntimo de cada cardeal e subordinado. O Papa, num estado de morbidez, encastelado por uma série de mecanismos de poder, cheio de roupas e distante (infinitamente longe) de tudo e de todos, - como eles vêem a Deus - não parece estar plenamente consciente. Ele, como a Igreja, se engessou numa superestrutura que tudo domina. Mas a voz de Francisco corta os fios que o prendem.

Todos se ofendem com a verdade - mas o Papa, curioso, sente-se compelido a entrar em contato com criatura tão ousada...tão inteligente...Ousadamente inteligente - inteligentemente ousada.

parte 2

O Papa desce e escuta. O Santo e o Papa são vistos como iguais: criaturas provenientes da mesma Fonte, com tarefas específicas. Um tem a missão de renovar o tecido incrustado da Igreja - outro o de dirigir esse gigante, garantindo que a Igreja não seja esmagada por forças do mundo. Não são inimigos, mas seres com consciência de sua tarefa. 

O que inicialmente turvo para Francisco fica claro, ao perceber que o Papa não pode sair de sua posição - e ele, o Santo nascente, não pode abdicar de sua tarefa divina. 

O intercâmbio de ideias e sentimentos se desenvolve de forma a deixar cada membro do poder perplexo. Muita preocupação em manter a estrutura que os alimenta, permitindo diversas regalias e garantias. Direitos infindáveis por representarem o Alto. Assim, quando o Papa, num gesto de admiração sincero, beija os pés do Santo, abençoando-os, estabelece-se um clima de temor. O suspense dos últimos momentos se transmuda em perplexidade e desespero. Esse contato tão íntimo entre S e AS tende a "trocar demasiados fluídos" entre o imponderável e o ponderável. Entre o relativo e o absoluto. Entre o não-local e o local. Não pode ocorrer, pois afetaria a vida de todos - que ainda não atingiram a maturidade espiritual para viver uma forma de vida mais elevada. Povo, clero, aristocracia,...todos. 

Somos incapazes de viver o ideal. Apenas o professamos de tempos em tempos. De modos diversos. E à medida que o tempo corre, surgem seres que explicam de modo cada vez mais inteligente, avançando na ciência, na crença, na arte e no pensamento. Criando novas formas de viver e conduzir povos. Dilatando a visão à custa de sua imagem. Estamos na fronteira da racionalidade, pressionando os limites do saber e do crer para rasgar cortinas há muito tempo empoeiradas pelos eventos da História. É hora de revelar o significado mais profundo dos textos Sagrados e - por que não - dos filmes que apontam para o S.

Espero que essas breves palavras, brotadas num relampejo de paixão, possam deixar um pouco mais claro o que Zeffirelli quis dizer com esta cena. Cena sublime, que encarna o confronto entre S e AS.

Notas:
[1] https://pt.wikipedia.org/wiki/Belas_artes
[2] https://pt.wikipedia.org/wiki/Franco_Zeffirelli
[3] https://pt.wikipedia.org/wiki/Francisco_de_Assis

sexta-feira, 25 de outubro de 2019

Tempo não é dinheiro - tempo está dinheiro

O vínculo que estabelecemos numa época é relativo à forma mental predominante no momento histórico. Ela não é uma relação absoluta, mas relativa. Uma relação que revelou ser fundamental para um paradigma. Logo, da mesma forma que ela nasceu um dia, ela deixará de existir - ao menos como máxima. 

O dinheiro surge como meio de troca de mercadorias ou serviços. É uma base comum que pode ser adotada por qualquer um, em qualquer lugar, a qualquer momento. Isso o transforma em algo muito útil, pois estabelece-se uma universalidade em termos de intermédio que podemos fazer para adquirir (comprar) ou nos desfazer (vender) algo, seja serviço ou bem. O deslocamento de objetos pesados e trabalhosos de serem mantidos (basta imaginar a troca de um boi por várias galinhas) deixa de existir, e um objeto substitui um dos lados. Esse objeto é padronizado, fácil de armazenar e só pode ser emitido por um órgão oficial (Casa da Moeda). No entanto, o objeto em si não representa uma verdadeira riqueza. Ele é apenas um intermediário para agilizar as relações de troca entre indivíduos, dando vitalidade à atividade econômica.

O dinheiro não é um mal necessariamente. No entanto, a relação que estabelecemos com esse pedaço de metal, que se plasmou em papel e agora se desmaterializa, adquirindo o atributo de dado (dinheiro eletrônico, antes nos cartões, agora em aplicativos e tecnologias personalizadas), pode ser muito tóxica. De meio de vida e desenvolvimento podemos nos ver diante de uma coisa cada vez mais cultuada. Indiretamente, na maioria dos casos.

Á medida que a marcha neoliberal segue seu curso, a mercantilização de todas formas de existência cresce. Muitas coisas consideradas gratuitas se tornam pagas. Criam-se taxas para serviços - por mais insignificantes e sem custo eles sejam. Aumentam-se as cobranças sobre atividades não-produtivas, que intermedeiam operações financeiras. O capital improdutivo toma conta da economia e com isso o outro setor (produtivo) começa a minguar. São vários ciclos. Sempre que se intenta uma retomada produtiva, ela logo recrudesce, e assim a atividade industrial vai se tornando menos participante na geração de riqueza. Isso é bom, certo? Pois desmaterializa as coisas.

Observando mais à fundo nos damos conta de que não se trata de emitir menos ou produzir menos necessariamente. O que se tem é uma valorização exacerbada sobre o setor virtual da economia (finanças) em detrimento do setor real (produção de bens e serviços). Nesse sentido temos uma diminuição da participação industrial no PIB. Isso vem ocorrendo no Brasil nos últimos 30 anos - desde fins da década de 80. Hoje a uma taxa mais acelerada. As perspectivas não são alentadoras [1].

Deve-se ter em mente que o sistema econômico se apoia numa base biofísica. Sem esta, nada existe em termos de geração de riqueza. Riqueza que - mesmo pessimamente distribuída - se plasma em desenvolvimento humano e pesquisa. A questão é que existe uma relação entre desigualdade social e potencial de desenvolvimento humano e inovação. Isso é comprovado por diversos estudos de órgãos renomados [2].

Essa imposição do sistema financeiro, com duas diretrizes divorciadas da realidade, começa a desordenar severamente o mundo produtivo, cujas diretrizes passam a ser cada vez mais voláteis. Isso significa que seguir um projeto de longo prazo, que exige tempo, dedicação, planejamento e recursos, passa a ser cada vez mais difícil. As nações que exercem um certo controle sobre suas economias sabem disso, e impedem que suas principais agências sejam subjugadas à essa lógica. A NASA, a ESA e a DLR [3], por exemplo, são entidades governamentais que recebem recursos polpudos de seus governos - pelo menos em relação à média mundial. Elas não são desestruturadas para se fazer um determinado ajuste fiscal. Porque trata-se de um setor estratégico, que encampa uma multiplicidade de conhecimentos, tecnologias de ponta e portanto de produtos cujo desenvolvimento reflete em diversos setores da economia - mesmo que no longo prazo.

Pesquisa publicada na Folha de S. Paulo. Ela revela que os entrevistados,
à medida que aumentava sua renda, tinham mais propensão a se declararem
felizes. No entanto, a partir de um ganho, a renda não influenciava. 
A questão não é cumprir ou não os imperativos da economia formal, mas sim como eles devem ser cumpridos e (principalmente) se é legítimo o tipo de débito a ser quitado.

