domingo, 22 de setembro de 2019

A progressão da oração

Orar é abrir a alma para Deus.

Da mesma forma que os passarinhos, quando chega a mãe, abrem sua boca por completo para receber o alimento advindo de outras regiões, nós devemos abrir a alma para vibrações mais elevadas, sintonizando-nos com Deus e sua criação, em todos os níveis, locais e momentos.

A oração é uma prática humana. Como todas práticas, ela progride à medida que a consciência expande. É preciso tempo (experiências) para adquirirmos novas perspectivas e agirmos de formas diferentes. Logo, o tempo é o fator externo que viabiliza a experiência íntima humana, de evolução. Sendo assim o fenômeno se faz com os meios compatíveis com a natureza do ser. Eis a consciência monista de tudo que existe - e além.

Quando nos abrimos não tememos. Tudo adentra em nós.
Tudo se conecta em nós e por nós. A identidade desaparece
(em importância). A universalidade domina a vida. Esta
coordena todo o resto. 
Faz algum tempo desenvolvi um ensaio sobre a progressão das escalas [1]. Aqui pretendo expor um outro tipo de progressão: o ato de orar. Trata-se sobretudo de uma ação que se torna atitude e acaba por adentrar no imo do ser, tornando-o integralmente sintonizado com fenômenos imperceptíveis. 

Quando passamos a perceber como se dá a mecânica da Lei de Deus, tudo passa a ter um significado - até nos momentos mais difíceis. Os gestos alheios, os limites de cada um, o tom de voz, as expectativas, as reações,...tudo passa a ser mais previsível. O determinismo passa a ser captado em mais fenômenos, restando assim 'espaço' para a mente perscrutar outras regiões. Com o auxílio do sentimento, caminhará rumo a novas descobertas. A experiência é fundamental.

Gilson Freire, em seu curso Deus e Universo [2], destaca a necessidade de incorporarmos em nossa vivência diária e (sobretudo) no método de pesquisa da ciência as três abordagens humanas:

1) Através da visão interior, direta, do fenômeno - intuição, inspiração.
2) Através do pensamento analítico e sistemático, por partes - razão, intelecto.
3) Através da experiência sensória, via sentidos - impressões externas, método empírico.

É preciso operar em todos os níveis, na proporção adequada. Esse tipo de trabalho aumenta ao máximo a eficiência do fenômeno evolutivo. Quando estamos no nível de descoberta inicial, procuramos nos avizinhar do fenômeno mediúnico via purificação interior. Elevar o nível moral acaba sendo tarefa titânica, cujo avanço exige um estofo espiritual fora do comum. Às vezes é preciso passar por experiências extremamente extenuantes para nossa mente, nossas habilidades e nosso comportamento (gestual, verbal, simbólico, motor, interpessoal, etc.) ganhar uma orientação sem igual. 

No início temos um fenômeno de captação que se torna um processo de transcrição. Esse é o fenômeno inspirativo, que Ubaldi soube controlar magistralmente, transcrevendo o processo vivenciado ao escrever o volume AGS [3]. Segundo o autor, - e isso sinto ser quase certeza - o processo inspirativo, que ainda nos tempos atuais chega de modo esporádico e se desenvolve desordenadamente, fora do controle, tornar-se-á fenômeno comum. O ser humano será capaz de adentrar conscientemente nesse estado, se colocando no fluxo do turbilhão de pensamentos puros, ordenados e sublimes, sentindo uma expansão de consciência paralela à expansão das possibilidades. Nos séculos futuros olharemos para trás e diremos: "Eis o grande ser que lançou as bases de tudo!". E choraremos de emoção ao agradecermos por ter pairado nesse mundo árduo de expiações criatura tão adiantada com missão de deixar registrado - através de sua vida reta e teorização sublime - as vias da evolução. Sou eternamente grato a Pietro Ubaldi por ter realizado essa tarefa sem igual.

Mas voltemos à progressão da oração.

Para falar dela antes devo dizer algo sobre felicidade. Pois é ela a meta de todos nós, assumindo diversas formas, e sempre temporária. Ela é o estado de alguém num determinado momento de sua vida. Pode ser vista como o contrário do sucesso, que é a interpretação de um indivíduo de suas realizações baseada nos valores da maioria. 

O sucesso se apóia nas transitoriedades do mundo e é dependente de um jogo de forças que se pautam em interesses e aparências.

A felicidade é uma conquista de estado interior que dura tanto mais quanto maior a consciência do que ela de fato é.

Felicidade está para ser.
Sucesso está para aparecer.

