Quem mais
anseia por um mundo (um pouco) melhor, e compreende as contradições
mascaradas deste, inicia uma busca infinita por respostas aos
problemas mais elementares. Essas pessoas passam anos mergulhadas na
realidade da realidade. Isto é, além de viverem num mundo
inapropriado para receber suas idéias, agem de acordo com os métodos
deste, reproduzindo o que se convencionou chamar ideal, bonito e
aceitável. Mas as quedas vêm periodicamente. E com isso a
necessidade de buscar alguma distração momentânea. É a sua
natureza que é incapaz de sustentar um comportamento desse tipo.
Continuamente. Mas não há com o que se preocupar: a teimosia
sensata desses seres está sendo testada. Sua persistência no “erro”
só atestará suas percepções de que há algo faltando para que
tudo funcione de acordo com o desejo íntimo de todos, e os anos o
tornarão muito mais seletivo nas relações e nas atividades
diárias.
Os anos
passam. As experiências acumulam. Reviravoltas incríveis. A pessoa
passa a ter mais respeito por ela mesma. A calma começa a surgir.
Observar o mundo - aparentemente feliz e bem sucedido - é cada vez
mais interessante à medida que as teorias vem sendo confirmadas.
Que máscara vou usar hoje para garantir meu salário que proverá minhas necessidades? |
A
perdição no qual se encontra o mundo é mascarada de infinitas
formas, que orgulhoso teme por seus cargos, suas posses, sua imagem e
suas possibilidades materiais. A inabilidade da sociedade em lidar
com questões fundamentais (aborto, homossexualidade, sistema
político-econômico, sistema educacional, relacionamentos,
espiritualidade, religião, sexo, amor, ciência, etc) relega
assuntos fascinantes, cujo poder prático é desconhecido, às celas
escuras do silêncio e da ignorância. A isso deram o nome de
polêmica.
Polêmico
é todo aquele assunto que gera desentendimento, desagregando pessoas
- ou tendo uma alta probabilidade de causar isso. Dessa forma, via
experiências malsucedidas, convencionou-se, via gestos,
comportamentos e olhares, a nos mantermos no terreno sólido das
alegrias mundanas. Mas o ser inquieto, estranho e sensível já
compreendeu que o único meio de encontrar uma felicidade sustentável
e de substância é através da dor. Só a dor salva, por mais que
isso soe estranho. Uma dor não buscada gratuitamente, mas lidada de
forma criativa quando aparece. Uma dor-evolução, com significado e
finalidade.
Os
teatros realizados no cotidiano passam a ter uma explicação. É
compreensível, mas não soluciona as grandes questões. Problemas
que o mundo busca resolver sem desejar tocar nos pontos nevrálgicos
("disso não se fala mais", "isso é utópico",
"qualquer um faz isso", "isso é só para santos e
gênios",...) continuam insolúveis. As soluções são
temporárias e só causam instabilidades. Dessa forma alternam-se
políticas de vida na vida privada e pública, ora puxando para um
extremo, ora para outro, gerando desgastes e dores que são encarados
como males ao invés de alertas sábios. As diferenças são
encaradas como antagonistas perpétuos ao invés de verdades
complementares.
"A minha sinceridade não é compreendida." "Aliás, sou criticada justamente por ser eu mesma e dizer o que penso e sinto.Tentam arrancar uma suposta máscara porque nunca viram uma pessoa sem." |
O ser
continua observando e estudando e sentindo. Observando a cada dia, em
qualquer situação, desde o conversar das pessoas até os eventos
sociais e reuniões e diálogos, e os gestos das pessoas nas ruas; os
beijos de enamorados; as notícias; os problemas escutados de forma
fragmentada enquanto anda pela rua. Estudando para perceber a
quantidade de pontos comuns entre diversos assuntos, vendo
complementaridade ao invés de antagonismo; e sentindo o real
significado dos gestos daqueles próximos. Escuta mais, fala menos.
Passa a abraçar essa nova atitude, percebendo que lhe traz mais
soluções do que os métodos antigos.
