sexta-feira, 4 de outubro de 2019

A sublime qualidade encarnando na miserável quantidade

O Universo é repleto de fenômenos. Hoje se especula a existência de múltiplos universos, que teriam um conjunto de leis diferentes do nosso [1]. Segundo a teoria, esse conjunto de universos compreendem tudo que existe, como o tempo, o espaço, a matéria, a energia e todo o psiquismo, com as leis e constantes fundamentais que o descrevem. No momento presente ainda se trata de especulação. Mas divagações filosóficas devem ser levadas a sério, pois todas grandes teorias tiveram sua gênese no ninho fervoroso dos pensamentos profundos. Pensamentos advindos de reflexão sincera e séria, nascidos de inquietação de almas em processo de maturação.

Mesmo que seja comprovado, a Teoria Unificada de Ubaldi [2] continua delineando as diretrizes gerais para futuras empreitadas da ciência - em especial da Física. A verdade é que o aprofundamento crescente nos reinos do mundo sideral e subatômico levam os cientistas a formulares hipóteses cada vez mais próximas de divagações filosóficas de sábios que procuravam chegar à essência das coisas. 

Aprender é bom. Apreender é ainda
melhor. Através da interiorização das
sensações podemos refinar nossos
sentimentos, sublimando-os.
As descobertas da mente racional estão nos levando a um senso de limitação cada vez maior. Somos obrigados a retomar alguns conceitos e reavivar determinadas visões de mundo consideradas obsoletas. Com a Física quântica nos deparamos com uma situação mais singela, já que a realidade seria nada mais do que um campo de possibilidades, intangível, que por algum motivo (com o colapso da onda) adquire uma solidez detectável pelos nossos instrumentos - e compreendida pela nossa mente. O contínuo se torna discreto. Com isso somos obrigados a lidar com um vácuo entre a transmissão de energia ou matéria de um local ao outro. Esse intermédio seria a não-localidade. Nada se sabe a respeito dessa "região".

A qualidade é algo muito mais difícil de se compreender do que a quantidade. Logo, sua mensuração se torna uma tarefa praticamente impossível. Podemos adotar métricas e medidas de efetividade para variáveis como "felicidade", "amor", "esforço pessoal", "dor" ou fenômenos do tipo. Mas jamais haverá consenso sobre se essa mensuração está sendo realmente condizente com o sentimento de cada um.

Qualidade está para intersubjetividade.
Quantidade está para objetividade.

Mas o reino do subjetivo não é virtual (inexistente). Ele é bem real. Às vezes mais do que o que todos consideram concreto. Mas ele é particular a uma ínfima minoria de seres, cuja sensibilidade superconsciente mais apurada permite ao ser adquirir uma sensação de conexão entre acontecimentos e fenômenos de forma efetiva. Ás vezes chega-se à sensação de fusão entre sujeito e objeto, caracterizando o fenômeno de catarse mística - brilhantemente descrito por Ubaldi em seu livro homônimo [4]

Trabalhar no campo da objetividade garante uma segurança às pessoas. Isso leva todos a buscarem métodos quantitativos para avaliar e mensurar coisas, seja no mundo industrial-econômico, seja no mundo científico-acadêmico, seja no mundo escolar-pedagógico. Assim cria-se uma faixa (região), adotada pela maioria, com pequenas variações, - que dependem da cultura e legislação local - que acaba servindo de modelo para detectar determinadas potencialidades de uma pessoa. Pode-se perceber o que se é em relação a algo e quais as potencialidades a serem desenvolvidas. Mas o que se percebe é um constante sentimento de injustiça por parte daqueles que são avaliados. 

Quando não somos capazes de conceber a possibilidade da existência de algo intangível, travamos a capacidade de mobilizar os saberes e métodos consolidados. Assim cria-se o atrito. O progredir se torna mais árduo. Um revolutear frenético que engloba a mente do indivíduo, paralisando-o numa dinamicidade superficial que apenas deseja se movimentar no terreno conhecido. Esse movimento drena energias e satura a mente, tornando a pessoa cada vez mais irritável (e irritante). Alguns recorrem a métodos de contrabalanceio, incorporando práticas que visam servir de válvulas de alívio (ou escape). Temos assim um processo que acaba servindo ao sistema econômico hodierno, alimentando o consumo conspícuo, a rede (e ritual) de fofocas, a agressão física, psicológica ou jurídica, e por fim consumindo recursos preciosos do mundo natural. O ser se torna agradável aos outros - mas nada soluciona. 

O segredo reside não na evasão, mas no enfrentamento integral de nossa incapacidade. Śim. Um passo ousado que mais parece um salto entre um mundo percebido e outro sentido, ansiado...Um salto com uma abismo entre esses mundos. Vê-se apenas um, ao passo que o outro é intuído. Um salto de morte, mas necessário para quem se sente nauseado com a realidade presente. 