O nosso fazer (obras concretas) deve ser um transbordamento do nosso ser (essência). Assim (e só assim), ter-se-á uma atividade concreta com a força do espírito. Cada gesto no mundo da técnica, da retórica, da relação social, do desabrochar das teorias e das manifestações artísticas ganha um poder que não é possível de ser descrito - apenas admirado. Aquele que vive em outra dimensão anseia pela superação do estado de animalidade atual. Sangra, sua e chora. Sofre por formas de vida mais ordenadas e harmônicas. Mais esforçadas e ousadas. Mais inteligentes e sérias. Uma vida que sabe brincar construtivamente, sem jamais retardar as ações e iludir os outros. Chora mas se alegra com os atos simples dos outros e os fenômenos do universo. Sangra mas constrói sua consciência. Eleva-se através da busca infinita nesse mundo finito [4].

Quem é guiado pela inspiração não deixa de orar a seu modo. Pode ser sentindo uma simples sensação que arrebata a alma, extraindo lágrimas por descobrir algo muito profundo, se libertando de um pensamento nocivo. 

Podemos elencar a oração em três classes:

a) para pedir;
b) para agradecer;
c) para louvar.

Pedir está para um ato mais individualista, focado no curto prazo. Ou seja, em interesses que não trarão uma satisfação substancial e efetiva. É o modo de prece que recorremos quando estamos diante de uma dificuldade. Pedimos para que aquilo acabe logo. Ou suplicamos por algo que satisfaça nosso ego, dando um número incontável de justificativas para termos nossos pedidos satisfeitos. Nesse nível de consciência a oração é um pedido de satisfação pessoal. Ela dificilmente será atendida porque está desalinhada da Lei.

Feitos fantásticos na arte (como em outros campos) apontam
para o ato de louvar. A gratidão se expandiu a tal ponto que
deixa de existir, assumindo sua forma mais elevada.
A admiração pela Divindade invade o ser...
Agradecer revela um estado mais sublimado. A pessoa observa sua vida com certa delicadeza, observando à fundo o que ela possui, se tornou e está se tornando - no sentido positivo. Ela deixa de ligar para as mazelas momentâneas e sente a construção de sua personalidade, percebendo que as conquistas se consolidam na profundidade de suas relações e na potência de sua sensibilidade. Sente-se uma paz inigualável quando esse sentimento de gratidão, às vezes executado em forma de reverenciamento íntimo, transmudando o olhar, a voz, o ânimo, em executar as atividades do dia-a-dia com vontade renovada e criatividade ímpar. 

Louvar é a transcendência da barreira da gratidão. Ser grato ainda implica em olhar para sua própria vida e ver num nível intangível, no longo prazo, com sensibilidade refinada, o que você possui de realmente benéfico. Mas a partir do momento em que louvamos (as leis do universo, um princípio diretor universal, a unidade na diversidade,...), rasgamos as barreiras do ego para adentrar no oceano universal que irmana todos fenômenos e dá tom à evolução - em todos os níveis (de complexidade) e escala (espacial, temporal, consciencial, intuitiva,...). O ser não se identifica mais com o nome, título, memória ou história. Ele é o próprio fenômeno, o universo, o devenir incessante da forma. Sua vida pode estar destroçada sob todas as perspectivas humanas - mas sua unidade com o Todo lhe dá uma tranquilidade que atordoa as mentes rajásicas. Torna-se misterioso e irresistível. Um misto de temor e fascinação toma conta de quem observa de longe, numa distância espacial pequena - mas a anos-luz em termos de espírito...

As três formas de orar, interagindo com o Alto, são válidas. É preciso que cada um inicie no nível mais compatível com sua natureza. 

Se só se sabe pedir, que se peça com um mínimo de bom senso e apenas o necessário;
Se já se aprendeu a agradecer, agradeça as coisas realmente valorosas, que são imperecívei e fulcro de novas virtudes;

Quando se atinge a habilidade de louvar, percebe-se (finalmente) que nada mais é importante - exceto estar conectado ao princípio universal. Logo, tudo é importante...Mas com um novo olhar. O modo de agir é discreto e profundo. Potente e orientado. Lento mas certo. 

Nesse ponto Deus deixa de ser palavra e se torna sensação.

Nesse mundo, quem chega nesse estágio, certamente irá fracassar. 
Mas essa é a maior glória perante a eternidade e o infinito - o destino final da evolução.

De modo que:
Quem quiser se salvar na eternidade, deve fracassar no mundo.

Mas o fracasso é sublime e percebido pelo mundo, que treme e preserva aquele que é eliminado. Cristo nos deu o exemplo disso, ao nos mostrar os passos finais para 'sair' do AS e 'adentrar' no S. 
Um dia será a nossa vez...

Referências:
[3] UBALDI, Pietro.As Noúres: Técnicas e Recepção das Correntes de Pensamento.

domingo, 8 de setembro de 2019

A doença que cura

A patologia é o estudo da doença (pathos, do grego sofrimento). É a compreensão de seus mecanismos e de como ela afeta o organismo. Os filósofos gregos foram os primeiros a se debruçar  de forma sistematizada e plenamente racional sobre as causas e prevenção de doenças. Estava aí o germe para a moderna medicina. No entanto, quando incorporamos os princípios gregos - nosso apoio - às mais modernas práticas médicas, parece que algo se perdeu.  

