sexta-feira, 28 de julho de 2017

As Três Perguntas

Os melhores escritos, neste espaço, nasceram de uma experiência profunda de dor, amargura, paixão e explosão interior. Sempre assim. Jamais de outra forma. Parece que o combustível espiritual são os choques materiais, do mundo, em todas suas formas, desde o nível físico até ao psíquico. Apenas sob inspiração é possível despejar alguma nova visão, que seja minimamente útil para os séculos vindouros. Para o novo ser humano, regido interiormente por um novo paradigma.

Nós não compreendemos o que lemos. Nem o que estudamos. Mas o que sentimos fica marcado na alma. Imprime-se uma marca abstrata. Uma ferida profunda. Uma experiência que abala nossa vida, de tal forma a fazer-nos mudar radicalmente de comportamento, adotando uma nova postura, com orientação diversa, mais eficiente por dentro - e ineficiente por fora, do ponto de vista do mundo.

O ser humano é um mosaico de traumas, com uma miríade de obrigações, sem a menor noção de quem ele é de fato. Como um iceberg, atuamos e sentimos apenas o que está acima do nível do mar - mas não vamos além dele, mergulhando em profundidades do subconsciente que nos dita as atitudes e gestos automáticos, que consideramos herdados do meio (jamais de nós mesmos); nem alçando altitudes mais ousadas, onde a atmosfera é mais rarefeita e a existência mais sutil..Operamos no nível do consciente. Cada qual no seu nível, com sua largura de faixa. Mas todos - a imensa maioria, operando dentro de uma faixa mais ou menos igual, fazendo com que o coletivo da humanidade forme uma média férrea, que impõe leis férreas a si mesma, e penas severas para quem se encontre fora de suas unidades de medida. 

Aqueles que se encontram no sub-normal são compreendidos e enquadrados pela mentalidade hodierna (95 a 99% dos seres). Esta não enxerga o caráter evolutivo de todos biótipos. Tudo é fixo e imutável. Todas transformações já ocorreram em nosso planeta, em nossas espécies vegetais, animais, em nossa espécie,...E a natureza é imutável! É isso o que afirma a mentalidade hodierna, racional-analítica, com suas matizes e métodos. No entanto, admitir tal coisa seria um atentado ao nosso senso de bondade, de possibilidades, de transformação, de evolução.

Concebemos ideias, gestamos teorias, criamos artefatos em função de nossa escala de tempo, de nossas possibilidades presentes, e de nossos instintos (não superados ainda). Nosso subconsciente, que ainda é forte e domina o nosso consciente, que somente se desenvolveu, em larga medida, para satisfazê-lo. O instinto animal ainda domina. Vemos isso na ganância política, na arrogância da ciência, na obsessão tecnológica, na exclusão econômica, no desprezo cultural, na agressão às artes, no abuso da religião, na insensibilidade social. Quem percebe tudo isso? Poucos. Quem sente isso e vê o caminho para superar essa realidade? Pouquíssimos. Mas o conceito se espalha, porque o universo é dotado de um dinamismo, desde o átomo até o arcanjo, tudo está em evolução. Toda entidade, toda individualidade, está saturada de uma inteligência compatível à sua natureza. Cada átomo, molécula, célula, tecido, ser vivo, conceito,...tudo está impregnado de um vir-a-ser. Evolução.

O super-normal vê e sente. Logo, ele vive em outro plano. A forma de perceber as relações é diversa. A forma de atuar é estranha ao mundo. O desejo de escavar esse inconsciente, é imenso. O ímpeto dirigido à destruição de sua natureza inferior é uma explosão de paixão pelos conceitos do Alto, que tudo enquadram e consequentemente dominam, com maestria ímpar e sutileza cativante! Mas a classificação - do mundo - é semelhante àquela dada ao infra-normal: problemático a ser corrigido. Forçá-lo a um modo de vida, ao menos em algumas esferas de convivência, para não expor o mundo a sua verdadeira realidade. 