Sabe-se muito bem que a dívida pública é uma hidra que drena recursos numa taxa cada vez mais voraz [4], e com justificativas cada vez mais descabidas, uma vez que, para os governos marionetes, "ser responsável" é cortar a maior quantidade possível de despesa (ou 'gastos'): saúde, educação, previdência, bolsas de fomento à pesquisa, segurança pública, projetos de infra-estrutura e pesquisa, bolsas de auxílio social, entre tantos outros. Esquece-se que se lida com setores cujo potencial de capacitação (do povo) é enorme, tornando-o menos custosa à medida que este (povo) adquire conhecimento, saúde e,  consequentemente, independência - seja esta financeira, intelectual, política ou cultural.

Os economistas ortodoxos parecem não compreender uma questão elementar, que é o horizonte de tempo que adotam para esboçar seus planos. Incorre-se no pecado mortal de levar muitas pessoas à morte e ao desespero, indireta ou diretamente, devido a esse modelo obtuso, simplório, que envolve poucas variáveis e ignora outras - cada vez mais importantes. Variáveis que apontam para a vida, o progresso, a superação do atual modus operandi. Mas falar sobre isso é pouco. As pessoas devem obrigatoriamente adquirir a dolorosa experiência dos caminhos errados para sofrerem as consequências e começarem (começarem...) a perceber a necessidade evolutiva.

Apenas 3 anos corridos da aprovação da EC95, já se fala sobre possível apagão do governo [5]. Assim começa-se a perceber que as palavras ditas alhures [6] não eram mera insatisfação pessoal sem fundamentação conceitual. Ao contrário, a visão obtida do futuro de tal lei se deu através da profunda observação de uma lei natural que estava em curso. Essa lei estava fazendo o progredir de uma variável. Como toda progressão, ela seguia a TTMF*, cuja assíntota seria atingida em duas ou três décadas, e atingiria um valor da ordem de 20% do PIB (referente a gastos sociais). Esse alerta, proferido por muitos especialistas [7], foi abafado pela urgência de fazer a reforma para "evitar que o Brasil virasse um caos". Pois bem. Eis que, a cada mês que passa, esse caos parece se tornar mais provável - e com consequências mais nefastas, beirando o imprevisível...tamanha a quantidade de alterações impensadas a serem feitas.

O aumento de gastos (investimentos) sociais seguia uma
tendência, traçada pela curva pontilhada cinza, que revelava
uma progressão média que tendia a se estabilizar. A EC95
mutila esse desenvolvimento ordenado, vinculando a vida de
pessoas à "saúde" da economia (leia-se crescimento do PIB).
Estamos na era da destruição da forma. Mas quem escolheu esse caminho foi, em larga medida, a população. Me refiro à maioria que dá tom aos processos políticos e econômicos, que compõe o que a estatística chama de 'normal'. Essa maioria inclui aqueles que não estão contentes e percebiam os problemas, mas não ousaram ir além de um ponto para evitar o mal.

Diante do absurdo, a neutralidade equivale a consentir com o mal.  Querendo se garantir, o involuído perde a chance de acelerar seu passo rumo à eternidade e à vastidão libertadora do infinito. E assim perde o bonde da História, se submetendo à onda das maiorias - e alimentando a inércia desta. Tem-se uma simbiose mórbida entre o tipo médio e as massas, que se retroalimentam e garantem assim a paralização e o medo.

O momento histórico clama por seres de visão vasta, percepção profunda e vontade invencível. Mas não apenas! As forças da vida desejam cada vez mais a ascensão de criaturas capazes de vencer as impossibilidades do relativo para a afirmação das possibilidades do absoluto.

Chegou a hora em que a função do dinheiro deve ser revista. Não basta fazer alterações à nível de eventos - ou mesmo mudar comportamentos. É mister alterar a estrutura psíquica, adquirindo capacidade de pensamento sem precedentes aliada a um sentimento de intensidade máxima, puxando o ser ao limite de suas capacidades, para a partir daí tentar (tentar) extrair um diferencial que se espalhe pelo mundo.

Tempo não se identifica com dinheiro. Ele se relaciona com o mesmo. Em nosso paradigma. E ainda: de forma limitada!

O ser humano deseja os recursos. Queremos respirar, ingerir água, nos alimentar, ter conforto térmico, segurança dos elementos, cultura, educação, afeto,...Expandir nossa consciência através da mudança de perspectiva. O dinheiro se interpõe de forma cada vez mais deletéria nessa busca, desordenando a mente das pessoas, que devido à sua fragilidade consciencial, ainda são presas fáceis dos planos de satanás, ponto máximo de depressão do AS. Porém ele (satanás) continua o processo de queda - daí provém sua influência enorme em nós, criaturas já em processo de ascensão rumo ao S.

Descer é fácil e subir é difícil.

Quem ainda cai tem velocidade - obtida no início dos tempos, com a revolta. Puxa aqueles que sobem, que devem criar velocidade para cima com seu próprio esforço. Não à toa é ainda muito difícil ascender individualmente. Quem o dirá coletivamente!**

Faço o possível para acionar engrenagens interiores daqueles espalhados pelo mundo. A tecnosfera dá possibilidade do bem atuar de modo mais amplo. É importante que os seres já prontos para receber o alimento sólido tenham acesso a ele. Porque é muito difícil manter o ânimo num mundo que precipita para o abismo material. É preciso revelar a esses que existe sim um universo superior. Intocável. Que jaz no âmago dos fenômenos sociais e naturais. Em todos os seres, a todo momento, se expressando das mais variadas formas.

A tensão da mente é máxima. Isso estimula a escrita. A febre deve ser convertida em palavras. Palavras que exprimem conceitos. Conceitos que apontam para um futuro inconcebível à mentalidade atual.

Com isso desfaço o laço mortal que foi estabelecido entre tempo e dinheiro, libertando definitivamente aqueles já aptos a compreender a ilusão de nosso tempos.

Referências:
[1] https://www.cartacapital.com.br/economia/soterrada-sob-importados-a-industria-perde-intensidade-tecnologica/
[2] http://www.ebc.com.br/cidadania/2015/06/onu-alerta-para-extrema-desigualdade-social-no-mundo
[3] Agências espaciais norte-americana, europeia e alemã, respectivamente
[4] EntreVistas com Maria Fattorelli. Disponível em :<https://www.youtube.com/watch?v=lVDO9aKHww0>
[5] Risco de 'apagão' do governo provoca debate: teto de gastos deve ser revisto? BBC Brasil. 16/09/2019. Disponível em :<https://www.bbc.com/portuguese/brasil-49698809>
[6] Emborcamento do Rumo Natural. 25/08/2017. Disponível em: < https://leonardoleiteoliva.blogspot.com/2017/08/emborcamento-do-rumo-natural.html>.
[7] Ver Roberto Requião, Eduardo Moreira e Ladislau Dowbor.

Observações:
* Trajetória Típica dos Movimentos Fenomênicos
** Para compreender melhor essas observações, recomenda-se que seja feito um estudo pormenorizado da Obra de Ubaldi. Em especial Queda e Salvação, Deus e Universo e O Sistema.

quarta-feira, 23 de outubro de 2019

Economia Baseada em Recursos (EBR) - Palestra do dia 22.10.2019

Estou disponibilizando aqui a palestra para todos(as) que desejavam comparecer e não puderam por motivos diversos. E (claro) para todas pessoas interessadas na temática ecológica, social e energética.