A nação agoniza por ter sido capturada por um pensamento
satânico. Mas aqueles que estão orientados não irão deixar de
irradiar a luz divina. Luz que passa através de alguns seres.
Eles são os canais. Os espíritos que já inconscientemente se
alinharam à Vontade de Deus.
A especialização médica se ramificou em vários campos. Desde a etiologia até a patogenia. Das alterações morfológicas à fisiopatologia. Cada ramo foca num determinado aspecto da anormalidade fisiológica humana. Pode-se desejar conhecer as causas gerais das doenças; ou como se dão as alterações estruturais das células; ou os distúrbios funcionais causados por esse abalo, com um significado clínico. Sempre se busca uma abordagem que possa melhor explicar um tipo de trabalho sendo feito. Deseja-se implantar uma política pública profilática? Ou ver como retardar a manifestação de algo já inserido no organismo? Está sendo pesquisado um possível agente químico para inibir a degradação de um determinado tipo celular? As possibilidades são inúmeras. A associação entre a química orgânica, a genética, a engenharia biomédica e a psicanálise nos dá um meio poderoso para ficarmos mais íntimos das doenças.

O câncer tem sua gênese numa semente imaterial situada no campo do mistério. A razão não consegue identificar com precisão matemática qual é sua verdadeira causa. Apenas temos modelos que estabelecem associações entre mudança de variáveis. Uma quantidade de dados sobre questões relacionadas a um imenso catálogo de possibilidades. Mas esses modelos consideram como influentes a fisiologia, a genética, em larga medida. Alguns médicos já compreendem que existe uma entidade chamada mente (que não é o cérebro e todo o sistema nervoso, central e periférico). Ela faz uso do sistema nervoso para conseguir imprimir tom aos pensamentos, atitudes e ações humanos. 

O sistema nervoso é coordenador central do organismo físico humano. Sua vertente central (SNC) se preocupa com as atividades do consciente, com o cérebro; e também de equilíbrio (térmico, mecânico, metabólico, químico, etc.), com o cerebelo; e por sensações táteis, através do tronco encefálico, servindo de sensores e atuadores; e da medula espinhal, que transporta os impulsos através da coluna vertebral. 

A vertente periférica (SNP) conecta o restante do corpo até o SNC. Esse sistema se subdivide em autônomo, que estão fora do controle, ou seja, possui um automatismo cujo tom é ditado pelo subconsciente humano (praticamente idêntico para todos nós), e somático, que pode ser controlado pela mente. 

O sistema nervoso autônomo ainda se subdivide em suas vertentes: o simpático e parassimpático, que estimula e desestimula o funcionamento dos órgãos, respectivamente. Aí percebemos com clareza o aspecto da Lei de Equilíbrio transcrita por Pietro Ubaldi, na qual uma função sempre tem a sua complementar em sentido inverso, de modo a criar uma progressão oscilatória na execução de cada atividade, que para ser efetuada deve percorrer um ciclo, seja ele longo, médio ou curto.

Buda fez uma loucura. E graças a isso lançou um clarão
orientador para a humanidade. Um clarão que lançou as bases
da evolução interior e as diretrizes da vida equilibrada.
Toda essa superestrutura revela uma profunda sabedoria na construção do corpo humano, que graças a suas particularidades pode exprimir pensamentos que outras espécies não são capazes. É necessário possuir um meio à altura do patamar evolutivo atingido para que o trabalho ascensional possa ser realizado.

A presença do polegar opositor é o primeiro indício de refinamento manual: permite-nos manusear objetos de forma mais precisa. Viabiliza toda espécie de trabalho manual. Valorizando os membros superiores deixamos a tarefa de deslocamento para os inferiores. A especialização se dá com o uso adequado daquilo que nos foi disponibilizado por forças desconhecidas, que orquestram o desenrolar da vida maravilhosamente bem. De acordo com a maturação, o ser conquista o direito de vestir corpos mais sofisticados. E chegamos ao ponto em que a evolução orgânica atinge uma assíntota. O próximo passo dar-se-à num outro nível.

O maior volume da caixa craniana permitiu um cérebro maior. O aumento do número de neurônios levou à sofisticação. A psique humana dependia fortemente do substrato biológico, isto é, da correta assimilação de nutrientes, para poder se manifestar. A neurocientista Suzana Herculano-Houzel, professora da UFRJ, confirma através de modelos e fortes evidências que "se o Homo erectus não tivesse modificado sua dieta, nós não estaríamos aqui, seríamos inviáveis" [3]. Trata-se de uma questão de assimilação acelerada.

