sábado, 30 de agosto de 2014

CONQUISTA ESPIRITUAL, RENÚNCIA MATERIAL

O biótipo médio de nosso mundo possui uma dificuldade muito grande em compreender o significado da dor. Por possuir uma visão de curto prazo, materialista e analítica, sua conclusão desemboca numa interpretação de que o fenômeno da dor é um mal por natureza e deve ser evitado / eliminado a qualquer custo. E inúmeros inventos e descobertas e pessoas e lugares são feitos e buscados com base nessa premissa. Mas nunca se pensou em fazer uso da dor para nos melhorarmos interiormente - salvo raras exceções.

A riqueza externa é a maior armadilha do mundo em que vivemos. Ela é fortemente ilusória, dando uma quase certeza de realidade. Isso se deve, a meu ver, devido à falta de sensibilidade do tipo biológico que comanda e predomina neste mundo.

O que é sucesso e o que é fracasso é ditado numericamente. O grupo que possui maior força - porque compreende a necessidade de fornecer às massas o que seus instintos demandam - dita as Regras do Jogo. Quem vê a mais, é louco; quem imagina diferente, é desestabilizador; quem sonha é perigoso e se dá mal. Fato. Mas a questão é: por que se dá mal? E diante de uma pergunta tão fundamental as respostas caem sempre com precisão no mesmo ponto (ou nos mesmos pontos). E tudo permanece como está. Às vezes, dependendo da época e do meio, nem sequer um segundo de um minuto de grau de desvio na atitude é permitido. Rigidez espiritual num mundo materialmente dinâmico. O abrangente que engloba tudo (espírito) é engessado, enquanto o específico que engloba menos (matéria) corre livremente. Eis o porquê das constantes crises. Onde se encontra a sustentabilidade?

Ascensões Humanas. Livro
que aborda questões políticas,
econômicas, sociais, de saúde e amor
sob um panorama vasto.
Fugimos da dor. Com essa atitude infantil atrasamos nossa evolução. Porque ao evadir de uma situação que sempre se mostra presente o ser perde a oportunidade de se fortalecer e se sensibilizar. Sim, sensibilizar E fortalecer. Porque a sensibilidade bem orientada é uma arma poderosa para defesa contra palavras e ações. Logo, é força. Força discreta, elegante, inteligente e conduzida pela Moral, que é a inteligência mais sublime. E aumenta o valor das poucas riquezas exteriores, pois amplifica as interiores. Logo, necessitamos menos do externo. Que nos leva a querer menos do externo. E assim nosso desejo de entrar em lutas bélicas ou econômicas ou psicológicas decresce, e a energia passa a abundar, porque não é gasta em jogos que levam o ser a dar uma volta em torno de si mesmo.

Converter a dor em conhecimento é a arte da evolução. É ela que nos dará a orientação correta e a noção do que é verdade e sustentável. Assim que nos sensibilizarmos nossa "máquina" interior de conversão (dor → conhecimento → compreensão → paciência → atuação sábia) passará a operar. O aflorar dessa capacidade, levada ao limite, conduzirá o ser humano a um estado de felicidade ímpar. Mas o desenvolvimento é lento. Até para aqueles que se deram conta do caminho.

É claro que dada nossa constituição física, aliada à pouca fraternidade global adotada pela grande maioria de nós em diversos graus nos últimos anos, conduzem as pessoas a adotarem posturas aparentemente contraditórias à sua vontade. E às vezes ao seu discurso. Isso pode estimular críticas por parte de pessoas pouco aprofundadas ou desejosas de manter a ordem das coisas. Nessa situação essas pessoas encontrarão argumentos aparentemente sólidos que se apóiam na contradição entre prática e discurso. Mas devemos nos lembrar que a atual (des)ordem das coisas possui um autoritarismo travestido de liberalismo, que penaliza economicamente e (principal e intensamente) psicologicamente pessoas ricas ou pobres, jovens ou velhas, saudáveis ou doentes, homens ou mulheres, com ou sem diplomas, crentes ou descrentes. Ou seja, há certas atitudes e posturas saudáveis que não podem ser adotadas porque isso inibiria - a médio ou longo prazo - a consolidação de outras posturas virtuosas. Ou mesmo atrofiaria outras liberdades já conquistadas através de lutas incessantes. Daí se explica que construir o novo é uma tarefa dolorosa e solitária.

Toda conquista pede uma renúncia.

Toda renúncia consciente traz uma conquista interior.


Vale a pena.