Os vídeos estão separados nos tópicos da palestra. Logo, são cinco mais um inicial (zero), introdutório, sendo cada um deles referente às partes. Fiz isso para ficar menos cansativo àqueles(as) que desejam assistir por completo ou ver e aprofundar uma parte específica (vídeos longos são cansativos).

0. Introdução
Apresentarei o tema e o roteiro da palestra.

1. Fatos
Aqui é feita uma análise do histórico das concentrações dos gases de efeito estufa e das possíveis (e prováveis implicações de um aumento global de temperatura de 2°C.

2. Limites do crescimento
Nesse tópico é explicado as tendências macroeconômicas, esmiuçando as causas que levaram à gênese da Revolução Industrial e a manifestação de suas consequências - ainda em curso. Além disso, a pegada ecológica e biocapacidade são apresentados. A partir daí faz-se uma relação entre variáveis fluxo e estoque, renováveis e não-renováveis.

3. Questões críticas
Apresentados os fatos mais importantes e as limitações planetárias, segue-se com o esboço de três grandes questões centrais a serem enfrentadas pela humanidade para garantir uma sobrevivência a longo prazo. 
Aqui fala-se sobre a matriz energética (brasileira e global), cultura e valores da(s) sociedade(s) e o preocupante tema da desigualdade e da política. Com isso constrói-se um mapa com oito cenários possíveis, baseado no uso de fontes renováveis, demografia e padrão de consumo.

4. Alternativas
Esse tópico estabelece as diretrizes gerais para que as pessoas possam construir seus próprios projetos e ideias. São abordadas questões que devem ser levantadas para a coletividade enfrentar de forma eficaz as questões globais. Dentre estas, temos: (a) a necessidade de um novo modelo (ecologia englobando sociedade que engloba a economia); (b) o resgate de trabalhos pioneiros (ex.: Georgescu-Roegen e "sua" bioeconomia); (c) as vantagens/desvantagens das duas fontes primárias de energia (Terra e Sol) e; d) arquitetura da EBR (comparada à da Economia dominante) concernente a base de troca, fonte energética, tecnologias e educação.

5. Ecologia e espiritualidade
Coroando a palestra, o exemplos de São Francisco de Assis, cuja consciência ecológica profunda (exercida através de sua santidade) é cada vez mais reconhecida como o primeiro passo rumo a uma abordagem profunda do sistema-Vida e sistema-Terra. As três virtudes franciscanas são interpretadas à luz da psicologia do homem moderno, dando um significado concreto, capaz de ser assimilado e vivenciado pelas massas.

Eis os vídeos.

Introdução

1. Fatos

2. Limites do crescimento
parte 1


  parte 2

3. Questões críticas
parte 1

parte 2

parte 3

parte 4

4. Alternativas
parte 1

parte 2

parte 3

5. Ecologia e espiritualidade 
parte 1

parte 2

Assim está sendo cumprida a tarefa de divulgar as bases para uma nova civilização planetária (a Nova Civilização do III Milênio), com a divulgação de conhecimento e transbordamento da (pouca) sabedoria adquirida pelo autor, ao longo de seus últimos anos, é possível fazer muito. A tecnosfera (internet) é um ensaio do que será futuramente uma verdadeira atmosfera de pensamentos (noosfera). Ela permitirá uma conexão à nível profundo entre os seres. O que Ubaldi não pôde fazer está sendo feito por uma miríade de herdeiros, que surgem a cada dia e assimilam até a medula cada conceito colocado nos livros - e vivenciam cada sentimento através de uma vida de dedicação, ousadia e criatividade ímpar. Estamos num ponto de aceleração evolutiva. Uma orientação vetorizada imposta pelas leis da vida, que conclama os pequenos seguidores dos grandes profetas, místicos, gênios, heróis e santos a se lançarem em empreitadas inéditas, rumo a metas indescritíveis à mente convencional.

Deus opera milagres a todo momento para aquele que se enquadra na ordem cósmica. Alinhar-se à vontade de Deus é obedecer à Sua vontade, feliz por fazer isso, tornando-se um servidor da mais alta categoria, cuja remuneração será em moeda eterna e infinita, localizada num não-local. É preciso perceber essa presença a todo momento. Operando em nossos gestos e ações, para que nossas obras frutifiquem e ganhem significado. 

Os próximos vídeos pretendem trazer os assuntos tratados nas palestras ministradas nos outros eventos. A primeira delas (Semana da Engenharia, Maio de 2019) tratará do Desenvolvimento Colaborativo no âmbito da Engenharia - um tópico muito caro àqueles(as) engenheiros(as) que desejam atuar na área e estar na fronteira do conhecimento sistêmico. A outra (A Importância da Visão Sistêmica no mundo contemporâneo) traduz os diversos jargões e métodos da teoria de sistemas para o público geral, dando significado ao pensamento sistêmico - cada vez mais importante para lidarmos com os problemas atuais.

Isso deve atingir mais gente. As pessoas que já despertaram estão sedentas por novas formas de vida - assim como eu. Anseiam por algo que desconhecem. Ensaiam a concepção do inconcebível. Arriscam e buscam. Não sabem como agir, mas agem de alguma forma. Estão em busca. Busca acelerada. Cada vez mais...Busca que mobiliza capacidades diversas, habilidades inumeráveis, ousadia impressionante.

E assim o trabalho se refina e ganha sentido.

quinta-feira, 17 de outubro de 2019

Refundar as bases da humanidade

Nossas escolas estão com currículos completamente inadequados para que seus alunos, ao se formarem, tenham um mínimo de pensamento crítico orientado e uma criatividade para abordar problemas emergentes. Elas estão presas a conteúdos compartimentados que conservam entre si de modo muito pobre. Pior: essa relação (se há) entre disciplinas só se dará se, à primeira vista, o contato tende a ser benéfico para ambas as partes. Isso significa que qualquer tipo de abordagem que inicialmente exija um grande esforço das partes tende a ser descartada. Eis o motivo de muitos escaparem de projetos interdisciplinares.

Eu particularmente acho muito sério as escolas contemporâneas não terem uma disciplina de Educação Ambiental. Essa disciplina deveria ser elaborada de forma a se adaptar a todos os níveis (ensino básico ou superior, sendo este licenciaturas, bacharelados ou tecnólogos), modalidades (à distância, presencial, semi-presencial) e tipos (ciências humanas, naturais, tecnológicos, da saúde, artes). Para isso a transmissão do conteúdo deveria ser a mais didática possível, com uso de uma terminologia comum a todas as áreas, evitando uso frequente de jargões - e, se necessário, relacioná-los sempre às palavras cotidianas. O uso de mapas conceituais poderia dar uma ideia das relações existentes entre variáveis relacionadas a temáticas ambientais. Estas são variadas e podem envolver diversos campos como: aquecimento global, biodiversidade, matriz energética, políticas públicas, mobilidade, habitação, urbanismo, demografia, alimentação e agricultura, recursos hídricos, saúde, etc. O tema é vasto e de importância crescente, não podendo ficar restrito a alguns cursos ou dado a partir de um enfoque pontual - apenas pra cumprir carga horária.