Cozinhar o alimento torna-o apto a ser assimilado, desde a mastigação até a absorção celular e excreção, com grande velocidade. Dessa forma vê-se um caráter dúplice na cocção: ao mesmo tempo que libera tempo para fazermos outras coisas (ao invés de mastigarmos durante horas), permite-nos ingerir mais calorias.

"Com o alimento cozido, economiza-se tempo para a mastigação e pode-se consumir com mais facilidade e em maior quantidade opções mais calóricas, como a carne. O Homo erectus começou a usar o fogo na alimentação entre 600 mil e um milhão de anos atrás. Análise de fósseis mostrou que ao longo das gerações houve uma redução dos dentes e sua musculatura facial, indicadores de que a força para a mastigação igualmente diminuiu." [3] 

Isso se relaciona diretamente com o desenvolvimento de neurônios. 

"Além de consumir alimentos mais calóricos em menos tempo, o ancestral do homem teve ainda a possibilidade de empregar o tempo livre (em que não precisava comer para atender às necessidades calóricas) em outras atividades, o que também pode ter colaborado para o desenvolvimento cerebral, com o aumento do número total de neurônios." [3]

Tudo isso foi dito para que o leitor possa ter noção da relação entre possibilidades fisiológicas do órgão e sua função. O órgão se desenvolve à medida que as funções que desempenham vão se sofisticando. As funções, ao se tornarem mais potentes, estimulam o órgão ou o conjunto deles a buscarem uma espécie de sublimação fisiológica fundamental. Assim vemos o íntimo fenômeno universal de complementaridade em ação. Além dessas entidades (órgão e função), em outro nível, se situa uma inteligência diretora que dá ritmo ao processo, abrindo um campo de possibilidades outrora inexistentes. 


O idealista sofre mas persiste. Ele acredita e deseja
ir até o fim na descoberta da verdade. Verdadeiro
catalisador social, aprende rápido as coisas do
mundo para dar tom dinâmico ao progresso.
Cena de Mr. Smith goes to Washington (1939),
de Frank Capra.
As alterações de uma condição a outra, de um estado a outro, quando em seu estágio inicial, podem assumir característica de anormalidade. E o ser humano, acomodado à sua fisiologia e psiquismo atuais, - aquela já consolidada, este habituado às práticas conservadoras mas evolutivamente lentas - classifica como patologia as anormalidades cuja causa ainda desconhece, classificando alguns indivíduos como doentes, quando na verdade são criaturas em vias de superação biológica. Isso ocorreu com Pietro Ubaldi durante sua fase de maturação interior (1911-1931), quando aquele homem jovem, rico, forte, inteligente e culto se viu perturbado por uma doença que a medicina não conseguiu classificar nem tratar.  O volume História de um Homem descreve de maneira muito clara a sensação do missionário de Cristo:

"Mas seu organismo era de ferro e resistiu durante vinte anos. Um médico o tratou com lavagens gástricas e, para sofrer menos, ele acabou fazendo-as sozinho, engolindo um comprido tubo de borracha. Outro, considerando vários sinais descobertos na radioscopia, havia diagnosticado uma doença no peito. O diagnóstico dependia muito da especialização do médico. Um homeopata aplicou-lhe, naturalmente, a homeopatia. Uma vez, recorreu a um famoso doutor de doenças nervosas e foi tratado como neurastênico. Não deixou escapar, durante a visita, o aspecto nervoso e agitado do médico, não compreendendo como tal sumidade não soubera curar-se a si mesmo. Escapou por pouco de cair em uma clínica onde já se projetavam tão sábias complicações, que não lhe seria fácil sair dali vivo e são" [4] (grifos meus)

"Todo o nosso tempo – também nos outros ramos da ciência, como na música, na pintura e na literatura – é uma hipertrofia de cerebralismo, de virtuosismo técnico, de mecanização, onde a luz do espírito intuitivo, sintético e criador é sufocada e extinta." [idem]

Logo, num tempo de normalização do cerebralismo, com foco no plano racional-analítico, é natural que indivíduos que estejam buscando uma forma mais profunda de se manifestar entrem em choque com o mundo e seus métodos. Existem coisas que são inexprimíveis pelo modo convencional. Adentra-se no terreno do afeto. É preciso tensionar ao máximo os modelos simbólicos, a título de fazê-los exprimirem um pensamento tão profundo que não pode ser classificado como tal, mas sim como sensação. No fundo trata-se de uma abordagem preliminar de um sentimento de tipo sublime. O indivíduo está transbordando de conceitos e ideias inacessíveis ao mundo. A mídia - nem mesmo a alternativa - trata o ponto com a devida atenção. As pessoas desconhecem o problema do conhecimento. As instituições não valorizam quem as busca. O indivíduo se vê desesperado, e é nesse desespero que será revelada sua verdadeira criatividade. Os gênios e os santos explodem com uma revolução interior, criando novos conceitos de vida, relacionando e depois fundindo. O trabalho é incessante e a mente é incapaz de acompanhar o espírito.