O TIPO BIOLÓGICO DO FUTURO

Neste ensaio pretendo ramificar a ideia desenvolvida anteriormente a respeito das três inteligências (instinto, razão, intuição). Para ser mais específico, o intuito é explicar e exemplificar porque a intuição será a característica predominante do ser humano do futuro - um ser que vive na mente de muitos, ansiosos pela concretização de um ideal tão intenso que abale os conceitos vigentes (sim, no fundo queremos ser provocados).

Aquele ditado de que muitas (não todas) crianças só aprendem com o erro é uma verdade profunda. Tanto que podemos estendê-lo para a humanidade sem problemas. Guardadas as devidas complexidades e proporções, a essência é a mesma: o aprendizado pela dor.

Sabemos que o tipo de aprendizado mais eficaz é a educação formal, geralmente dada pelos pais (ou parentes) até uma certa idade, e pela escola a partir daí. Mas muitas pessoas sentem - e algumas sabem - que essa educação formal poderia ser muito mais eficaz. São pessoas que provavelmente já passaram por essa experiência e sentiram que todo seus "fracassos" podem ter sido causados - em boa parte - devido à falta de adequação dessas instituições (família e escola) à sua natureza. Mas o misto de culto e emergência às normas impostas ao longo da vida nos conduz a julgamentos muito severos de nosso ser. Devemos acreditar um pouco mais em nossas potencialidades.

Somos diferentes. Merecemos oportunidades iguais. O que isso quer dizer concretamente? Isso significa, a meu ver, que o sistema educacional deve propiciar todas vivências e experiências possíveis de forma a atender a pluralidade dos sonhos e idéias que povoam a mente de cada ser vivo. Trata-se de um ENORME DESAFIO. Especialmente hoje, com uma série de distrações sedutoramente divergentes.

Grande parte das metodologias educacionais não atendem aos anseios das novas gerações. Não que a partir de um ponto só comecem a nascer crianças com uma concepção de vida mais ampla. Mas percebe-se uma tendência ao longo do tempo. E acredito que boa parte dos problemas internos que jovens enfrentam hoje em dia se deve ao fato de nossas escolas (e sociedade, e mercado de trabalho) serem incapazes de PERCEBEREM potencialidades (futuro). Como um todo engessamos no tempo. Mas felizmente a petrificação do sistema não impedirá o inexorável marchar da humanidade rumo ao progresso intelecto-moral.

Muitos tem falta de vontade em aprender. E não é fácil responsabilizar unicamente o aluno ou o(a) professor(a) por esse insucesso. É provável que ambas partes tenham sua parcela de responsabilidade. Mas o modo como muitas coisas estão estruturadas (relações, regras de conduta, modos de conceber a existência,...) pode ser poderoso agente indutor de deslizes, afastando-nos do ideal. Faz-se necessária uma nova abordagem, completamente diversa. Aí entra o ser intuitivo.

O ser intuitivo é SÍNTESE. O racional é ANÁLISE.
O primeiro é conduzido pelo imponderável. O segundo pelo tangível;
O primeiro compreende o modo de pensar e agir do segundo, mas este não compreende o primeiro. Porque o primeiro é capaz de atingir as profundidades da alma e se foca nas causas, enquanto o segundo sente e age pela superfície, não compreendendo o brotar dos fenômenos e as reações.

Não se tratam de mentalidades mutuamente excludentes, e sim COMPLEMENTARES. A questão é o peso que se dá a cada uma delas. Para o ser do futuro, o centro de gravidade de sua trajetória estará mais à frente, com campo da intuição e da síntese, que apoiarão a mente racional-analítica.

O ser intuitivo procura ter uma visão global e perceber as interconexões dos fenômenos naturais e humanos. Sua mente trabalha em todas escalas de espaço e tempo, sendo assim capaz de perceber que acontecimentos ruins no presente são necessários para sua evolução espiritual. Por perceber o sentido da vida em sua plenitude, ele mais procura adequar-se às Leis do Universo do que criar sistemas e criar tecnologias para burlá-las. Não que estes e estas sejam ruins, mas ele não se encanta com isso. Para esse ser trata-se apenas de meios para atingir fins muito mais elevados. Nada mais, nada menos.

O ser intuitivo abraça o estudo em todas suas formas. Cada instante é passível de alçá-lo a uma nova compreensão, tornando-o mais apto para cumprir sua tarefa evolutiva e auxiliar a unificação de toda humanidade. Ele é movido por esse ideal. Está disposto a se arriscar, ser ridicularizado, e até morrer por ele, sem no entanto jamais envolver outros nessa empreitada “suicida”.

Trata-se sobretudo de um processo biológico comum a todo ser vivo. TODO. Passaremos por isso algum dia. Não há com o que se preocupar. O privilégio é de todos.