Alguém já deve ter se perguntado porque no filme Ben-Hur o diretor optou por não mostrar a face de Cristo. Essa curiosidade (vã) de ver a face de um Ser evoluído - o mais alto que passou por essa orbe - em nada nos ajuda a sermos melhores. Nos prende às aparências. De fato, Cristo terá a face que mais nos convier, de forma a estabelecer uma identificação entre aquele que adora e o objeto adorado. Aí já temos dois erros crassos: "adorar" está para culto. Culto está para forma. Forma está para aparência. Aparência oculta e engessa o ser, em seu ímpeto de auto-melhora, transformação...E "objeto" está para uso. E aquilo que se usa não é dotado de livre-arbítrio, e sim se prende às leis determinista - justamente o avesso de Cristo, Ser mais consciente entre todos que passaram pela superfície, logo, com máxima liberdade - de até mover montanhas, pelo pensamento...

Muitos se isolam pelo motivos errados. Muitos falam pouco, interagem pouco, correm atrás pouco. Pelos motivos errados, e com isso acabam alimentando medos, ódios e senso de arrogância em relação às outras formas de vida, seja conceitos, sociedade ou natureza. 

Já faz muitos meses que escrevi um ensaio que diferenciava sociabilidade da sensibilidade social. Pois está na hora de diferenciar amigabilidade a integração universal. Trata-se apenas de estender os mesmos conceitos para a natureza infra-humana e supra-humana. Ser integrado ao Todo - ou estar caminhando para isso - não implica em fazer barulho no mundo. Em participar em momentos em que se espera, da forma que muitos esperam. Em se mostrar preocupado em algo mas sem saber exatamente, à fundo, o porquê disso. Trata-se um uma ideia que exige uma leitura espiritual - jamais analítica. 

"A letra mata, o espírito vivifica." (2ª, Co 3.6 )

Todos aqueles que atingiram o vértice do pensamento, derramando em formas diversas - de melodias sublimes, quadros impressionantes ou suavizantes, equações matemáticas, conceitos filosóficos, inventos formidáveis - algo que o mundo julgava inconcebível, irrealizável, buscaram um contato mais íntimo com o silêncio trovejante. Queriam ver a luz invisível. Luz que ofusca os olhos da alma. Eleva o ser até um estado de êxtase sem par no mundo terreno. 

Conhecer a si mesmo é conhecer a lei do universo. Conhecê-la é dominá-la conceptualmente, percorrendo a trilha que não te trará as reações da Lei (de Deus). Essa é, de fato, a única lei a ser respeitada. Lei que se manifesta numa multiplicidade de outras leis, em todos níveis (espiritual, social, psíquico, biológico, físico), em todos aspectos (jurídico, científico, religioso, ético, filosófico, artístico, político, econômico) em todos tempos e em todo lugar. Até que tudo se funda num organismo uno, harmônico e orientado. Até que cheguemos ao fim dos tempos. Nesse ponto a Lei continuará a se manifestar. De forma mais elevada, em universos conceptuais, em que a vida não tem necessidade de sustentação física para existir.

Mas o que está em questão aqui é o grau de sociabilidade de um ser. Em que aspecto podemos julgar que a não-sociabilidade é patológica? Com que argumentos podemos justificar nossas ações de enquadrar um filho, um aluno, um amigo ou colega, uma personalidade famosa, numa dada categoria, e impor uma diversa para "melhoria"? Isso é uma questão difícil se não houver as perguntas certas a serem feitas. E portanto o autor teve uma visão, que partiu de vivência intensa, de altíssima voltagem, com choques e desdobramentos que por vezes levaram à exaustão. Essa visão deu as três perguntas fundamentais que qualquer um pode fazer a si mesmo antes de se classificar (reconhecer) sua anti-sociabilidade e iniciar uma aproximação (integração) com o mundo circunjacente. 

1. Eu não interajo porque tenho medo?
2. Eu não interajo porque tenho ódio?
3. Eu não interajo porque me considero superior (arrogante)?

Medo de passar por alguma situação, de ter de expor algo, de algum indivíduo, de alguma corrente de pensamento. Ódio de alguma corrente de pensamento, de algum indivíduo, de um grupo. Arrogância em relação a alguém, a tudo, a todos. Pode ser uma combinação de dois - ou os três... uma repulsa completa! A questão é fazer as perguntas a si mesmo e respondê-las honestamente, com sinceridade, pensando em sua cura, com a eliminação gradativa de traumas e superação de obstáculos. Aí inciar-se-á uma psicodiagnose. 