A sensação de ter descoberto uma realidade
d vida deixa a pessoa num estado de
tranquilidade. A luz que banha seu ser é
mais bem aproveitada. Isso se traduz em
gratidão e, em seu vértice, louvação.
Imagem de Xan Griffin, Unsplash.
Quando a intuição é fortemente sentida e a razão é incapaz de dar-lhe corpo, a patologia se dá. Infelicidade por não ter ainda uma combinação harmônica de membros (espirituais, mentais e biofísicos) que possibilitem uma ascensão orientada rumo a uma apropriação de uma verdade mais vasta. Isso é infelicidade para aquele que já se encontra na senda da evolução.

A doença do santo é a bênção de Deus.
O tormento do gênio é comprovação da imanência divina.

Gênio e neurose andam lado a lado [5], conforme diz Sua Voz:

"O gênio, porém, em sua monstruosa hipertrofia de psiquismo, está situado numa posição biológica supernormal, encontrando-se defasado em tudo e por tudo, razão pela qual é impossível estabelecer uma correspondência entre seu instinto, que normaliza o supernormal, e o ambiente, que exprime outra fase e oferece outros choques. Tal diferença de nível produz uma imensa desproporção, não permitindo nem ao menos esboçar-se uma compreensão; o desequilíbrio entre sua alma e o mundo é insanável, tornando impossível a conciliação entre sua natureza e a vida."
AGS, Cap. LXXXVII - Gênio e Neurose

Assim pode-se dizer que existem doenças de dois tipos:

1) aquelas que servem para fortalecer pontos fracos de indivíduos;
2) aquelas que revelam o descompasso entre evoluído e involuído.

Ambos tipos são salutares.  Mas enquanto a solução da primeira tem efeitos de perda de baixa intensidade, a segunda, se 'sanada', será a animalização de um ser que se encontra em vias de gloriosas conquistas. Resolver seus tormentos via medicina moderna é cessar o impulso ascensional em marcha. Deve-se fortalecer essa 'doença', tornando a pessoa apta a gerar uma reação como nunca se viu antes a partir dela, transformando-a em meio de purificação da alma, que irá gerar coisas inéditas, seja qual campo for.

Eis a doença que cura.


Referências: 
[4] UBALDI, P. História de um Homem. Disponível em: <http://www2.uefs.br/filosofia-bv/pdfs/ubaldi_05.pdf>
[5] UBALDI, P.; A Grande Síntese.
[6]ASSAGIOLI,.R.Auto-realização e distúrbios psicológicos. Disponível em: <http://quintaldouniverso.blogspot.com/2010/09/auto-realizacao-e-disturbios.html>

terça-feira, 3 de setembro de 2019

Quando solidão é sinal de glória

Nunca parei para fazer as contas (mas já pensei muito a respeito):  me parece que 95 a 99% de tudo que nós falamos é dedicado à construção de um verniz, que reveste nossos verdadeiros interesses. Falamos e falamos através de movimentos de revoluteio para chegarmos ao que realmente interessa. 'Sociabilidade!', muitos responderão, justificando inúmeras horas de piadas, discursos vazios (para preencher o vazio existencial) e rituais comportamentais. No entanto nunca se parou para pensar no (real) custo de tudo isso.

Aqueles que perceberam começam a mudar os métodos. Porque refletem e interiorizam grandes verdades. Se dão conta do seguinte: de que não estão neste mundo para gozar a vida. Se há um gozo ele deve se situar em 'outras regiões'. Deve ser infinito e eterno. Deve ser sustentável, absoluto e produtivo a tudo e a todos. E que portanto a vida neste orbe é batalha incessante. Uma luta interior que exige se ver a partir de outros olhos, escutar a si mesmo e perceber a sua imperfeição. Uma verdadeira guerra que consiste em inúmeras batalhas no campo dos sentimentos, da melhoria cognitiva, na aquisição e uso consciente de conhecimentos - e na coragem de avançar quando os tempos demandam.

Quando apenas uma pessoa se recusa a seguir o rebanho,
ela é condenada. Ela se destrói no presente porque sabe
que o futuro é radiante. Cena de A Hidden Life (2019),
de Terrence Malick.
Há tempos escrevi sobre condições que permitem a qualquer um avaliar se o afastamento da sociedade é justificável. Fica mais fácil quando essa análise é de si próprio (autoanálise). Ao menos teoricamente. Aplica-se um filtro de três camadas. Três perguntas que devem ser respondidas com toda sinceridade para avaliar se o isolamento de um indivíduo é algo benéfico, construtivo - ou algo segregador, que tende a isolá-lo da corrente da Lei.