O único pré-requisito: abrir a mente.

domingo, 24 de agosto de 2014

COMO VIVEM OS ANJOS*

Os anjos tem uma vivência muito peculiar. Eles se assombram com algumas coisas – como nós humanos. No entanto, as causas dos assombros (e preocupações) são completamente diversas. O mesmo podemos dizer do que consideram sério ou fútil: questões que humanos veem como fúteis são tidas como sérias para os anjos; e assuntos vitais para (a maioria dos) humanos são uma mera quimera do ponto de vista angelical. É claro que existem casos particulares nos quais esse contraste é reduzido (e às vezes, quase imperceptível).

Anjos tem uma fase CONTURBADA seguida de uma fase PLENA em sua vivência. Na conturbada, o anjo, recém-nascido, sente-se pouco à vontade com a sua condição, e faz esforços – às vezes colossais – para mimetizar comportamentos e (falta de) sentimentos humanos, numa vã tentativa de se sentir menos apartado do meio. Ele ainda não reconhece que adentrou num mundo interior diferente, cujas leis são completamente diversas daqueles das quais ele estava habituado. É natural o sentimento de deslocamento. Mesmo porque ele recém-adquiriu sensores que ainda não estão regulados para captar a presença de outros iguais.

Por mais que se tente retornar ao estado anterior, se houver algum sucesso nessa empreitada, ele é temporário. O que leva o ser a imaginar que existe uma lei que o proibe de voltar a ser o que era. Irreversibilidade. Isso porque o sentido da evolução é um só, e tentar desfazer uma obra divina é um atentado contra a Lei de Deus.

Após um período de turbulência o anjo passa a ter consciência do que se passa dentro dele. Auto-conhecimento, auto-aceitação. Paz e (finalmente) capacidade de atuar no meio usando métodos e ferramentas completamente diversas – e poderosas.

Anjos são DISCRETOS, agem pensando na TRANSFORMAÇÃO DA SUBSTÂNCIA; não encarnam (são espíritos que não mais necessitam nascer como humanos, ou seja, não os veremos em carne e osso pelas ruas); trabalham os SENTIMENTOS dos humanos; às vezes CHORAM ao ver o estado da humanidade; se ALEGRAM tremendamente com um gesto divino oriundo de um ser não-divino (nós); são profundamente REFLEXIVOS e DETERMINADOS.

Anjos nunca se enjoam de seu trabalho, pois este parece ser infinito – transformar as pessoas. fazê-las despertarem para seu Eu divino. Eles estão sempre no 'front' de guerra.

Qualquer local onde nós não queiramos estar, ELES ESTARÃO.
Qualquer sentimento que nós não queiramos demonstrar, ELES DEMONSTRARÃO.
Qualquer esforço que não queiramos fazer, ELES FARÃO.
Qualquer verdade que nós queiramos revelar, ELES REVELARÃO.

E assim nossa insensatez humana é contrabalançada pela sensatez divina.

E no dia em que todos positivos dos anjos não forem anulados por todos negativos da gente, o mundo escapará de sua inércia.

A soma não será zero.
Será maior que zero.
Será positiva.


* as descrições presentes nesse ensaio e no outro – intitulado “Como Nascem os Anjos” – são meramente ficcionais, não contendo nenhum tipo de fundamento científico. Trata-se primordialmente de um exercício (prazeroso!) da criatividade. Mas não uma criatividade infundada, e sim aquela baseada num desejo de como as coisas poderiam (ou deveriam) ser.



quinta-feira, 14 de agosto de 2014

O Absoluto guiando os relativos

Nos últimos anos vem crescendo nos meios sociais mais "progressistas" a ideia de relativismo dos costumes. Essa ideia encontra uma alta receptividade entre pessoas eruditas, que tiveram condições de estudar e gostam de refletir sobre seu passado e como o mundo vem sofrendo mudanças em todos seus âmbitos. Numa discussão acalorada, qualquer sinal de que alguém está prestes a superar a linha horizontal que diferencia todos - e ao mesmo tempo ignora qualquer verticalidade evolutiva/involutiva geral - é prontamente rejeitado. Pois tudo é relativo, e quem tenta rebater esse argumento (de energia aparentemente infindável) é vencido pelo próprio conceito que critica.