Todas nossas atitudes, reflexões e atos devem ter a finalidade
única de levar tudo e todos à salvação.
A Ed. Ambiental deve permear todos os cursos, de modo a se tornar uma disciplina - se é que poderíamos enquadrá-la nessa categoria - contínua, relacionada a cada especificidade, servindo como um alerta a todos estudantes (e professores). Sim, um alerta. Que sinaliza a importância de estarmos sempre nos lembrando que um processo industrial tem implicações para a saúde dos funcionários; que o descarte de resíduos impactam o solo, a atmosfera, a água, e consequentemente as formas de vida e mesmo a agricultura e comunidades. Da mesma forma é imprescindível apresentar aos estudantes a trajetória histórica que leva as coisas a serem como são. Por quê a Revolução Industrial ocorreu? Como se deu o processo? Qual a finalidade do crescimento econômico? Ele pode ser sustentado indefinidamente? O que significa 'desenvolvimento'? Quais as variáveis envolvidas no processo de geração de riqueza? O que é riqueza? É renda (apenas)? Ou serviços públicos uso eficiente dos recursos (incluindo tempo) disponíveis? Etc.

Como se vê, temos um modelo educacional que explora muito pouco o senso crítico das pessoas. Temos cargas horárias orientadas para serem cumpridas à risca. Diversos processos burocráticos que demandam vigilância constante e cuidados extenuantes - a título de evitar possíveis agressões jurídicas de terceiros. Os avanços são muito tímidos. Incipientes. Carentes de verdadeiro efeito transformador. Os temas críticos são pouco abordados. Se são, há pouco ânimo, vontade escassa em desenvolver determinadas questões. As pessoas tem medo (de se mostrarem ignorantes ou incapazes de lidar com questões mais profundas) e acabam criando um sistema de fuga eficaz, apoiado no senso comum e na relativização de acontecimentos. Criam narrativas e com isso formam bolhas. Recorrem a um trabalho burocrático, alienado, afastado da fonte da vida e do telefinalismo. Se afogam no consumo conspícuo, armazenando memórias desnecessárias, bens custosos e toxinas que refletirão em males futuros. Não veem Deus nos fenômenos - ou observam a Divindade apartada do universo. Somos mancos ou cegos que não se ajudam. 

Foi necessário dizer tudo isso porque existem temáticas que dificilmente poderão ser abordadas de forma oficial e eficiente sem uma conscientização das pessoas. Conscientização que levará todos a fazerem um  a pressão e esforço para a implementação da Ed. Ambiental. Assim podemos criar o ambiente no qual nossos alunos (e nós) poderão desenvolver as bases para uma futura civilização. O New Deal Verde [1] seria um dos pilares dessas bases.

Baseado nas políticas de Franklin D. Roosevelt, que lançou o New Deal na década de 30, sua versão verde incorpora as complexidades do século XXI, incluindo a perspectiva política, demográfica, sócio-tecnológica e (especialmente) ecológica. Busca-se explicitar os pontos nevrálgicos que possibilitariam uma sobrevivência da espécie, de forma decente. Leia-se: como estruturar o mundo de tal forma que todos consigam ter uma vida humana digna, sem necessidade de dar todo seu tempo e energia (vida) a um punhado que se interessa na reprodução de um modelo que não satisfaz as diretrizes da vida e da evolução.

O impacto da crise de 1929 foi tão brutal que o próprio sistema financeiro-corporativo global permitiu a implementação de uma política de cunho socialista, com geração de empregos via redução da jornada de trabalho, com valorização real dos salários, com investimentos em infra-estrutura e ampliação dos 'gastos' sociais (saúde, educação, previdência, segurança, habitação, etc.). Foi assim que os EUA, maior economia do mundo, saiu da crise. Em 1940 o nível de vida do norte-americano era dos mais altos do mundo. Após a guerra (1945), o país torna-se a maior potência mundial, tanto em termos econômicos quanto militares. Socialmente o país estava próximo ao modelo nascente de bem-estar europeu (iniciado com o Plano Marshall [2]), tornando-se um lugar onde o indivíduo poderia mais se desenvolver ao longo da vida. É claro, isso se aplica a brancos que, além de partir desse patamar inicial, deveria ter consciência para adquiri uma vida realmente de valor. Mas isso é outra questão...O ponto é que nunca na história do mundo se viu uma sociedade (Europa Ocidental, EUA e Canadá) que teve tantas oportunidades, crescimento econômico e inclusão social. Apesar disso, para aqueles que vislumbravam os limites de tais modelos, - e a que custo esse desenvolvimento se dava - era claro que cedo ou tarde haveria uma reviravolta social. Somado a isso a questão energética e ambiental, estava preparada a situação para o definhamento de um modo de vida.

1973 brinda o mundo com a segunda Crise do Petróleo [3], trazendo um abalo para o mundo ocidental - tão dependente desse recurso. Uma refiguração do sistema mundial se inicia. Esse exercício de reengenharia ganharia ímpeto a partir da década de 80, quando a baluarte do sistema capitalista foi chefiada pela dupla Reagan-Thatcher [4]. A desregulamentação do setor financeiro se dá, com um grande pontapé inicial. Essa tendência segue até os dias atuais, adquirindo impeto extremamente agressivo após a queda do Muro de Berlim, em 1989. Para saber mais, uma palestra do Prof. Safatle esclarece o fenômeno:


A pegada ecológica do planeta vêm aumentando. A biocapacidade, por outro lado, decai a cada ano.

Pegada ecológica é o impacto humano causado no ambiente terrestre, que considera área de florestas, de pastagens (animal), agrícolas, habitada (construções), peixes e combustíveis fósseis (petróleo, carvão e gás).

Biocapacidade é a capacidade do planeta em regenerar as necessidades dos seres vivos (isto é, humanas, já que as outras espécies não causam limitações).

A relação entre pegada ecológica e biocapacidade dá uma ideia dos países/comunidades vivendo de acordo com os serviços ecossistêmicos de nossa Terra.

O fato é o seguinte: desde o início da década de 70 consumimos anualmente mais recursos do que a Terra pode repor (ver figura abaixo).

Relação entre pegada ecológica e biocapacidade.
Fonte: [7]
Isso significa que estamos acabando com o nosso estoque biofísico e mineral-energético. Há mais de 40 anos. Até o momento buscamos compensar essa tendência inexorável (leia-se natural) descobrindo novas jazidas de petróleo e gás natural. Ou aumentando a eficiência dos processos. Mas a concentração de renda sem dúvida dá a ilusão - para os poucos beneficiados com esse sistema econômico - de que as coisas estão relativamente bem (10% mais afortunados) ou cada vez melhor (1% ou 0,1% do mundo...a elite).

A desigualdade (de renda, de patrimônio, de oportunidades, de representatividade, de acesso a bens básicos, de direitos, de deveres, etc.) aumenta a degradação do sistema-Vida e sistema-Terra. Paradoxalmente, mais miséria existe para mais pessoas no mundo. Porque uma elite cada vez mais afastada do bom-senso, da via natural, cria cada vez mais superestruturas artificiais. Verdadeiras bolhas fechadas, com serviços tão desnecessários quanto ilusórios, feitos para drenar dinheiro de quem deseje esse (des)padrão de vida. E enriquecer alguns oportunistas, que ganham dinheiro em cima de serviços que a sociedade abominaria - se conhecesse a verdadeira intenção e fim dos mesmos.

Há fortes indícios de que o tempo está acabando. E os impactos causados por um aumento de temperatura superior a 2°C são irreversíveis, segundo os maiores especialistas na área (ver vídeo abaixo).


A partir desse alarme alguns ativistas começaram a se mexer (de fato), e como resultado criaram um plano para reverter essa tendência. Esse plano se chama Green New Deal. Sua resolução é simples, curta e grossa. Direta. Com apenas 14 páginas. É um pontapé inicial verdadeiramente norteador. O ponto certo para sistematizarmos, implementarmos, monitorarmos e reforçarmos nossas políticas. Com força de voz do local até o global - com impactos convincentes do global ao local. Bidirecional que permeia todas esferas da vida, com potencial de reorientar o quadro demográfico, de cultura (consumo), de matriz energética (fontes) e de criação de igualdade (justiça social).

