Vivemos numa
democracia? Existe alguma sociedade democrática? Já houve?
Democracia é sair a cada 2 anos e votar, apertando alguns botões
(ou escrever num papel)? Democracia se resume a ver alguns debates
políticos, ler algumas propostas, e com base nisso – e na opinião
“pública” – decidir em quem votar? Democracia é algo que
vivenciamos a cada 2 ou 4 anos, pontualmente, e depois deixamos na
gaveta e ficamos na expectativa de que o simples apertar de botões
faça efeito em nossas vidas? É isso democracia?
O conceito de
democracia é muito antigo. Remonta aos gregos antigos. Demo =
povo. Cracia = governo. A definição é cristalina: Governo
do povo. Trata-se de um ideal. As teorias já foram estabelecidas há
25 séculos. Em detalhe. No entanto, implementar essas teorias - esse
ideal - parece tão distante há 2500 anos quanto agora, em plena era
tecnológica. Séculos de vivência e conhecimento não foram capazes
de estimular a implementação de uma verdadeira democracia.
Democracia implica que
todos, independente de sua classe social, etnia, credo, gênero,
origem ou profissão tenham VOZ. É participação. É um processo em
que todos agem continuamente no dia-a-dia, expondo suas idéias e
ideais e sentimentos da forma que melhor lhes convier, num espaço
adequado. E que os outros escutem e reflitam sobre o tema. Trata-se
de um processo de difícil construção mas sólida edificação. Um
processo que deve ser inspirado nas teorias já formuladas e o desejo
- sempre presente no íntimo - de construir um mundo melhor. Para nós
e aqueles que virão - o país cuja prática mais se aproxima das
teorias estabelecidas pelos filósofos gregos se chama Islândia [1].
O povo islandês atuando organicamente: indícios da nova civilização do terceiro milênio? |
Desejar um mundo melhor
exige uma MANIFESTAÇÃO de cada ser que tenha esse sentimento.
Deixar que uma pessoa com um desejo assim não tenha um recipiente
para colocar suas idéias é ignorar os problemas dos indivíduos.
Indivíduos que, em seu conjunto, formam a sociedade.
E quando digo ter voz,
me refiro a um processo calcado no RESPEITO às diversas opiniões e
formas de manifestá-las (há quem se expresse melhor via escrita,
símbolos, música, fala, diagramas, etc).
Ter voz não é apenas
ter a permissão de falar.
Ter voz é ter seus
pensamentos ESCUTADOS, CONSIDERADOS e REFLETIDOS e (se convier)
ACATADOS pelos outros. Não precisa ser todo mundo, mas uma gama de
pessoas com interesses específicos em comum. Relacionados direta ou
indiretamente. E isso demanda uma certa dose de sensibilidade.
Mas nem mesmo
considerando o simples, veloz e quase mecânico pressionar de botões,
podemos afirmar que vivemos numa sociedade democrática. No Brasil e
no mundo.
É fato que o povo das
democracias ocidentais possuam mais voz do que países com governos
ditatoriais. Por outro lado, muitos desses países com aparatos
autoritários chegaram - ou se mantiveram - nesse estado graças a
intervenções externas. Interferências geralmente oriundas de
países que hoje são exemplos de democracia – tem um grande país
que se autointitula “a maior democracia do planeta” que apoiou
mais de 50 golpes de estado desde o fim da 2a guerra...
É interessante. Parece
que a democracia de um povo em muitos casos se forja às custas da
submissão de outro (mais pobre) a um governo ditatorial. Pode não
ser uma relação direta, mas a correlação se faz presente em
muitos casos. Em maior ou menor grau. Apoiar ditaduras em "defesa"
da democracia. Discurso comum. Discurso manjado. Porque supostamente
o povo do país “ameaçado” não quer que as coisas “desandem”.
A intervenção é justificada por uma série de meios de comunicação
“imparciais” e um exército de “experts” com as palavras na
ponta da língua.
Creio que o povo que
tenha dado um passo importante (e ousado!) rumo a uma democracia
direta – a democracia em sua plenitude – foi o islandês. A
magnitude criativa do acontecimento é inversamente proporcional à
sua propagação pelos meios de comunicação brasileiros (e do
mundo, talvez)*.