1) Existe algum sentimento de ódio em relação a alguém?
2) Há medo de alguém, um grupo ou uma ideia?
3) Há sentimento de arrogância eme relação a alguém ou uma forma de vida?

Se existe uma tendência natural do ser se afastar do mundo sem que esses três sentimentos sejam os fios condutores do fenômeno, não há um problema a ser sanado. Ao contrário, isso pode indicar que o indivíduo está iniciando um processo de ascensão consciencial.

Apesar de raríssimo, existem indivíduos que não sentem ódio, medo ou arrogância em relação a nada e ninguém. E minha intuição diz que quando esses três sentimentos inexistem, o ser começa a viver uma vida mais segregada da sociedade, se associando apenas aqueles mais próximos (família nuclear, poucos amigos, namorado(a)). Parece um paradoxo, mas se observarmos mais à fundo começamos a perceber certas coerências nessa visão.

Imagine a conversa entre dois indivíduos. Se estiverem falando (trabalhando) em um assunto profundo, que exige total seriedade e sinceridade, estará sendo formado um núcleo de consciência e fraternidade de nível atômico (em termos sociais). Quando chega um colega próximo a um dos dois (ou de ambos), o fenômeno que ocorre é conhecido: existe um nivelamento por baixo da conversa com o intuito de tornar o ambiente receptivo ao terceiro. Estamos considerando uma pessoa muito próxima a eles, considerada e estimada, mas que não é capaz de entrar na mesma sintonia em relação ao assunto tratado, de forma que sua contribuição será uma constante interferência e rebaixamento da ideia central. 

O que se nota é uma interrupção desse campo. Cessam os fluxos de ideias - iniciam-se as forças integrativas, num plano mais baixo, para o bem-estar do outro. Os dois se conformam em continuar o assunto mais tarde - não se sabe quando nem como, pois as oportunidades são muito raras.

Quando a linha horizontal do mundo cruza a linha vertical
dos princípios, gera-se uma explosão. O AS não suporta
conviver com um cidadão que está em marcha acelerada rumo
ao S. A Hidden Life (2019)
Quanto maior o número de indivíduos, maior o nivelamento. Existe uma quantidade limite que irá estabelecer uma assíntota inferior que é definida pelo tipo biológico do grupo presente. Assim se dão as associações humanas: via nivelamentos por baixo. A intenção é das melhores: manter o nível de receptividade, de integração (ao menos daqueles mais próximos). No entanto perde-se (sempre) algo com isso. Esse algo é uma ideia à espera de germinação. Um conceito a ser forjado e desenvolvido. Conceito que anseia por se tornar forma, e assim inspirar outras almas. 

O desenvolvimento natural do ser, via maturação interior (experiências dolorosas) tornam a criatura cada vez mais obediente e regrada nas tarefas do mundo. Ao mesmo tempo, sente-se uma atração cada vez mais forte rumo a questões situadas fora dos circuitos sociais, que estão longe de qualquer ritual e se prende apenas às convenções realmente necessárias para apoio do edifício conceptual a ser erigido. Essa maturação tem um ritmo e é pautada por acontecimentos. Depende da vontade do ser e de seu subconsciente. Depende do que ele vislumbra. De forma que trata-se de uma análise complexa, em que um jogo de forças se coloca em choque e forma uma personalidade tempestuosa por dentro, cheia de anseios por conquistar um mundo (aparentemente) perdido. Essas tempestades interiores parecem muitas vezes transbordar em falta de paciência. Assim compreende-se melhor as atitudes desconexas de Van Gogh, a fúria de Beethoven, a distração de Einstein, a determinação de Giordano Bruno, entre muitos outros. Nesse caso o isolamento é amor. Amor por uma perfeição perdida, que deve ser reconquistada a todo custo.

Estamos diante de questões que exigem muito cuidado para serem analisadas. Muitos acreditarão que o autor tenta justificar seu modo de vida (e de outros que admira) criando uma teoria. Mas não se trata disso, e sim de observar os fatos e dialogar com as intenções.

Para haver integração é preciso haver pontos de contato. Pré-requisitos. 

Quando alguém começa a se diferenciar a uma taxa muito alta, mudando velozmente a sua personalidade, - que passa a se fechar num circuito mais intenso, com menos locais para ir e falando apenas o necessário - nota-se o início de rupturas. Elas são pacíficas porque não existem nenhum dos três motivos citados (Ódio Medo Arrogância). Simplesmente quem outrora era próximo torna-se cada vez mais distante. As pessoas percebem que os pontos de contato que poderiam gerar encontros interessantes estão desaparecendo. As possibilidades se reduzem e torna-se uma tarefa deveras árdua tentar continuar com determinados rituais cotidianos, mensais, anuais ou mesmo esporádicos.