Talvez por força de hábito o tema não seja devidamente abordado, mas o fato é que não basta trocarmos transporte individualizado de combustão interna por veículos elétricos. É preciso coletivizar o transporte para aumentar drasticamente a eficiência nesse setor. De quebra, maior integração entre os estratos sociais aliado a melhoria da saúde de todos. Além disso, poupa-se mais dinheiro (calcule impostos, estacionamentos, lavagens, manutenção, seguro, combustível, etc.). E nem falamos da abolição de sonhos pueris que só causam inveja, ódio e ilusão entre pessoas...

A transição necessária é abrupta. Logo, causaria dor. Para evitar isso - ou mitigar ao máximo - é preciso criar uma rede de proteção sólida e eficiente, que evite o caos social. Entre essas garantias: saúde universal de alta qualidade, educação, treinamento e acesso a alimentos. Oportunidades devem ser iguais - por mérito verdadeiro.

É preciso mexer em todas estruturas. A começar pela forma mental humana. A criação de necessidades artificiais tem drenado tempo e energia em níveis fantásticos. Precisamos nos submeter a empregos cada vez mais sem sentido para garantir uma renda que mal atende necessidades básicas - que poderiam estar garantidas por direito. Sonho? Utopia? Não. Apenas associação inteligente de sistemas, de pessoas e mudança de mentalidade.

São Francisco é mais visionário nesse aspecto. O poverello di Assisi planta as bases para uma Nova Civilização. O que ele diz é que precisamos, do fundo de nossa alma, dizer "NÃO!" a tudo isso que ocorre diariamente. Inclusive nossa neutralidade medíocre, que busca todo tipo de subterfúgio para trabalhar verdadeiramente (leia-se: tornar todo esforço útil para acabar com o velho homem e gerar o novo homem). Essa é a transformação que anseio e que todos, no imo, anseiam.

Alguns estão um pouco mais à frente nessa empreitada cósmica. Mas esse pouco, se visto do ponto de vista do mundo, parece uma aberração, em que certas personalidades explodem de paixão e vontade, se lançando a empreitadas aparentemente insanas. E chispas de criatividade nunca vistas (ou esperadas) se dão. É admirável para quem para um momento e se concentra no fenômeno, se envolvendo no processo de catarse. A cena abaixo, extraída do belo filme de Franco Zefirelli, nos dá uma ideia - para alguns, até sensação.



A transição planetária envolve uma nova relação com os objetos e com os semelhantes. Mas sobretudo, com as ideias e o ideal.

Apenas a mudança da forma mental irá dar força ao que precisa ser feito.

Brotemos do árido e fétido terreno terrestre, como o Lótus, florindo toda a superfície do planeta com uma nova forma de sentir.

Vamos nascer em consciência.

Referências:
[3] https://pt.wikipedia.org/wiki/Crises_do_petr%C3%B3leo
[4] https://www.diariodocentrodomundo.com.br/como-o-mundo-moderno-se-tornou-tao-desigual/
[5] https://theintercept.com/2019/09/20/apenas-um-new-deal-verde-pode-conter-o-eco-fascismo/

sábado, 12 de outubro de 2019

Velocidade vetorizada para o Alto

Nada é mais difícil do que conhecer a fórmula para a libertação das amarras deste mundo. São vários caminhos que conduzem ao mesmo destino. Hoje esses caminhos parecem estar afastados. Aqueles que aparentemente se aproximam, sinalizam desenvolvimentos divergentes. 

À medida que a nossa vida se desenvolve, adquirimos experiências. Mas a eficiência de aproveitamento delas depende muito do grau de consciência de cada um. A imensa maioria se situa numa faixa média, com um desvio padrão baixo, formando assim um corpo que sustenta uma estrutura sistêmica arcaica. Isso se evidencia a cada dia para aqueles que enxergam mais longe e concebem mais profundamente. Fica claro o fato de que estamos num momento histórico que nos convida a dar um passo para além daquilo que já foi feito.

"Por que correis tanto se não sabeis para onde vão?"
Estamos cheio de afazeres. Muitos deles contribuem para
nos levar ao abismo...Não seria interessante 
PARAR e REFLETIR? O mundo penaliza isso - e assim
cava a própria cova...
Não podemos projetar para o futuro um cenário semelhante ao passado, tornando o presente mero espelho entre um mundo que foi e um mundo que continuará sendo. Devemos perceber as questões que se manifestam ciclicamente, revoluteando um eixo diretor desconhecido e assombroso (mas irresistível), para a partir delas sentir que uma ideia sonda a sociedade, assumindo formas diversas em contextos distintos. Uma ideia que não morre, mas se faz presente nas nuanças, renascendo constantemente através de teorias, pensamentos, personalidades, atitudes, gestos, inventos e obras de arte. Essa tentativa de encarnar a ideia, ao morrer e renascer, vai se saturando, tornando-se cada vez mais ousada e inteligente com o passar do tempo. Assim pode-se prever que haverá um momento em que a força da ousadia e a agilidade da psique se tornarão irresistíveis para muitos, gerando um núcleo de pensamento diferente de tudo aquilo que já se viu.

Os saltos qualitativos na História se dão devido a saturações de formidáveis ideias, cujos golpes reverberam no longo e misterioso túnel do tempo. Quando é chegado o tempo de uma ideia, ela se consolida, independentemente da vontade dos egos humanos. Eis a força subjacente do fenômeno evolutivo.

A História não é linear. Não podemos projetar para o futuro meramente baseado no passado. "Isso nunca ocorreu" não significa necessariamente que algo pode não eclodir. Claro, muitas coisas podem não ocorrer. Mas devemos ter cuidado ao fazer uma avaliação universal, pois questões substanciais não estão sujeitas a essa regra. Podem retardar seu acontecimento devido às forças do Anti-Sistema, que deseja permanecer em seu estado de inércia com seus confortos miseráveis. Esses mistérios a ciência é incapaz de abordar de forma satisfatória, pois exige-se dela o que ela tem dificuldade em incorporar em seu método de estudo: o subjetivismo e a intuição. Não se trata de eliminar a objetividade, o empirismo e a razão, mas em inserir no seio do mundo um modo de agir que se relaciona profundamente com o modo de ser. Vitalizar o que perdeu seu brilho. Realizar o que sempre esteve escondido. Essa é a questão e o desafio. De nosso século e de todos outros. Mas que se apresenta de forma crítica em nossa época.

A libertação está além do bem e do mal. Ela supera essa
dualidade - tão característica do AS, reino do relativo.
É preciso resgatar os traumas e elaborá-los. É preciso
conhecer o seu diabo antes de torná-lo divino..
Quando uma pessoa está presa a uma determinada virtude, ela é boazinha. Mas está longe de ser sábia e realmente boa. Porque a relativização de um conjunto de pontos de vista em função de um outro (também relativo), é cegueira mental e incapacidade de sentir empatia. Deixa-se de ser sensível perante certas questões quando elas afetam algo que está arraigado na personalidade. Assim começam e terminam todos os vícios e virtudes. 

Num nível profundo, vício e virtude são manifestações diferentes de um mesmo princípio. Trata-se de uma força atrativa que mobiliza energia, tempo e vontade de alguém, que inspira a pessoa a fazer as coisas em prol de uma determinada visão de mundo. 