É inegável que existe uma profunda verdade no consenso da maioria: o relativismo existe. Uma cidade quente para um pode ser fria para outro; o que é belo para uma cultura ou pessoa pode não sê-lo para outra; a dificuldade de aprender piano para uma criança pode ser abissal, enquanto outra pode assimilar e executar sem suor os noturnos de Chopin em poucos dias; a quantia de dinheiro para alguém levar uma vida confortável pode variar infinitamente; e por aí vai. Ao mesmo tempo, percebe-se que, apesar de ser uma realidade deste mundo (presente, insisto), essa equação não fecha. Porque quando todos ou muitos se armam com essa ideia e vão para a batalha psicológico-verbal, uma trajetória circular infinita se consolida (um termo definido como 'loop' infinito pelos programadores). Tudo se justifica. Tudo se pode. Apesar de racionalmente ser incapaz de vencer mentes ágeis e estudadas, uma pessoa de bom senso sabe que não é bem por aí.

Diagrama gráfico que sintetiza o fenômeno evolutivo
Observar a História permite revivermos os grandes acontecimentos que marcaram época, além de sentirmos como as pessoas pensavam e agiam, compreendendo o porquê de seus atos (mesmo que infundados). Essa vivência, se for suficientemente intensa, colima numa catarse que leva o ser a perceber mudanças profundas no modo de pensar. 

Leis que antes eram aceitas por consenso geral hoje são consideradas como atos bárbaros na maioria do mundo (o apedrejamento, por exemplo); A ideia de uma Terra esférica (ou quase) era loucura para o povo há 500 anos; Negar que existem fenômenos psíquicos causados por algo que não provenha do cérebro, por exemplo, está se tornando cada dia mais estranho. A ciência avança e o imponderável de ontem começa a parecer menos delirante. Transformação. E isso faz as certezas de ontem serem vistas como observações superficiais, por ausência de referências e conhecimento da época. Isso não quer dizer que não haja verdade nelas. Simplesmente significa que a SENSIBILIDADE humana era demasiadamente baixa.

Alguém pode contestar o desenvolvimento da minha ideia original afirmando que o absoluto (passado) está se tornando relativo (vir-a-ser), conforme estou demonstrando. Isso é, a meu ver, outra observação incompleta. Eis o porquê: O absoluto de areia do passado era um conceito prematuro forjado por sociedades com menos conhecimento. Quando colocamos pontos finais em assuntos sem termos uma visão HOLÍSTICA, estes logo são apagados pelo vendaval do progresso. 

À medida que a inteligência individual e coletiva cresce, e com o início da ascensão do senso moral, as pessoas tendem a sintetizar de maneira mais sólida, tornando seus absolutos - suas ideias e teorias gerais - menos susceptíveis à erosão dialética. Mas com o aumento de pessoas atingindo tal patamar, forma-se uma série desses "absolutos" (absolutos em relação ao passado, relativos em relação ao presente) que se chocam - se não por via verbal, por outros meios: via não-convivência, via postura política, social, etc. Logo, tudo passa a ser relativo.

No entanto - e cada vez mais acredito nisso - o chocar dos pensamentos geram como produto ao longo das gerações sínteses, que nada mais são do que a ideia-filha, mais completa, mais depurada, mais elevada e portanto mais capaz de conquistar mentes e ser fonte para evolução.

Agora, o X da questão.

Existem pessoas visionárias (como Vitor Hugo, Jesus, São Francisco, Pietro Ubaldi, Albert Einstein, Galileu, Dostoievski,...) que vislumbram essas ideias além-do-presente. Vêem com dificuldade, mas sabem explicá-las - apesar de raríssimos terem o saber e a paciência de acompanhar até o final. No entanto, percebem muito mais do que a média culta da humanidade, cega a elas. E devem se consolar observando suas teorias se encaixarem perfeitamente a cada passo doloroso e ineficaz que seus semelhantes negadores do progresso dão. 

Queda e Salvação.
 Aqui não se trata de condenar, e sim constatar um dinamismo sutil que impera em nossas vidas.

Com isso percebe-se que existe um absoluto, mas ninguém atingiu-o ainda. No entanto, não podemos negar que: 

(1) existem mentes que se destacam na verticalidade evolutiva; 

(2) a grande maioria, imersa na unidimensionalidade horizontal, adota uma visão emborcada desses seres, classificando-os como diferentes em seu plano, mas nunca como guias.

O problema não está na existência de um absoluto. O grande mal está no instinto nefasto que temos de usá-lo para gerarmos classificações em nosso próprio plano evolutivo, denegrindo cada vez mais a possibilidade dessa ideia ser aceita.

Esse ensaio foi apenas a gênese de um pensamento muito mais profundo.

Para quem se interessar pelo assunto recomendo o estudo do livro "QUEDA E SALVAÇÃO", de P. Ubaldi.

A ascensão exige o desapego de conceitos antigos.


quarta-feira, 13 de agosto de 2014

É CHEGADO O TEMPO DAS CIÊNCIAS HUMANAS?