A pressão sobre gradativamente até desunir as almas em
sintonia. Quando os atrativos e a força não mais resolve,
o AS destrói a forma. Mas o ideal que se encarnou
ecoa na história. 
Esse fenômeno vem sendo percebido por aquele que aqui vos escreve. Apenas a partir de efeitos mais visíveis é possível começar a perceber o tipo de fenômeno profundo que existe.

Os últimos 4 anos trouxeram uma mudança de vida muito profunda. De 2015 até o presente momento o autor muda o modo como encara a vida. Se fecha em si mesmo. Não perambula mais como outrora, em busca de conversas, contatos e amizades. Não se apoia na aprovação ou reprovação de grupos - mas na afirmação de um ideal que sente palpitar em sua alma. Um ideal a ser encarnado de várias formas. Assim gera-se um compromisso sem as formalidades conhecidas. Uma vontade irresistível de fazer certas coisas toma conta de sua pessoa, tornando o fluir do tempo curto quando vê esse universo de fora - e de longo enquanto vive mergulhado nesse mundo desconhecido. Em suma: o tempo se arrasta quando se está no nível que o mundo tanto vê como diversão - e se esvai rapidamente quando se está imerso no turbilhão de pensamentos e sentimentos que criam artigos, cursos, ideias e reflexões. Sendo assim é imperioso fazer uma escolha.

Opta-se pelo caminho que mais está de acordo com a sua natureza.

Um filme de Terrence Malick que mostra esse conflito entre seguir sua individualidade (eu espiritual, consciência) em detrimento de sua personalidade (ego, forma) é o belo Uma Vida Escondida (2019).


Esse filme tem a última atuação do formidável Bruno Ganz e Michael Nyqvist.

Referências:
[1] https://leonardoleiteoliva.blogspot.com/2017/03/nulidades-raras-raridades-nulas.html
[2] https://www.imdb.com/title/tt5827916/

domingo, 1 de setembro de 2019

Faíscas de luz

Quando estava cursando as disciplinas no meu doutorado, me lembro de que a maioria das avaliações eram atividades a serem feitas em casa e em grupo. Numa dessas disciplinas havia uma série de listas de exercícios a serem resolvidas. O conteúdo era denso, exigindo uma capacidade de abstração muito forte. Essa disciplina se chamava Otimização de Sistemas Dinâmicos I. Era necessária uma base matemática muito sólida e uma capacidade de pensamento abstrato razoável para conseguir fazer os exercícios. Mas através desse esforço era possível se familiarizar - e se encantar - com os fenômenos da natureza e com os grandes feitos da realização humana.

O sol é mais belo quando se põe. Nesse momento é possível
vê-lo em sua integridade. Seu brilho é menos ofuscante.
Por isso o pôr-do-sol é tão belo.
Alguns exercícios envolviam a demonstração de algumas regras matemáticas matriciais. Outros trabalhavam com possibilidades fantásticas como, por exemplo, a construção de um trem que usa apenas a energia advinda do campo gravitacional para acelerar/desacelerar, e assim deslocar pessoas. Esse era o casamento entre uma possibilidade de implementação no mundo econômico e a sofisticada formulação matemática de Euler-Lagrange. Quem desejar conhecer um pouco mais pode estudar o artigo que usei para trabalhar em cima do exercício [1]. É bem interessante do ponto de vista de exercitar teorias, métodos e ferramentas para se (tentar) viabilizar algo que poderia ser muito útil à civilização. 

Os problemas de demonstração eram mais abstratos. Exigiam uma certa destreza na operação de relações algébricas, matriciais e de cálculo. Às vezes, quanto mais óbvio, mais difícil (e intrigante) a demonstração. 

Aceitamos muitas leis e relações como certas e as aplicamos para resolver questões práticas da vida cotidiana - sejam elas relacionadas a tirar nota em provas e trabalhos, ou em construir sistemas. Mas quase nunca nos damos conta do porquê disso. Essas verdades são tidas como axiomáticas, isto é, incontestáveis. São evidentes por si mesmas. Aceitas de bom grado pelo senso comum. São questões  simultaneamente óbvias e misteriosas. Evidentes do ponto de vista de eficácia cirúrgica na aplicação - e desconhecidas no porquê de serem como são. É o caso da Lei da Entropia, que mensura essa grandeza, atribui unidade a ela, identifica características de processos a partir da mesma, entre outras coisas. Mas não sabemos à rigor o que ela é, ou melhor, significa.

Num desses exercícios me lembro de ser pedido para demonstrar, a partir de um conjuntos de igualdades, a Equação de Ricatti, um matemático veneziano (1676-1754):
Em que R(tf) = 0 é uma condição final - a matriz R deve ser nula no tempo final. Trata-se de uma equação diferencial, ou seja, que descreve um processo dinâmico, caracterizado pela variação no tempo. 

