O
preconceito é uma chaga da humanidade. Parece automático e
intrínseco da nossa espécie. Tendemos a tirar conclusões a
respeito de qualquer fenômeno, objeto, pessoa, povo ou teoria
baseado em poucas e duvidosas referências. E sem querer nada mais –
é muito cansativo correr atrás da verdade.
Brincadeiras
e diversões podem ser consideradas saudáveis até o ponto em que
suas conseqüências comecem a entravar as possibilidades dos outros
se manifestarem. Ou inibam a difusão de um pensamento. Ou
desqualifiquem um ramo do conhecimento.
Leandro Karnal. Historiador.Professor da Unicamp. Comentarista do Jornal da Cultura. Apresentou-se inúmeras vezes no Café Filosófico da CPFL Cultura. |
Durante
meus anos de faculdade de engenharia tive o (des)prazer de vivenciar
o que era a “superioridade” da área da qual eu acabara de me
tornar um membro: Engenharia, ramo das Ciências Exatas. Parecia que
era nosso dever ter a crença de que a área tecnológica fosse um
fim em si mesmo, e nada mais importava. Aliás, segundo alguns
docentes (e discentes), alguns departamentos eram um entrave ao
progresso do mundo.
Devo
confessar que à primeira vista essa sensação existente e
transmitida (indiretamente) era algo integrativo e legal. Haviam
muitas piadas dos “sub-cursos”: todos aqueles que não eram
engenharia. Quanto menos relacionados ao nosso, menor o conceito e
classificação no grupo, e mais criativas as piadas. O senso de
distanciamento era bem desenvolvido. E tinha um traje sedutor...
No
entanto, a partir de um momento, percebi que existiam pessoas –
muitas delas “inteligentes”...pelo menos segundo os critérios de
avaliação predominantes – que desconsideravam por completo a
CONTRIBUIÇÃO (passado), a IMPORTÂNCIA (presente) e o POTENCIAL
(futuro) das Ciências Humanas, classificando-as como uma área de
“grevista”, “vagabundo” ou de seres “pouco dotados de
inteligência” e etc. E a Filosofia igualmente – esta era
reservada para aqueles que queriam puxar um fumo e não fazer nada de
concreto da vida. As classificações eram várias. O conhecimento do
outro lado do muro, quase nulo.
De
qualquer forma, essa desconsideração – que não era de todos,
vale ressaltar – começou a entrar em choque com minhas ideias e
iam contra um processo de maturação interior iniciado na
adolescência. Conflito interno. Dúvida. E depois: mais observações.
Arlene Clemesha. Historiadora. Professora de História Àrabe na USP. |
A
mentalidade era predominante e continuava. Eu discordava – em
silêncio, claro. “Será que eu era louco?”, pensei. “Será que
todo processo de pensamento que estava em pleno desenvolvimento
dentro de mim não era mais do que uma perda de tempo? Uma ilusão?”
Afinal de contas, muitos engenheiros que possuíam argumentos
(aparentemente) bem calculados e elegantes tinham o boletim recheado
de notas altas (eu era um aluno mediano).
Os
anos passaram, eu me formei. E finalmente fui convencido...do
contrário. Passei a intuir que as Ciências Humanas e a Filosofia
podem (podem) ser o elemento responsável pelo início de um processo
evolutivo sem precedentes. O fundamento para a edificação de uma
nova sociedade. Algo sem precedentes – o que se julga esgotado pode
estar prestes a nascer...basta abrirmos os livros de História. Um
processo de unificação.
Mas
antes preciso explicar melhor uma cadeia que se esboça na minha
mente .
A
Tecnologia nasce da necessidade de aplicação das Ciências
Naturais.
As
Ciências Naturais nascem da Filosofia.
FILOSOFIA
→ CIÊNCIAS NATURAIS → TECNOLOGIA
Então
me pergunto:
O
que nasceu (ou nascerá) da necessidade (?) de aplicação das
Ciências Humanas?
FILOSOFIA
→ CIÊNCIAS HUMANAS → ?
O
ponto de interrogação pode ser uma mera quimera. Isto é, uma
divagação minha, sem sentido algum - inclusive há boas chances
disso. No entanto, o (relativo) tempo livre, a (relativa) energia e
um (absoluto) impulso interno me levam a expor e desenvolver esse
germe de pensamento.
Vladimir Safatle. Filósofo. Professor titular da USP. Pianista nas horas livres. |
Todo
efeito tem uma causa.
Logo:
Todo
efeito inteligente tem uma causa inteligente.
A
inteligência é um atributo do espírito. Daí se deduz que toda
criatura com alma possui a dita cuja. Os humanos - em tese - tem o
mérito de ser a espécie proprietária das faculdades intelectuais
mais desenvolvidas. Chegamos à razão (e uns poucos já desenvolvem
a intuição). E basta observar: todo fenômeno que envolve
inteligência (humanos) é mais complexo do que aqueles que não
envolvem (processos físicos e químicos, por exemplo). Eis o porquê
do estudo das ciências naturais ser altamente permeado pela
matemática, ao passo que nas ciências humanas, o casamento é mais
laborioso. Para quem compreendeu o mecanismo biológico-evolutivo dos
seres isso é fácil de compreender.
Pietro
Ubaldi (sempre, quase sempre ele...) fez questão de imprimir em suas
obras um processo chamado de “construção de grandes unidades
coletivas”. Trata-se de uma (re)organização de toda forma de
vida. Do micro ao macro. Em ciclos.
Reparem
bem: para possuirmos um sistema justo necessitamos de comunidades
justas. E para construirmos comunidades justas precisamos de grupos
coesos e bem orientados. Justos. E para isso precisamos que cada ser
vivo, especialmente os humanos, – por terem a inteligência mais
desenvolvida – esteja organizado por DENTRO.
Darcy Ribeiro. Antropólogo. Desmistificou conceitos em relação à educação e aos índios no Brasil. |
Tudo
parte do problema biológico. Um organismo saudável espiritualmente,
mentalmente e fisicamente evolui. Quando isso ocorre ele pode começar
a atuar construtivamente externamente, auxiliando os demais,
mostrando os métodos e revelando as verdades ocultas – mas sempre
cuidando para que sua evolução interna continue em processo. Não
chegamos ao ponto final (Deus). Logo, engessar jamais.
Por
essa razão acredito que as Ciências Humanas, aliadas ao desejo de
sociabilidade, serão um dos agentes responsáveis pela gestação de
uma nova “tecnologia”. Um modo de atuação que é mais focado em
COMPORTAMENTO do que em invenções. Uma invenção interna, pode-se
dizer.
Não
sou muito de jogos, mas faço esta aposta.
Se
errada, tudo bem (é só um texto).
Se
acertada, o vencedor não serei eu nem você nem a humanidade. Será
o planeta.
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