O preconceito é uma chaga da humanidade. Parece automático e intrínseco da nossa espécie. Tendemos a tirar conclusões a respeito de qualquer fenômeno, objeto, pessoa, povo ou teoria baseado em poucas e duvidosas referências. E sem querer nada mais – é muito cansativo correr atrás da verdade.

Brincadeiras e diversões podem ser consideradas saudáveis até o ponto em que suas conseqüências comecem a entravar as possibilidades dos outros se manifestarem. Ou inibam a difusão de um pensamento. Ou desqualifiquem um ramo do conhecimento.

Leandro Karnal. Historiador.Professor da Unicamp.
Comentarista do Jornal da Cultura. Apresentou-se
inúmeras vezes no Café Filosófico da CPFL Cultura.
Durante meus anos de faculdade de engenharia tive o (des)prazer de vivenciar o que era a “superioridade” da área da qual eu acabara de me tornar um membro: Engenharia, ramo das Ciências Exatas. Parecia que era nosso dever ter a crença de que a área tecnológica fosse um fim em si mesmo, e nada mais importava. Aliás, segundo alguns docentes (e discentes), alguns departamentos eram um entrave ao progresso do mundo.

Devo confessar que à primeira vista essa sensação existente e transmitida (indiretamente) era algo integrativo e legal. Haviam muitas piadas dos “sub-cursos”: todos aqueles que não eram engenharia. Quanto menos relacionados ao nosso, menor o conceito e classificação no grupo, e mais criativas as piadas. O senso de distanciamento era bem desenvolvido. E tinha um traje sedutor...

No entanto, a partir de um momento, percebi que existiam pessoas – muitas delas “inteligentes”...pelo menos segundo os critérios de avaliação predominantes – que desconsideravam por completo a CONTRIBUIÇÃO (passado), a IMPORTÂNCIA (presente) e o POTENCIAL (futuro) das Ciências Humanas, classificando-as como uma área de “grevista”, “vagabundo” ou de seres “pouco dotados de inteligência” e etc. E a Filosofia igualmente – esta era reservada para aqueles que queriam puxar um fumo e não fazer nada de concreto da vida. As classificações eram várias. O conhecimento do outro lado do muro, quase nulo.

De qualquer forma, essa desconsideração – que não era de todos, vale ressaltar – começou a entrar em choque com minhas ideias e iam contra um processo de maturação interior iniciado na adolescência. Conflito interno. Dúvida. E depois: mais observações.

Arlene Clemesha. Historiadora.
Professora de História Àrabe na USP.
A mentalidade era predominante e continuava. Eu discordava – em silêncio, claro. “Será que eu era louco?”, pensei. “Será que todo processo de pensamento que estava em pleno desenvolvimento dentro de mim não era mais do que uma perda de tempo? Uma ilusão?” Afinal de contas, muitos engenheiros que possuíam argumentos (aparentemente) bem calculados e elegantes tinham o boletim recheado de notas altas (eu era um aluno mediano).

Os anos passaram, eu me formei. E finalmente fui convencido...do contrário. Passei a intuir que as Ciências Humanas e a Filosofia podem (podem) ser o elemento responsável pelo início de um processo evolutivo sem precedentes. O fundamento para a edificação de uma nova sociedade. Algo sem precedentes – o que se julga esgotado pode estar prestes a nascer...basta abrirmos os livros de História. Um processo de unificação.

Mas antes preciso explicar melhor uma cadeia que se esboça na minha mente .

A Tecnologia nasce da necessidade de aplicação das Ciências Naturais.
As Ciências Naturais nascem da Filosofia.

FILOSOFIA → CIÊNCIAS NATURAIS → TECNOLOGIA

Então me pergunto:

O que nasceu (ou nascerá) da necessidade (?) de aplicação das Ciências Humanas?

FILOSOFIA → CIÊNCIAS HUMANAS → ?

O ponto de interrogação pode ser uma mera quimera. Isto é, uma divagação minha, sem sentido algum - inclusive há boas chances disso. No entanto, o (relativo) tempo livre, a (relativa) energia e um (absoluto) impulso interno me levam a expor e desenvolver esse germe de pensamento.

Vladimir Safatle. Filósofo. Professor titular da USP.
Pianista nas horas livres. 
Todo efeito tem uma causa. 

Logo:

Todo efeito inteligente tem uma causa inteligente.