O vício é uma obsessão que causa mal direto para muitos e até para aquele que o pratica.

A virtude é uma característica que na superfície é bela e elevada mas que, se intensificada ao máximo, leva o ser a desrespeitar outros vícios e outras virtudes.

Sob um prisma mais profundo, vício e virtude estão irmanados e trabalham juntos, se identificando em profundidade e se distanciando na superficialidade. Como nosso mundo vive e concebe as coisas superficialmente (intelecto de superfície, díade razão-instinto), classificamos uma como bem absoluto e outra como mal absoluto - em função de nosso sistema de crenças e valores particular. 

Trabalhando-se bem um vício pode-se chegar a uma virtude. 
Trabalhando-se mal uma virtude pode-se revelar um vício. 

Tudo depende do grau de desprendimento (libertação) que temos em relação a algo.

Ser bonzinho não é sinônimo de bondade ou inteligência.
Mau não é uma essência, mas sim um estado. E todo estado é temporário e relativo. 

A insensibilidade do bonzinho se revela quando seu sistema de crenças e valores é abalado profundamente, via questionamentos sinceros e ousadia inteligente. A partir daí conhece-se um pouco melhor a real natureza do ser. Eis que a vivência no mundo nos torna aptos a lermos o livro da vida cada vez mais profundamente, extraindo a essência de cada gesto, ideia e comportamento. 

É comum que, ao considerarmos outras variáveis para avaliar uma determinada situação, nossa visão de mundo plasme. Se encastelado numa forma mental, a pessoa será reativa, se fechando, ignorando ou agredindo. É o método da avestruz, que enterra a cabeça no chão quando se vê em perigo, julgando que esse ato irá livrá-la do dito cujo. Se aberta, essa pessoa pode até sair "perdendo" (forte aspas!), mas sem dúvida conseguirá extrair a partir daí um manancial de sabedoria, elevando sua compreensão da natureza humana e infra-humana. 

O ímpeto que originou esse ensaio se exaure. As obrigações do mundo drenam as atenções da criatura que aqui escreve. O lampejo de ideias se esgotou e agora resta deixar o produto do trabalho fincado em solo virtual, pronto para se espalhar pelos quatro cantos da noosfera*. 

É importante difundir as bases de uma nova forma de pensar e sentir. É imperioso ser ousado e enérgico, expondo os próprios defeitos para sua natural correção. 

Enquanto um só ou pouquíssimos embarcarem nessa aventura ascensional, o sistema não muda - e o tempo continua sua marcha inexorável...

É preciso que as pessoas passem a elaborar seus vícios e suas virtudes.

"...sede, portanto, prudentes como as serpentes e simples como as pombas" (Jesus, o Cristo)

Comentários:
* Para saber mais a respeito, ler o ensaio <http://leonardoleiteoliva.blogspot.com/2019/08/da-biosfera-noosfera_28.html> e referência <https://consciencial.org/textos-extras/noosfera-consciencia-global-humana/>

sexta-feira, 4 de outubro de 2019

Da vertigem do vazio à vontade de vencer

Uma nova cineasta desperta suas potencialidades. Uma pessoa jovem cujo estilo ensaístico muito agrada ao autor. Unindo questões pessoais, do campo dos afetos, às questões públicas, do campo social e político, Petra Costa [1] consegue realizar um esboço de junção (com maestria) entre as questões sistêmicas e íntimas, apontando para regiões ainda pouco abordadas. Eis o que pode ser o início de uma nova forma de fazer arte, com orientação para a unicidade dos fenômenos (monismo).

Petra Costa é de família abastada, filha de Manoel da Costa e de Marília Andrade, tendo como um de seus membros o fundador da construtora Andrade Guiterrez, Gabirel DOnato de Andrade [2]. Seus pais foram militantes de esquerda, ligados ao PCdoB quando este era ainda um partido clandestino.

Ana Petra Costa (1983). Nascida em BH, de família rica,
decide usar as condições e recursos que o destino lhe deu
para se tornar cineastas. A arte assim ganha mais um cidadão,
ajudando na construção de um Brasil mais esclarecido,
amigável à reflexão e troca de ideias, visões e experiências.
Nasceu em Belo Horizonte, em 1983, e se muda para São Paulo um ano depois. Iniciou-se no teatro aos 14 anos e logo, aos 17 anos, ingressa no curso de Artes cênicas da USP, onde permanece por dois anos. Se graduou em Antropologia pelo Barnard College, e fez mestrado em Comunidade e Desenvolvimento, na London School of Economics, em Londres, focando no conceito de trauma. 

Retorna ao Brasil com 24 anos e passa a se dedicar ao cinema, passando de assistente de edição a diretora em pouco tempo. Já possui três longas-metragens em seu currículo:
  • 2012 - Elena (longa-metragem)
Prêmios de Melhor Documentário pelo Júri Popular, Melhor Direção, Montagem e Direção de Arte no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro[37] Exibido no Festival Internacional de Documentários de Amsterdã (IDFA) e no Festival Internacional de Cinema de Guadalajara[37]
Prêmio de Melhor Documentário no Festival do Rio[22]
Prêmio Nordic:DOX no CPH:DOX[21]
Prêmio Jovem do Júri no Festival de Locarno[20]
Seleção oficial do Festival Sundance, no CPH:Dox e no True/False Film Festival, em Columbia (Missouri)
Tive a felicidade de assistir ao último filme dessa cineasta, contemporânea minha. Democracia em Vertigem aponta de forma muito íntima - e ao mesmo tempo precisa - o processo que o Brasil vêm desenvolvendo nas últimas três décadas. Ele nos revela aquilo que Vladimir Safatle e outros pensadores apontam: quando não acertamos as contas com a História ela volta para nos assombrar, de outra forma mas com similar violência.

Nossa ditadura foi a única que findou e jamais teve seus algozes julgados e condenados pelos sistema de justiça. A Argentina o fez. O Uruguai também [2]. Nós preferimos, como sociedade, permanecer quietos e ignorar o passado, apenas relembrando-o de forma superficial nas escolas, com o estudo da História como algo distante, sem relação com a atualidade, ocultando as feridas do passado que jamais foram pensadas. Quando isso ocorre abre-se a possibilidade de retomada daquilo que ocorreu. O passado, sem ser elaborado de forma profunda, acaba se tornando um espectro que paira sobre a cabeça das pessoas. Uma sombra que a qualquer momento pode se encarnar em sujeitos políticos. Isso vêm ocorrendo, e o veículo de manifestação dessa ideia é um ser que encabeça um agrupamento de medíocres egoístas. Trata-se obviamente do atual governo - uma aberração até mesmo do ponto de vista capitalista. Eis a terra em que o neoliberalismo pretende lançar seu ataque inicial (e final): o Brasil está se transformando na ponta-de-lança de uma das formas mais bárbaras de existir.

Mas vamos ao filme...

Narrado em 1ª pessoa, gera-se um efeito que canaliza todos os acontecimentos para a vida da autora. Mas simultaneamente a própria narrativa, com seu estilo pessoal e beirando o íntimo, se relaciona com o momento político e social do país. É impressionante perceber como tudo é narrado com calma. A cineasta descreve os acontecimentos gradativamente, ora mostrando imagens de arquivos (filmados por membros da família) de uma capital em construção, símbolo de um novo Brasil. Sente-se o desdobrar dos acontecimentos, com a ascensão e queda de forças progressistas.