A
serenidade lhe clareia a vista e possibilita uma nova orientação na
vida. A quantidade perde para a qualidade. As atitudes são pensadas,
reduzindo o leque de atividades. Estas são insuficientes e insossas
para a maioria. "Um desperdício de juventude" muitos
diriam. Mas os fatos suplantam os dizeres. O ser transpira calma e
conduz sua vida com uma segurança ímpar. Independência do mundo,
alinhamento com o divino. As coisas mais simples passam a ter o valor
de reinos. Seu poder é se sentir integrado a toda forma de vida e
fenômeno. Suas fontes de alegrias são inesgotáveis, pois não
perecem nem iludem. São simples e acessíveis. Não há competição
porque raros são aqueles que buscam essa tranqüilidade.
Um ciclo
se completa. Um ser aparentemente fadado ao fracasso ganha uma certa
notoriedade. A fascinação é potente. O mundo mais próximo, que o
conheceu - e julga conhecê-lo - e observou sua trajetória de
ousadias, dores, sucessos (exteriores) admira no seu íntimo sua
plenitude, sem no entanto compreendê-la. Mas é incapaz de declarar
essa admiração. E não há culpa nisso, pois as próprias pessoas
enterraram sua substância tão profundamente que relegaram esses
tipos de acontecimento ao sobrenatural. Um farol surge.
A
sinceridade toma a dianteira no comboio da vida. Ela (sinceridade),
aliada à confiança e à sede pela verdade, formará um tripé
virtuoso que guiará e alçará outras pessoas a uma trilha interior.
Quem é
honesto para com os outros e consigo mesmo estará seguro de suas
atitudes. Mesmo que seus atos sejam ousados, o ser persistirá na sua
jornada. O único freio será sua consciência recém-desperta. Não
há nada ou ninguém a quem prestar contas no mundo. Nenhum
autoridade terrena tem influência diretora. Apenas uma Lei diretora.
Que reside em cada criatura do Universo, e portanto em nossa
consciência.
Ciência,
filosofia e religião serão vistas de forma cooperativa. As relações
sociais são remodeladas. A espera passa a ter sentido. Os motivos de
ódio abrandam, cedendo lugar à compreensão, deixando a mente livre
de impurezas e energizada para o conhecimento. Um novo conceito de
vida floresce. Suficiente por si mesmo. Minimizador das necessidades
materiais. Maximizador da busca espiritual. Não se defende mais uma
ideologia, uma pessoa, um grupo, uma religião ou uma área do saber.
Defende-se o bom senso. Uma idéia sem preconceitos. Uma verdade
universal que abarca tudo e clama por espaço conceptual. Logo, quem
chegou aí não calcula ganhos ou perdas em função do que vai
dizer. Sua segurança está em sua convicção. Sua convicção foi
adquirida ao longo da vida, observando diversas realidades primeiro,
depois vivendo-as, e a seguir estudando-as, numa série de ciclos que
os sábios foram incapazes de explicar satisfatoriamente. Fez-se
necessário criar suas próprias idéias e sentir de forma diferente.
Para esse
ser existe a necessidade de fingir, como o mundo. Mas com finalidade
diversa deste, que adota a vida de ator por medo de lidar com a
substância e pela reputação da imagem; enquanto a exceção usa-a
para não ser trucidada, condenada e isolada do mundo em que vive,
usando os períodos solitários para intensificar seu contato com uma
realidade mais vasta, e se questionar e organizar as idéias que
germinam.
Trata-se
de uma luta de árduo semeio e prazerosa colheita. Mas tudo que está
sendo construído internamente terá grande utilidade prática. Num
mundo que segue uma lei maior por convicção e não por imposição.
É uma concepção diversa de mundo.
“Louco!”,
vão dizer as mentes inteligentes, bem-sucedidas e sãs. Mas mesmo
estas admitem: para ter sucesso deve-se trabalhar antes. Mesmo sem
reconhecimento ou sucesso. Mas então, qual a diferença entre o
realista e o idealista? O primeiro limita o tempo de esforço a
poucos anos. Trabalha num horizonte de anos ou décadas, no máximo.
Considera “sucesso” algo tangível aos seus sentidos – que
pouco sentem. Considera “felicidade” a posse de bems externos. É
eficiente em sua busca, mas falta-lhe orientação. Essa carência
torna sua felicidade efêmera e ilusória. O segundo considera
horizontes mais vastos e portanto trabalha com calma. Sente em
profundidade abissal, enxergando os milagres cotidianos que a vida
opera em torno dele. Glória e independência.
São duas
concepções de mundo, que levam a dois modos de agir
substancialmente diferentes. Apesar de – às vezes - na forma se
aparentarem.
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