A inteligência é um atributo do espírito. Daí se deduz que toda criatura com alma possui a dita cuja. Os humanos - em tese - tem o mérito de ser a espécie proprietária das faculdades intelectuais mais desenvolvidas. Chegamos à razão (e uns poucos já desenvolvem a intuição). E basta observar: todo fenômeno que envolve inteligência (humanos) é mais complexo do que aqueles que não envolvem (processos físicos e químicos, por exemplo). Eis o porquê do estudo das ciências naturais ser altamente permeado pela matemática, ao passo que nas ciências humanas, o casamento é mais laborioso. Para quem compreendeu o mecanismo biológico-evolutivo dos seres isso é fácil de compreender.

Pietro Ubaldi (sempre, quase sempre ele...) fez questão de imprimir em suas obras um processo chamado de “construção de grandes unidades coletivas”. Trata-se de uma (re)organização de toda forma de vida. Do micro ao macro. Em ciclos.

Reparem bem: para possuirmos um sistema justo necessitamos de comunidades justas. E para construirmos comunidades justas precisamos de grupos coesos e bem orientados. Justos. E para isso precisamos que cada ser vivo, especialmente os humanos, – por terem a inteligência mais desenvolvida – esteja organizado por DENTRO.

Darcy Ribeiro. Antropólogo.
Desmistificou conceitos em relação à educação
e aos índios no Brasil.
Tudo parte do problema biológico. Um organismo saudável espiritualmente, mentalmente e fisicamente evolui. Quando isso ocorre ele pode começar a atuar construtivamente externamente, auxiliando os demais, mostrando os métodos e revelando as verdades ocultas – mas sempre cuidando para que sua evolução interna continue em processo. Não chegamos ao ponto final (Deus). Logo, engessar jamais.

Por essa razão acredito que as Ciências Humanas, aliadas ao desejo de sociabilidade, serão um dos agentes responsáveis pela gestação de uma nova “tecnologia”. Um modo de atuação que é mais focado em COMPORTAMENTO do que em invenções. Uma invenção interna, pode-se dizer.

Não sou muito de jogos, mas faço esta aposta.

Se errada, tudo bem (é só um texto).


Se acertada, o vencedor não serei eu nem você nem a humanidade. Será o planeta.

sábado, 9 de agosto de 2014

DOIS TIPOS DE UTOPIA

Muitos realistas aparentes são utópicos de fato. Isto é, utópicos no mal sentido. Eles acreditam que é possível organizar uma sociedade pacífica com sistemas falidos e indivíduos desagregadores - como eles próprios. Por outro lado, muitos utópicos (aparentes) são realistas de fato. São pessoas que compreendem o estado calamitoso em que se encontra a humanidade, e tentam demonstrar que a única forma de atingir uma convivência menos dolorosa é transformando a substância das pessoas - que por sua vez levará a um novo sistema coletivo.

Enquanto o pseudo-realista (tido como realista em nosso mundo) crê que o elemento material é tudo que existe e se resolve em si, o realista (tido como utópico em nesse mesmo mundo) crê - e no fundo sabe - que o elemento espiritual é o que importa, sendo portanto capaz de reorganizar o material. Esse simples modo de conceber a vida e seus fenômenos gera um tipo biológico completamente diverso do comum. E ambos convivendo se revelam altamente contrastantes. Mas ao mesmo tempo relacionados.

O ser que atua objetivando desenvolvimento espiritual passou por inúmeras existências dolorosas, experimentando os prazeres efêmeros e ilusórios da matéria. É um ser mais - digamos - antigo e sofrido. Ele compreende o porquê de seu irmão "realista" buscar fervorosamente a matéria como um fim e rejeitar a vertente espiritual da existência. Enquanto o primeiro já passou por essa fase o segundo a vivencia. Este ignora o futuro e se espelha no passado. Aquele sente (e sabe!) que existe novidades à frente, e dá o devido peso aos três tempos, de modo que sua existência seja um FLUXO.

Utopia: rever os conceitos baseado na substância.
Internalizar erros para preparar a ascensão.
O ser espiritual passou a barreira do auto-conhecimento. Ele percebe claramente a dinamicidade da vida e a interconexão dos fenômenos do Universo. Isso agiliza seu pensamento e aflora seus sentimentos. Esses novos patamares são inconcebíveis para o mundo terrestre. E portanto, diagnosticados como doença pelo “establishment”.

O que torna a mudança lenta é o simples fato de sermos incapazes de vislumbrar um modo de vida mais elevado. É acreditarmos que vivemos numa era que atingiu seu máximo e só nos resta construir o Paraíso com os nossos sistemas, as nossas ferramentas e a nossa mentalidade. Isso sim é uma utopia. Na forma mais ingênua e nociva.

As experiências contemporâneas comprovarão que os utópicos do presente tem mais verdades do que ingenuidades. Mais ciência do que suposições. Mais amor do que ódio. Mais ordem do que caos. Mais salvação do que perdição. Mais verdades do que mentiras.