A partir de uma dada configuração de igualdades conhecida, deveríamos chegar à famosa equação. Aqui não nos interessa qual o significado de cada termo (as matrizes A, R, Q, B), mas sim o processo para se chegar à demonstração. 

Quando se trabalha com álgebra matricial é preciso atentar para certas regras. Nem tudo que vale no mundo algébrico é idêntico no mundo matricial. Algumas operações elementares são diferentes, seja em termos de complexidade ou mesmo em princípios. Isso demanda uma atenção redobrada e mais criatividade na hora da demonstração. As manipulações podem nos levar a um labirinto que vai ficando mais e mais complicado se não tivermos um senso de orientação durante o longo processo. Neste terreno o talento da mente pode ser insuficiente para se chegar à solução. Geralmente são necessárias várias muletas para chegar ao destino. Exemplos diversos, longas tentativas, métodos variados, etc. Às vezes, para não se perder no lodaçal de formalismo, é preciso ter uma mente que se renda à consciência cósmica, deixando por um tempo toda a fadiga de lado para que esse exaustivo trabalho intelectual seja digerido por outras forças.

Para chegarmos a uma solução verdadeiramente efetiva e
revolucionária precisamos entrar em estado de relaxamento.
Não se trata de inércia, mas sim de sintonia num plano mais
elevado.
Nessa época, quando chegava a algumas soluções, ficava impressionado por tê-las atingido. Quando estava com a resposta, tentava compreender o caminho trilhado. Mas algo se perdia. A tentativa de fazer uma retrospectiva, para compreender como cheguei à equação, se perdia num oceano de mistérios, em que certos passos era inexplicáveis - se encarados a a partir de uma mentalidade racional. Assim o passado deixa registrado passos gigantes encobertos por mistérios profundos. Passos decisivos, que atordoam a mente e encantam o espírito. Que atestam a existência de uma genialidade fora do comum, que suplanta o talento. Nesses momentos sentimos que "entramos no infinito", sem saber como. Sentimos que nos sintonizamos com a eternidade para fluir junto ao devenir fenomênico, vibrando com aquele que trouxe revelações na forma de linguagem, ciência, arte, pensamento ou atitude. 

Quando dominarmos a intuição, atingiremos o nível intuitivo. Saberemos obter a verdade via intuição controlada, como Pietro Ubaldi o fez em vida. Graças a isso o mundo agora possui cravado de forma concreta as revelações de Sua Voz, que nos trouxe A Grande Síntese. Que é uma síntese da solução dos problemas da Ciência e do Espírito. Uma definição profunda de todo o processo evolutivo, abarcando a gênese da matéria e da vida; o surgimento do psiquismo e sua função; a essência do direito e do estado; o biótipo do futuro; a organização econômica e a arte. Tudo é abordado nesse tratado da fenomenologia universal, trazendo as bases de orientação para uma humanidade que deseja sair do lodaçal em que se encontra. 

Não à toa o eminente espírito Emmanuel, através da mediunidade de Chico Xavier, denomina ela O Evangelho da Ciência:

"Quando todos os valores da civilização do Ocidente desfalecem numa decadência dolorosa, é justo que saudemos uma luz como esta, que se desprende da grande voz silenciosa de A GRANDE SÍNTESE. A palavra de Cristo projeta nesta hora Suas irradiações energéticas e suaves, movimentando todo um exército poderoso de mensageiros Seus, dentro da oficina da evolução universal. Aqui, fala a Sua Voz divina e doce, austera e compassiva. No aparelhamento destas teses, que muitas vezes transcendem o idealismo contemporâneo, há o reflexo soberano da sua magnanimidade, da sua misericórdia e da sua sabedoria. Todos os departamentos da atividade humana são lembrados na sua exposição de inconcebível maravilha! A GRANDE SÍNTESE é o Evangelho da Ciência, renovando todas as capacidades da religião e da filosofia, reunindo as à revelação espiritual e restaurando o messianismo do Cristo, em todos os institutos da evolução terrestre. Curvemo-nos diante da misericórdia do Mestre e agradeçamos de coração genuflexo a sua bondade. Acerquemo-nos deste altar da esperança e da sabedoria, onde a ciência e a fé se irmanam para Deus."

No caso do místico da Umbria, houve uma explosão de luz sem igual.

Hoje, nós temos minúsculas faíscas de luz, que impressionam o ambiente próximo. Mas com a evolução tenderemos a nos tornar cada vez mais aptos a transmitirmos verdadeiros pensamentos divinos, com explosão de formidáveis modos de vida. 

É preciso cada vez mais perceber a presença do infinito e do eterno em cada canto de nosso universo, seja ele físico, vital ou psíquico. É no recôndito do AS que reside o S. No além e no aquém, domina a Lei que tudo coordena. 

Referências: