sexta-feira, 31 de outubro de 2014

ROMPENDO A “BARREIRA DO SOM” ESPIRITUAL


Existem fases da vida que só são devidamente compreendidas e reconhecidas por nós mesmos como transformadoras após ocorrer um certo distanciamento no tempo entre nosso ser e os acontecimentos. No meio da tempestade, sob trovões e incertezas e riscos, o navegante concentra todas suas energias na sobrevivência e nenhuma na reflexão do porquê decidiu adentrar no desconhecido. Ele pode perecer ou continuar sua trajetória neste mundo. O que ditará o resultado de sua atitude inicial será: o grau de determinação em enfrentar suas consequências (coragem, fé e habilidades práticas); e o porquê de sua decisão em tomá-lá (sentimento e reflexão profundos). Apenas uma determinação férrea conduzida por um porquê profundo serão capazes de mobilizar forças interiores desconhecidas. E fazer uma ajuda do Alto – discreta, lenta e persistente – proteger por completo o frágil fio que mantém a integridade física, psíquica e moral do navegante.


Existem barrerias e barrerias que superamos na vida. A maioria de nós, mergulhados num estado de sonolência espiritual, julga ter feito grandes conquistas pelo fato do mundo as reconhecer socialmente ou economicamente. Trata-se de um julgamento que considera única e exclusivamente aquilo sentido pela grande maioria como importante. Um consenso do que é grandioso ou não. Ditado pela média dominante. E geralmente tratam-se de ganhos econômicos, metas produtivas alcançadas, promoções conquistadas, conversões de mentes, aquisição de produtos ou vitórias verbais. Nada disso se sustenta na vastidão da eternidade. Nada disso transforma o ser. Nada disso desperta as faculdades latentes do espírito. Faculdades estas cujo poder é desconhecido justamente por carecermos de sensibilidade.



Gostaria de falar sobre um tipo de superação completamente diversa daquela que estamos acostumados a ver como tal. Um aflorar de consciência que Francisco de Assis e Pietro Ubaldi passaram. E pela qual todos iremos passar algum dia.


Depois do choque: se descobrir.
 Quando nos lançamos numa empreitada devemos saber suas consequências. De modo que, ao nos lançarmos numa trajetória diferente daquela tentada pela grande maioria, contra todos os conselhos “sábios”, contra todas as possibilidades, contra todas as possíveis ajudas, precisamos ter enraizado em nossa mente a crença de que existe um novo estágio a ser atingido, que pode demorar anos ou décadas ou existências para ser sentido em sua plenitude. Formas de pensar, sentir e agir que o mundo só conhece pelas fábulas e ficções e narrativas incríveis, distantes de nós não pelo tempo ou pelo espaço, e sim pela diferença entre a nossa forma mental e aquela de seus personagens. Pessoas que no íntimo admiramos profundamente, mas nos sentimos completamente impotentes em seguir seus caminhos. Mesmo que a nosso modo. Mesmo em grau reduzidíssimo. Eis a grandeza de Franciso e Ubaldi, seres que admiro profundamente.



Experiências micro existem em quantidade cada vez mais crescente e podem ser vistas como o prelúdio de algo grandioso. Elas se dão silenciosamente, nas ruas, nas escolas, nos postos de trabalho, nas famílias, nos grupos, entre amigos,...em qualquer lugar com um mínimo de receptividade ao semeio de novas idéias.



O processo é interessante. Ele possui uma mecânica característica que pode ser sentida conscientemente por aqueles que já reconhecem a nova ciência do espírito. Eis um esboço geral do fenômeno.


As primeiras atitudes são movidas apenas após uma intensa observação do mundo, que pode durar anos. O processo todo é imperceptível e silencioso. Nesse estágio se dá a constatação dos fenômenos da vida. E as dores por não compreendê-los. O mundo fala sobre os caminhos da felicidade e não os aplica, sempre inventando problemas urgentes e infindáveis.
Receber os golpes sem desespero.


O ser, cheio de dúvidas, e sem sucesso ao lidar com o mundo que o rodeia, busca compreendê-lo. Para isso recorre aos estudos intensivos. Só que, tratando-se do campo moral, a intuição guiará a racionalidade. Assim é buscado o conhecimento, que será despido de preconceitos. As causas fundamentais dos males são o objeto de interesse, que conduzirá o ser a sondar diversos campos e absorver diferentemente experiências sonoras, visuais, gestuais, históricas, afetivas e sociais.


Num dado ponto da existência, já maduro, o ser, após ter observado exaustivamente os problemas e escutado (também exaustivamente) as soluções que nada solucionam definitivamente, decide iniciar um caminho próprio, diferente de todos. Mas respeitando as instituições, a liberdade de seus semelhantes, as correntes de pensamento e todas formas de vida.


Esse agir – encabeçado pelo binômio pensar-sentir – começará a trazer ataques nas mais variadas formas. É a primeira prova de convicção. O estranhamento tomará conta dos olhares das pessoas que convivem próximo. Após isso, a conjuntura social se plasma. Muitas conexões acabam sofrendo cisão sem nenhum motivo aparente (preconceito por desconhecimento?). Ao mesmo tempo, não há nada de efetivamente criminoso nas atitudes do ser estranho. Logo, condená-lo soa um tanto doloroso para a própria consciência da média. O resultado é que, apesar das cisões, o ser persiste e o meio se vê incapaz de lidar com um tipo biológico tão dissonante. Dissonante na horizontalidade material. Mas harmonizante com alguma entidade ou mundo desconhecido...
    
Após assaltos contínuos, é possível que alguns elementos do entorno, mais exaustos (por dedicar energias em atacar) do que o ser que recebeu os golpes, se virem para si mesmos e se questionem se não há algo de profundo naquela loucura. E assim inicia-se uma reversão. Freia-se um pouco o disco da materialidade, e como consequência acelera-se um pouco o disco formidável da espiritualidade. Um milagre sentido por raríssimas pessoas conscientemente, mas por algumas inconscientemente. 

Libertação, salvação.
 

A travessia por esse período turbulento torna o ser mais convicto de suas atitudes e crenças. Ao mesmo tempo, com uma alteração do meio, o ser passa a reforçar suas crenças e se dedica em compreender a realidade de hoje (barbárie de amanhã). E procura meios criativos de estabelecer uma ponte entre o que seu entorno tem por utopia (a realidade de amanhã) e o que é a realidade. A crença nas pessoas preenche a pequena criatura de Amor, que tão logo se sente na necessidade de repassar ao mundo (escutando, sorrindo, repensando, estudando, trabalhando, compreendo, aceitando tudo).


Essa superação é análoga à passagem da barreira do som na aerodinâmica. A proximidade cada vez maior do Mach 1 (velocidade do som) altera o regime de voo. Do subsônico chega-se ao transônico. Aquele é marcado pela suavidade, agradável a todos. Este é marcado por turbulências cada vez maiores, que assustam e levam a crer num iminente colapso. A continuidade da aceleração conduz ao Mach1. Uma explosão para todos que estão em regimes inferiores, e uma superação para quem atingiu a berreira. Este não escuta o que os outros escutam. Ele faz parte do fenômeno. Após isso o voo é suave. Atinge-se o regime supersônico.


São Francisco de Assis e Pietro Ubaldi são alguns dos seres que romperam essa barreira. E nós, para resgatarmos nossa perfeição perdida, iremos rompê-la um dia.

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