Nessa conclusão (firme, mas não definitiva) cheguei graças a uma série de constatações. Minuto a minuto. Em todos os ambientes e em todos os estudos. Isso simplesmente relacionando diferentes saberes. Aplicando uma teoria em uma prática inesperada, e observando os efeitos lentos mas consistentes, comprovando assim a unidade do Universo.

Creio que chegou o momento de redefinirmos os conceitos que enraizamos ao longo da vida (ou, para quem crê, das vidas).

Para nos libertarmos.


De nós mesmos...

A GÊNESE DA VERDADEIRA DEMOCRACIA (ou a mais verdadeira que tivemos até hoje)

Vivemos numa democracia? Existe alguma sociedade democrática? Já houve? Democracia é sair a cada 2 anos e votar, apertando alguns botões (ou escrever num papel)? Democracia se resume a ver alguns debates políticos, ler algumas propostas, e com base nisso – e na opinião “pública” – decidir em quem votar? Democracia é algo que vivenciamos a cada 2 ou 4 anos, pontualmente, e depois deixamos na gaveta e ficamos na expectativa de que o simples apertar de botões faça efeito em nossas vidas? É isso democracia?

O conceito de democracia é muito antigo. Remonta aos gregos antigos. Demo = povo. Cracia = governo. A definição é cristalina: Governo do povo. Trata-se de um ideal. As teorias já foram estabelecidas há 25 séculos. Em detalhe. No entanto, implementar essas teorias - esse ideal - parece tão distante há 2500 anos quanto agora, em plena era tecnológica. Séculos de vivência e conhecimento não foram capazes de estimular a implementação de uma verdadeira democracia.

Democracia implica que todos, independente de sua classe social, etnia, credo, gênero, origem ou profissão tenham VOZ. É participação. É um processo em que todos agem continuamente no dia-a-dia, expondo suas idéias e ideais e sentimentos da forma que melhor lhes convier, num espaço adequado. E que os outros escutem e reflitam sobre o tema. Trata-se de um processo de difícil construção mas sólida edificação. Um processo que deve ser inspirado nas teorias já formuladas e o desejo - sempre presente no íntimo - de construir um mundo melhor. Para nós e aqueles que virão - o país cuja prática mais se aproxima das teorias estabelecidas pelos filósofos gregos se chama Islândia [1].

O povo islandês atuando organicamente: indícios da
nova civilização do terceiro milênio?
Desejar um mundo melhor exige uma MANIFESTAÇÃO de cada ser que tenha esse sentimento. Deixar que uma pessoa com um desejo assim não tenha um recipiente para colocar suas idéias é ignorar os problemas dos indivíduos. Indivíduos que, em seu conjunto, formam a sociedade.

E quando digo ter voz, me refiro a um processo calcado no RESPEITO às diversas opiniões e formas de manifestá-las (há quem se expresse melhor via escrita, símbolos, música, fala, diagramas, etc).

Ter voz não é apenas ter a permissão de falar.
Ter voz é ter seus pensamentos ESCUTADOS, CONSIDERADOS e REFLETIDOS e (se convier) ACATADOS pelos outros. Não precisa ser todo mundo, mas uma gama de pessoas com interesses específicos em comum. Relacionados direta ou indiretamente. E isso demanda uma certa dose de sensibilidade.

Mas nem mesmo considerando o simples, veloz e quase mecânico pressionar de botões, podemos afirmar que vivemos numa sociedade democrática. No Brasil e no mundo.

É fato que o povo das democracias ocidentais possuam mais voz do que países com governos ditatoriais. Por outro lado, muitos desses países com aparatos autoritários chegaram - ou se mantiveram - nesse estado graças a intervenções externas. Interferências geralmente oriundas de países que hoje são exemplos de democracia – tem um grande país que se autointitula “a maior democracia do planeta” que apoiou mais de 50 golpes de estado desde o fim da 2a guerra...

É interessante. Parece que a democracia de um povo em muitos casos se forja às custas da submissão de outro (mais pobre) a um governo ditatorial. Pode não ser uma relação direta, mas a correlação se faz presente em muitos casos. Em maior ou menor grau. Apoiar ditaduras em "defesa" da democracia. Discurso comum. Discurso manjado. Porque supostamente o povo do país “ameaçado” não quer que as coisas “desandem”. A intervenção é justificada por uma série de meios de comunicação “imparciais” e um exército de “experts” com as palavras na ponta da língua.