Assim deve-se encontrar uma solução intermediária entre o concreto e o abstrato. É imperioso realizar parte do ideal através do uso das ferramentas e métodos do mundo. É preciso reorientar todas nossas forças e vontades e competências rumo a um objetivo claro e supremo, localizado numa região inexistente. Um não-local em que o tempo é cada vez menos sentido, e portanto menos real e mais ilusão.

Observar-se por dentro é um modo de nos prepararmos para
as descobertas dos fenômenos mais distantes - tanto para
longe, quanto em nosso íntimo.
A Teoria da Relatividade jungiu espaço e tempo, tornando-os relativos às custas da velocidade da luz, que é constante. Reordenamos o sistema absoluto-relativo e assim a realidade se torna mais fascinante. Simultaneamente, os desafios se tornam incomensuráveis e assombram até mesmo aqueles que estudam exaustivamente tais questões. Somos forçados a ir além do senso comum. 

Não é possível a uma partícula (ou ser) material-energética atingir a velocidade da luz, uma vez que isso implicaria que seria necessário toda energia existente no universo para isso - pois a massa se tornaria infinita. Logo, existe uma barreira de comunicação e de transporte imposta ao nosso mundo sensível (no dizer de Platão). Uma barreira aceita porque atingida através dos próprios métodos de nosso mundo. A lógica da razão nos conduziu à impotência diante do muito grande e rápido e do muito pequeno. Resta descobrir um outro caminho que pode nos levar para além dessas barreiras...

O que ocorre diante dos dilemas da Física Moderna é análoga ao fenômeno da passagem da barreira do som em 1947. Trata-se de uma região de transição. Mas dessa vez, entre o ponto 1 (aqui) e o ponto 2 (além), há uma profunda transformação de consciência exigida. Estamos passando de algo físico para algo metafísico. 

Será que todo o desenvolvimento da ciência materialista-racional não teria a função de nos conduzir a uma exaustão de seu próprio método, forçando-nos a trilhar outros rumos? 

Eis o ponto em que a insuperabilidade das barreiras espaciais através de nossa finitude material e racional nos conclama a realizar uma superação da própria natureza. Voltar-se para dentro é iniciar a pesquisa da subjetividade. Mas devemos ir além de nossa mente e meios para avançar nesse terreno. Afetividade é essencial. Imaginação imprescindível. Vontade fervorosa um imperativo. É aí que a individualidade humana se torna realmente um fato, distinguindo seres de outros substancialmente. Na verdade trata-se de antecipações biológicas de um futuro biótipo, mais adaptado a um mundo de conceitos profundamente potentes e sentimentos sinceramente sérios.

Pedro Orlando Ribeiro nos dá uma ideia do que significa individualidade (heterogeneidade de seres/características) e uma continuidade (homogeneidade):

"Quanto mais profundamente alcançar o nosso olhar mais e mais as diferenças individuais vão desaparecendo e passa-se da liberdade individual a um férreo determinismo. Embora a individualidade permaneça inviolável em qualquer nível evolutivo, no entanto, nos planos mais involuídos as diferenças individuais diminuem, quase desaparecendo. É por esta razão que a matéria nos parece homogênea e em contraposição a sociedade humana explode, sob o nosso olhar, em diferenças e contrastes em virtude do maior grau de diversidade individual alcançada pelos seus componentes.

É por isso que afirmamos que nos planos evolutivos inferiores ao nosso só podemos considerar os seres de forma genérica porque as diferenças individuais são praticamente indistinguíveis. Outro ponto a considerar no caso da renovação celular é o número astronômico destes seres minúsculos. "
(grifos meus)

Olhar em profundidade significa perceber a essência das coisas. Chegando-se nesse estágio não se vê mais átomo de um tipo ou de outro, mas sim uma massa homogênea que marcha de modo uniforme, determinístico e perfeitamente harmônico com as leis de seu nível. Da mesma forma, o ser humano, ascendendo (conscientizando-se), perceberá a homogeneidade da sociedade humana, capturando a essência de cada fala, de cada gesto, de cada olhar e ação. Perceber-se-à assim uma suprema lei, central e sábia, que age na profundidade dos fenômenos, coordenando-os a partir da raíz (causa profunda), sem se importar com efeitos aparentemente caóticos - considerados causas pelos inconscientes, que julgam controlar suas vidas e o processo evolutivo. 

Estamos diante de descobertas incríveis que irão abalar a humanidade. Elas serão a plataforma basilar para a solução dos problemas que mais nos afligem. Poder-se-á desse modo tomar real controle de tudo criado por nós até o presente momento, coordenando sabiamente os produtos da civilização moderna. A História será lida em profunidade - e assim compreendida. A alma gritará: "Senhor! Estava tudo diante de mim! Mas eu não tinha olhos para ver..."

Nesse momento a glória será ampla e o progresso será efetivo. 

Amém.

Referências:
[2] FREIRE, G. Arquitetura Cósmica. Ed. INEDE, 2008.
[3] https://pt.wikipedia.org/wiki/Mec%C3%A2nica_qu%C3%A2ntica
[4]  Ubaldi, Pietro. Ascese Mística. 1939.

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