Quem atingiu um grau de consciência tal que pode olhar a si mesmo e ter consciência de seus defeitos, procurando enquadrá-los numa ordem maior e absorvê-los, pode fazer seu próprio tratamento, sem uso dos recursos terrenos - que muitas vezes indicam caminhos ineficazes ou equivocados, tentando por vezes enquadrar o ser numa ordem que não lhe cabe, implicando em animalização de sua natureza florescente. A psicanálise atual se preocupa em dar ao indivíduo uma "solução" aos seus problemas: aliviar-lhe a dor. Eis que voltamos aos conceitos já aqui desenvolvidos através de analogia físico-psíquica [1], e sistematizados de forma gráfica e analítica em diversos ensaios [2]. Mas se é necessário transcender uma barreira, isso significa que deve-se passar por ela. Atravessá-la. Superá-la. Não voltar atrás, deixando-a diante de você, novamente, mas mais distante - e portanto menos ameaçadora e dolorosa. 

Um dia todos teremos de passar por essa barreira, sem a qual estaremos condenados a uma dor cada vez mais intensa, até chegar ao grau de insuportabilidade humana, que é uma experiência fantástica de dor multi-cromática - que não é agradável.

As perguntas devem ser respondidas. É provável que a resposta (honesta) seja afirmativa em pelo menos um dos casos. Caso não seja, nada há a temer. Nenhuma mudança é necessária, por mais que o mundo por vezes o convide (imponha, force, exija,...) a isso. Pois tudo já está resolvido internamente. Se houver uma necessidade ou vontade de interação com o outro, a interação se dará - e assim tudo se encaixa perfeitamente.


Observações
[1] http://leonardoleiteoliva.blogspot.com.br/2014/10/rompendo-barreira-do-som-espiritual.html
[2] https://leonardoleiteoliva.blogspot.com.br/2015/03/sistematizacao-do-processo-evolutivo.html
      https://leonardoleiteoliva.blogspot.com.br/2015/03/sistematizacao-do-processo-evolutivo_27.html
      https://leonardoleiteoliva.blogspot.com.br/2015/03/sistematizacao-do-processo-evolutivo_81.html
      https://leonardoleiteoliva.blogspot.com.br/2015/03/sistematizacao-do-processo-evolutivo_28.html
      https://leonardoleiteoliva.blogspot.com.br/2015/03/sistematizacao-do-processo-evolutivo_9.html
      https://leonardoleiteoliva.blogspot.com.br/2015/03/sistematizacao-do-processo-evolutivo_81.html
      http://leonardoleiteoliva.blogspot.com.br/2015/03/sistematizacao-do-processo-evolutivo_86.html
      https://leonardoleiteoliva.blogspot.com.br/2015/03/sistematizacao-do-processo-evolutivo_40.html

sábado, 15 de julho de 2017

Os Miseráveis: Queda e Salvação

Aqueles que nasceram neste século estão sentindo, inconscientemente, o que a Sétima Arte tem de menos nobre - uso a palavra no melhor sentido do temo. Ao menos no campo das grandes produções, outrora pautadas por diretrizes mais elevadas, preocupadas em transmitir aspectos profundos da vida, revelando obras literárias monumentais, ideias e pensamentos transformadores, sentimentos indescritíveis, em forma de película. Imagens e sons. Música, gestos e atitudes. Harmonicamente ordenados, caoticamente criados. Com um fim: despertar o Ser.

Quem é Jean Valjean?
Quem é o (inspetor) Javert? 

Reduzir tais nomes a personagens fictícios, individualizados, com objetivos fixos, predeterminados, é diminuir uma das obras mais sublimes da literatura mundial. Atesta uma pobreza de observação. Uma ausência de sentimento. Uma nulificação da abstração que se encarna em palavras, personagens, atitudes e destinos complexos - que no entanto possuem diretrizes simples e cristalinas. 

Jean Valjean. Nome simples, do povo. Conjunto sonoro, harmônico. Vida sofrida, vida perdida...à princípio. Nisso é o que acredita Javert, inspetor com ideia já formada das pessoas, das instituições, do mundo...Para este homem (tipo biológico) tudo já está predeterminado. A natureza (humana ou não) não muda. É inalterável. E - cima de tudo - deve ser controlada e castigada conforme normas rígidas e (aparentemente) eficazes.