Creio que o povo que tenha dado um passo importante (e ousado!) rumo a uma democracia direta – a democracia em sua plenitude – foi o islandês. A magnitude criativa do acontecimento é inversamente proporcional à sua propagação pelos meios de comunicação brasileiros (e do mundo, talvez)*.

Revolução insignificante para a mídia. Insignificante por
ser a aplicação do que ela tanto prega e pouco aplica?
Apesar de ser um país repleto de particularidades que facilitem uma articulação efetiva do povo (pouca população, povo instruído, homogeneidade e tempo livre...para pensar) a Islândia – ou melhor, seu povo – revela uma vontade presente de modo pulverizado em indivíduos ao redor do globo: a de serem representados por seus governos e (consequentemente) impedir o avanço funesto de corporações que só visam satisfazer “necessidades” do mercado.

Muitas pessoas, crentes que vivemos numa era pós-ideológica, – ou seja, que creem que o sistema político-econômico atual não é passível de transformação, porque é julgado perfeito – podem afirmar que a Islândia, com sua atitude, causou instabilidades no mundo (pobres banqueiros!).

Sobre isso tenho quatro coisas a dizer:

  1. A Islândia possui apenas 320 mil habitantes, o que pode reforçar o argumento de que transformações desse tipo só são possíveis em sociedades do tipo. No entanto, exceto pela sua população diminuta, a Islândia tem instituições e organizações estruturadas como em qualquer outro país, revelando uma identidade com o resto do mundo. Além disso, devemos nos lembrar que muitas políticas ou experimentos sociais (ou científicos), antes de serem implementados em larga escala, tem um projeto-piloto (ou são testadas em laboratório). Para essa expansão (micro → macro) é necessária uma criatividade política. O impressionante é que nenhuma discussão nesse sentido foi ou é feita ao redor do mundo. Simplesmente assistimos passivos dizendo “que bonito” ou “que radical” ou frases que logo caem no esquecimento;
  1. Existe um mantra neoliberal que seduziu (ou convenceu) grande parcela das pessoas ao redor do mundo – muitas delas, infelizmente, pós-graduadas... – que afirma que um país ou pessoa sempre deve pagar as dívidas. Até aí tudo bem. O único detalhe é que geralmente esse ensinamento é (ou não) lembrado em situações bizarras como:
(a) quando se pede para um povo pagar por um GASTO QUE ELE NÃO
CONTRAIU, via Estado, em forma de contenção de gastos sociais, para que uma
empresa (obteve recursos de forma ilícita) não quebrar;

(b) quando uma corporação (industrial ou financeira) drena recursos ou explora mão-de-obra
de uma localidade ilegalmente (ou “legalmente”, via influência econômica sobre
governos passíveis de corrupção), causa males ambientais e não se responsabiliza pelos
mesmos. Em suma: não paga o que deve (reparação do mal feito).
  1. Mesmo assumindo que a dívida islandesa fosse justa (o que significa que o povo tivesse captado diretamente recursos dos bancos ingleses e holandeses), sabe-se cada vez mais que uma pessoa com uma dívida muitas vezes superior a sua renda será incapaz de pagá-la e se recuperar. Anula-se assim qualquer possibilidade de ter uma pessoa ou povo em condições de gerar bem-estar e se desenvolver em todas vertentes. É anti-cristão (Jesus perdoou as dívidas...) e incompatível com as próprias leis econômicas. Só quem é cego mental não enxerga a incompatibilidade das políticas de austeridade com o progresso econômico e social do globo;
  1. Mudar o sistema político vigente sempre implica em causar instabilidades. E convenhamos, não gostamos de instabilidades. Mas nesses momentos vale recorrermos aos livros de História. Toda instabilidade gerou mudanças de paradigmas a médio e longo prazo. Aliás, como tudo está relacionado, e o mercado é um fio condutor que na sua liberdade controla tudo e todos, qualquer tentativa local de reformular um modo de vida irá abalar a constelação global. Como uma onda. Isso NÃO SIGNIFICA que essa iniciativa seja ruim. Muito pelo contrário: ruim é a mentalidade predominante engessada que se julga dinâmica.
Poder para o povo, aos poucos, continuamente, firmemente.
A democracia direta é tão mais um ideal enquanto as mentes permanecerem em seu estado de conforto e submissão. E cada vez menos ideal (no bom sentido) e mais próxima do real para as mentes que tem coragem de dizer o que pensam. E conseguem conceber uma organização coletiva mais orgânica e fraterna.

Podemos começar a construir um mundo melhor simplesmente colocando certos assuntos em pauta. Assuntos pouco comentados em sua essência.

É um começo simples.

E poderoso...


* https://www.youtube.com/watch?v=um02I6Fkv2s