Quem sempre dominou a tônica do processo de desenvolvimento foi a elite, que conhecendo muito bem a característica predominante de "seu" povo, se aproveitou de todos deslizes das pessoas para tomar as rédeas do poder e implementar políticas desagregadoras. Os brasileiros, reféns de uma imaturidade acima da média dos povos do mundo, acabam resolvendo problemas de forma ineficaz. Poucos percebem a realidade e assim as ações não possuem força - mesmo que insuficiente para mudar o curso dos acontecimentos. Na França e Europa em geral, mobiliza-se mais. Nos EUA idem. Na Argentina igualmente. Aqui, o estado de inércia parece ser predominante - apesar de percebermos indivíduos fantásticos, tanto na frente de combate pelo esclarecimento quanto dentre a população.

Para uma jovem cineasta (e igualmente, cineasta jovem), Petra fez um ótimo trabalho, dando estilo único ao filme através de seu modo de filmar. As imagens de arquivo foram bem selecionadas . Podemos afirmar que temos uma síntese muito boa dos fenômenos ocorridos no país. Seleciona frases de impacto, que estão além dos sujeitos que as professam [3].


Reconstitui-se de forma breve (mas precisa) a trajetória dos principais sujeitos históricos envolvidos nas questões de poder em nosso país. Vemos aí um resgate do passado, das oportunidades perdidas e dos motivos que levaram as pessoas a permitir que o país iniciasse uma regressão (sem fim previsto) em suas instituições e indicadores econômicos, sociais e culturais.

As Jornadas de Junho (2013) demonstraram a energia mobilizadora das massas. Mas (infelizmente) ao mesmo tempo revelou a falta de capacidade da população manter coesão e tomar rédeas do processo. A presidenta igualmente não aproveitou uma oportunidade que poderia colocar o povo no centro do turbilhão evolutivo, desistindo de escutar integralmente aquela explosão inesperada. O poder estava à espreita e logo capturou os movimentos sociais.

Nas filmagens. O processo durou 3 anos. Foi necessário tempo
para conseguir as entrevistas e juntar/organizar as imagens de
arquivo. Um verdadeiro tour de force, a meu ver.
Entre 2013 e 2015, o que começara como um germe de esperança, com uma multiplicidade de insatisfações bem intencionadas que poderiam se transformar num plano efetivo de transformação, se converte num exército à serviço de interesses empresarias, midiáticos e ruralistas (dentre outros). Curiosamente, a polícia, que reprimia com fervor a revolta, se torna dócil e amigável perante a faixa da população que marcha com camisetas verde e amarelas.

A corrupção se relativiza e palavras são repetidas exaustivamente. Usa-se os meios de comunicação de massa como base para obter-se a verdade e justificar tudo que viria a ocorrer.

Abriu-se um abismo que separou os bem-intencionados (porém incapazes) dos insanos (e hábeis em usar os métodos do mundo). Não à toa eu chego à conclusão de que não basta ser ordenado e bom. É preciso ser competente e ter a ousadia furiosa de saber enfrentar as brutalidades. A loucura que se manifesta em boa parte da população se consolida por falta de ação do restante do povo deste país.

O mesmo fenômeno se dá em sala de aula, em grupos de trabalho ou amigos. Uma relação de forças subterrânea dá toma as atitudes e ações. Não percebendo isso nos tornamos reféns de nosso subconsciente, que no fundo dita os rumos de nosso consciente.

A cineasta fez um belo trabalho, procurando de certa forma conciliar a sua narrativa com o íntimo de cada espectador. Não deseja impor nem convencer, mas mostrar o mais profundo de seus sentimentos. Coloca fatos diante da mesa e convida aquele que assiste a criticá-los à luz do bom senso e das evidências.

Glen Greenwald espera lançar uma série de notícias reveladoras até o final do ano. Percebe-se que a verdade se revela da forma cada vez mais intensa. Mas quem fez um pacto com a insanidade jamais irá admitir o erro, pois mentiu demais. Retrabalhar-se torna-se uma loucura para aquele que trilhou caminhos obscuros, guiado pelo senso de rebanho e pelos interesses imediatos (no fundo ambos são a mesma coisa).

O que mais me cativou nesse filme (e na diretora e roteirista) é sua serenidade. Sua voz é suave e clara. Suas exposições pessoais são balanceadas. Sua capacidade de síntese é interessante. Na entrevista concedida na Rede TVT como jornalista Juca Kfouri podemos conhecer um pouco sua trajetória:


O filme não procura - como muitos erroneamente querem imaginar, por conveniência - apontar bandidos e mocinhos. Ele procura sim exaurir todos os motivos e possibilidades que levaram cada um dos principais atores sociais, de todos os lados, a agirem de tal forma. É claro e sincero. Quem percebe mais à fundo e está em esforço evolutivo para se desprender do egoísmo à nível pessoal será capaz de capturar mensagens subliminares. Quem não estiver nesse passo, tenderá a interpretar da forma que mais for conveniente.

Temos aí uma obra cinematográfica que procura colocar as pessoas a par do fenômeno histórico. 

Referências:
[1] https://pt.wikipedia.org/wiki/Petra_Costa 
[3] "Todos nós seremos julgados pela História"

A sublime qualidade encarnando na miserável quantidade

O Universo é repleto de fenômenos. Hoje se especula a existência de múltiplos universos, que teriam um conjunto de leis diferentes do nosso [1]. Segundo a teoria, esse conjunto de universos compreendem tudo que existe, como o tempo, o espaço, a matéria, a energia e todo o psiquismo, com as leis e constantes fundamentais que o descrevem. No momento presente ainda se trata de especulação. Mas divagações filosóficas devem ser levadas a sério, pois todas grandes teorias tiveram sua gênese no ninho fervoroso dos pensamentos profundos. Pensamentos advindos de reflexão sincera e séria, nascidos de inquietação de almas em processo de maturação.

Mesmo que seja comprovado, a Teoria Unificada de Ubaldi [2] continua delineando as diretrizes gerais para futuras empreitadas da ciência - em especial da Física. A verdade é que o aprofundamento crescente nos reinos do mundo sideral e subatômico levam os cientistas a formulares hipóteses cada vez mais próximas de divagações filosóficas de sábios que procuravam chegar à essência das coisas. 

Aprender é bom. Apreender é ainda
melhor. Através da interiorização das
sensações podemos refinar nossos
sentimentos, sublimando-os.
As descobertas da mente racional estão nos levando a um senso de limitação cada vez maior. Somos obrigados a retomar alguns conceitos e reavivar determinadas visões de mundo consideradas obsoletas. Com a Física quântica nos deparamos com uma situação mais singela, já que a realidade seria nada mais do que um campo de possibilidades, intangível, que por algum motivo (com o colapso da onda) adquire uma solidez detectável pelos nossos instrumentos - e compreendida pela nossa mente. O contínuo se torna discreto. Com isso somos obrigados a lidar com um vácuo entre a transmissão de energia ou matéria de um local ao outro. Esse intermédio seria a não-localidade. Nada se sabe a respeito dessa "região".

A qualidade é algo muito mais difícil de se compreender do que a quantidade. Logo, sua mensuração se torna uma tarefa praticamente impossível. Podemos adotar métricas e medidas de efetividade para variáveis como "felicidade", "amor", "esforço pessoal", "dor" ou fenômenos do tipo. Mas jamais haverá consenso sobre se essa mensuração está sendo realmente condizente com o sentimento de cada um.

Qualidade está para intersubjetividade.
Quantidade está para objetividade.