Revolução insignificante para a mídia. Insignificante por ser a aplicação do que ela tanto prega e pouco aplica? |
Apesar de ser um país
repleto de particularidades que facilitem uma articulação efetiva
do povo (pouca população, povo instruído, homogeneidade e tempo
livre...para pensar) a Islândia – ou melhor, seu povo – revela
uma vontade presente de modo pulverizado em indivíduos ao redor do
globo: a de serem representados por seus governos e
(consequentemente) impedir o avanço funesto de corporações que só
visam satisfazer “necessidades” do mercado.
Muitas pessoas, crentes
que vivemos numa era pós-ideológica, – ou seja, que creem que o
sistema político-econômico atual não é passível de
transformação, porque é julgado perfeito – podem afirmar que a
Islândia, com sua atitude, causou instabilidades no mundo (pobres
banqueiros!).
Sobre isso tenho
quatro coisas a dizer:
- A Islândia possui apenas 320 mil habitantes, o que pode reforçar o argumento de que transformações desse tipo só são possíveis em sociedades do tipo. No entanto, exceto pela sua população diminuta, a Islândia tem instituições e organizações estruturadas como em qualquer outro país, revelando uma identidade com o resto do mundo. Além disso, devemos nos lembrar que muitas políticas ou experimentos sociais (ou científicos), antes de serem implementados em larga escala, tem um projeto-piloto (ou são testadas em laboratório). Para essa expansão (micro → macro) é necessária uma criatividade política. O impressionante é que nenhuma discussão nesse sentido foi ou é feita ao redor do mundo. Simplesmente assistimos passivos dizendo “que bonito” ou “que radical” ou frases que logo caem no esquecimento;
- Existe um mantra neoliberal que seduziu (ou convenceu) grande parcela das pessoas ao redor do mundo – muitas delas, infelizmente, pós-graduadas... – que afirma que um país ou pessoa sempre deve pagar as dívidas. Até aí tudo bem. O único detalhe é que geralmente esse ensinamento é (ou não) lembrado em situações bizarras como:
(a) quando se pede para
um povo pagar por um GASTO QUE ELE NÃO
CONTRAIU, via
Estado, em forma de contenção de gastos sociais, para que uma
empresa (obteve
recursos de forma ilícita) não quebrar;
(b) quando uma
corporação (industrial ou financeira) drena recursos ou explora
mão-de-obra
de uma localidade
ilegalmente (ou “legalmente”, via influência econômica sobre
governos passíveis
de corrupção), causa males ambientais e não se responsabiliza
pelos
mesmos. Em suma:
não paga o que deve (reparação do mal feito).
- Mesmo assumindo que a dívida islandesa fosse justa (o que significa que o povo tivesse captado diretamente recursos dos bancos ingleses e holandeses), sabe-se cada vez mais que uma pessoa com uma dívida muitas vezes superior a sua renda será incapaz de pagá-la e se recuperar. Anula-se assim qualquer possibilidade de ter uma pessoa ou povo em condições de gerar bem-estar e se desenvolver em todas vertentes. É anti-cristão (Jesus perdoou as dívidas...) e incompatível com as próprias leis econômicas. Só quem é cego mental não enxerga a incompatibilidade das políticas de austeridade com o progresso econômico e social do globo;
- Mudar o sistema político vigente sempre implica em causar instabilidades. E convenhamos, não gostamos de instabilidades. Mas nesses momentos vale recorrermos aos livros de História. Toda instabilidade gerou mudanças de paradigmas a médio e longo prazo. Aliás, como tudo está relacionado, e o mercado é um fio condutor que na sua liberdade controla tudo e todos, qualquer tentativa local de reformular um modo de vida irá abalar a constelação global. Como uma onda. Isso NÃO SIGNIFICA que essa iniciativa seja ruim. Muito pelo contrário: ruim é a mentalidade predominante engessada que se julga dinâmica.
Poder para o povo, aos poucos, continuamente, firmemente. |
A democracia direta é
tão mais um ideal enquanto as mentes permanecerem em seu estado de
conforto e submissão. E cada vez menos ideal (no bom sentido) e mais
próxima do real para as mentes que tem coragem de dizer o que
pensam. E conseguem conceber uma organização coletiva mais orgânica
e fraterna.
Podemos começar a
construir um mundo melhor simplesmente colocando certos assuntos em
pauta. Assuntos pouco comentados em sua essência.
É um começo simples.
E poderoso...
*
https://www.youtube.com/watch?v=um02I6Fkv2s
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