Mas o reino do subjetivo não é virtual (inexistente). Ele é bem real. Às vezes mais do que o que todos consideram concreto. Mas ele é particular a uma ínfima minoria de seres, cuja sensibilidade superconsciente mais apurada permite ao ser adquirir uma sensação de conexão entre acontecimentos e fenômenos de forma efetiva. Ás vezes chega-se à sensação de fusão entre sujeito e objeto, caracterizando o fenômeno de catarse mística - brilhantemente descrito por Ubaldi em seu livro homônimo [4]

Trabalhar no campo da objetividade garante uma segurança às pessoas. Isso leva todos a buscarem métodos quantitativos para avaliar e mensurar coisas, seja no mundo industrial-econômico, seja no mundo científico-acadêmico, seja no mundo escolar-pedagógico. Assim cria-se uma faixa (região), adotada pela maioria, com pequenas variações, - que dependem da cultura e legislação local - que acaba servindo de modelo para detectar determinadas potencialidades de uma pessoa. Pode-se perceber o que se é em relação a algo e quais as potencialidades a serem desenvolvidas. Mas o que se percebe é um constante sentimento de injustiça por parte daqueles que são avaliados. 

Quando não somos capazes de conceber a possibilidade da existência de algo intangível, travamos a capacidade de mobilizar os saberes e métodos consolidados. Assim cria-se o atrito. O progredir se torna mais árduo. Um revolutear frenético que engloba a mente do indivíduo, paralisando-o numa dinamicidade superficial que apenas deseja se movimentar no terreno conhecido. Esse movimento drena energias e satura a mente, tornando a pessoa cada vez mais irritável (e irritante). Alguns recorrem a métodos de contrabalanceio, incorporando práticas que visam servir de válvulas de alívio (ou escape). Temos assim um processo que acaba servindo ao sistema econômico hodierno, alimentando o consumo conspícuo, a rede (e ritual) de fofocas, a agressão física, psicológica ou jurídica, e por fim consumindo recursos preciosos do mundo natural. O ser se torna agradável aos outros - mas nada soluciona. 

O segredo reside não na evasão, mas no enfrentamento integral de nossa incapacidade. Śim. Um passo ousado que mais parece um salto entre um mundo percebido e outro sentido, ansiado...Um salto com uma abismo entre esses mundos. Vê-se apenas um, ao passo que o outro é intuído. Um salto de morte, mas necessário para quem se sente nauseado com a realidade presente. 

Assim deve-se encontrar uma solução intermediária entre o concreto e o abstrato. É imperioso realizar parte do ideal através do uso das ferramentas e métodos do mundo. É preciso reorientar todas nossas forças e vontades e competências rumo a um objetivo claro e supremo, localizado numa região inexistente. Um não-local em que o tempo é cada vez menos sentido, e portanto menos real e mais ilusão.

Observar-se por dentro é um modo de nos prepararmos para
as descobertas dos fenômenos mais distantes - tanto para
longe, quanto em nosso íntimo.
A Teoria da Relatividade jungiu espaço e tempo, tornando-os relativos às custas da velocidade da luz, que é constante. Reordenamos o sistema absoluto-relativo e assim a realidade se torna mais fascinante. Simultaneamente, os desafios se tornam incomensuráveis e assombram até mesmo aqueles que estudam exaustivamente tais questões. Somos forçados a ir além do senso comum. 

Não é possível a uma partícula (ou ser) material-energética atingir a velocidade da luz, uma vez que isso implicaria que seria necessário toda energia existente no universo para isso - pois a massa se tornaria infinita. Logo, existe uma barreira de comunicação e de transporte imposta ao nosso mundo sensível (no dizer de Platão). Uma barreira aceita porque atingida através dos próprios métodos de nosso mundo. A lógica da razão nos conduziu à impotência diante do muito grande e rápido e do muito pequeno. Resta descobrir um outro caminho que pode nos levar para além dessas barreiras...

O que ocorre diante dos dilemas da Física Moderna é análoga ao fenômeno da passagem da barreira do som em 1947. Trata-se de uma região de transição. Mas dessa vez, entre o ponto 1 (aqui) e o ponto 2 (além), há uma profunda transformação de consciência exigida. Estamos passando de algo físico para algo metafísico. 

Será que todo o desenvolvimento da ciência materialista-racional não teria a função de nos conduzir a uma exaustão de seu próprio método, forçando-nos a trilhar outros rumos? 

Eis o ponto em que a insuperabilidade das barreiras espaciais através de nossa finitude material e racional nos conclama a realizar uma superação da própria natureza. Voltar-se para dentro é iniciar a pesquisa da subjetividade. Mas devemos ir além de nossa mente e meios para avançar nesse terreno. Afetividade é essencial. Imaginação imprescindível. Vontade fervorosa um imperativo. É aí que a individualidade humana se torna realmente um fato, distinguindo seres de outros substancialmente. Na verdade trata-se de antecipações biológicas de um futuro biótipo, mais adaptado a um mundo de conceitos profundamente potentes e sentimentos sinceramente sérios.

Pedro Orlando Ribeiro nos dá uma ideia do que significa individualidade (heterogeneidade de seres/características) e uma continuidade (homogeneidade):

"Quanto mais profundamente alcançar o nosso olhar mais e mais as diferenças individuais vão desaparecendo e passa-se da liberdade individual a um férreo determinismo. Embora a individualidade permaneça inviolável em qualquer nível evolutivo, no entanto, nos planos mais involuídos as diferenças individuais diminuem, quase desaparecendo. É por esta razão que a matéria nos parece homogênea e em contraposição a sociedade humana explode, sob o nosso olhar, em diferenças e contrastes em virtude do maior grau de diversidade individual alcançada pelos seus componentes.

É por isso que afirmamos que nos planos evolutivos inferiores ao nosso só podemos considerar os seres de forma genérica porque as diferenças individuais são praticamente indistinguíveis. Outro ponto a considerar no caso da renovação celular é o número astronômico destes seres minúsculos. "
(grifos meus)

Olhar em profundidade significa perceber a essência das coisas. Chegando-se nesse estágio não se vê mais átomo de um tipo ou de outro, mas sim uma massa homogênea que marcha de modo uniforme, determinístico e perfeitamente harmônico com as leis de seu nível. Da mesma forma, o ser humano, ascendendo (conscientizando-se), perceberá a homogeneidade da sociedade humana, capturando a essência de cada fala, de cada gesto, de cada olhar e ação. Perceber-se-à assim uma suprema lei, central e sábia, que age na profundidade dos fenômenos, coordenando-os a partir da raíz (causa profunda), sem se importar com efeitos aparentemente caóticos - considerados causas pelos inconscientes, que julgam controlar suas vidas e o processo evolutivo. 

Estamos diante de descobertas incríveis que irão abalar a humanidade. Elas serão a plataforma basilar para a solução dos problemas que mais nos afligem. Poder-se-á desse modo tomar real controle de tudo criado por nós até o presente momento, coordenando sabiamente os produtos da civilização moderna. A História será lida em profunidade - e assim compreendida. A alma gritará: "Senhor! Estava tudo diante de mim! Mas eu não tinha olhos para ver..."

Nesse momento a glória será ampla e o progresso será efetivo. 

Amém.

Referências:
[2] FREIRE, G. Arquitetura Cósmica. Ed. INEDE, 2008.
[3] https://pt.wikipedia.org/wiki/Mec%C3%A2nica_qu%C3%A2ntica
[4]  Ubaldi, Pietro. Ascese Mística. 1939.