Os Miseráveis. Todos nós, aqui,
neste mundo, no estágio atual.
Mas em busca da Superação.
Valjean...produto do mundo com seus métodos intransigentes. Seu paradigma engessante. Sua saciedade infindável. Valjean...alma fantástica encoberta por ilusões que o meio lhe imprimiu. Incessantemente, intensamente, insensivelmente. E assim ele, afogado por 19 anos de trabalho duro, desumano, desgastante, endurece sua alma e nulifica sua fé ao ponto de quase morrer por descrença no homem...19 anos de misérias insuportáveis por haver quebrado um vidro e pego um pão. 19 anos de sofrimento por haver matado...sua fome.

Eis que um bispo cruza seu caminho. Dois seres, duas atuações. Um age conforme a vida lhe ensinou. Outro age conforme a inspiração lhe revelou. O resultado, inesperado, inextrincável, se sente nos olhares entre as duas lógicas: uma insistente na superação, outra agonizante na perdição - mas prestes a despertar para um mundo mais vasto! É a transformação da substância em um homem, tido como um inerme (em suas capacidades) e uma ameaça (às instituições) perante os conceitos da sociedade e do poder. Estava nosso protagonista suficientemente dilacerado exteriormente, inesgotavelmente macerado interiormente, a tal ponto de somente crer numa atuação sincera, profunda e íntima num momento inesperado. Assim se dá a mecânica dos milagres. Palavras ou teorias rebuscadas em nada lhe serviriam. Nem mesmo uma atitude pensada, calculada. Era necessário uma atitude sincera e consciente. O bispo lhe deu isso. E nunca mais Valjean - o eternamente condenado - foi o mesmo. Exceto para o inspetor Javert, encarnação perfeita do braço mais brutal do poder deste mundo: a polícia.

Durante 2 horas de projeção - rápidas como um relâmpago - acompanhamos a saga de um homem orientado e outro obcecado. O primeiro encontrou o ideal de atuação, seguindo a lei Divina. O outro se perdeu no excesso das leis humanas. E assim inicia-se uma perseguição de décadas. Sem fim previsto. Sem finalidade convincente...


Victor Hugo. Viu o telefinalismo.
E passou seu sentimento através de
uma narrativa monumental, com
personagens vivos, fora de série.
Cada cena, cada gesto, cada olhar, são reveladores. E alguns destes, inspiradores! A música capta o sentimento da alma do eterno condenado pelo mundo. Do eterno ser que sofre e ama. Chora e constrói. Um eterno batalhador pela libertação de vícios. Pela redenção. Ampara os que sofrem. Contesta os que geram sofrimento gratuito. E assim constrói sua personalidade, pouca a pouco, com suor e sangue e cansaço - mas cada vez mais convicto.

Javert é um ser que colocou toda sua crença no mundo, com todos seus métodos, leis e lógicas. Tem um conceito de ordem, é verdade. De harmonia. De sociedade ideal. Infelizmente, conceito restrito no tempo, excludente das multiplicidades desejosas de ascenderem, nem que apenas um pouco. Conceito ignorante dos efeitos de longo prazo, que se propagam como ondas com o passar dos tempos, e explodem como eventos dolorosos, sem explicação, para o mundo. Mundo tão "poderoso" e "inteligente"...O contato incessante com o outro, o "delinquente", vai sendo registrado pelo consciente do inspetor, que ignora o drama da superação. Não captou que Valjean,o homem que ele tanto busca e deseja punir, morreu após se encontrar com aquele bispo humilde...

O desenrolar dos anos tece uma obra que se torna épica. Uma obra do universo interior, com suas superações e dores, em meio a um trabalho incessante pela Salvação. A experiência interior mística intensa e eletrizante transborda na atuação ética e nos projetos edificantes. Isso é o que sentimos diante da jornada de Jean Valjean. Uma jornada bela...intensa...sincera....infinita...

Billie August consegue traduzir uma monumental obra da literatura para película. Deu vida às palavras, dando mais um passo orientado na encarnação do conceito mais elevado: o da Ascensão. E assim se aproximando (e nos aproximando) um pouco mais do infinito e do eterno, além de nossas dimensões, de nosso conceito, de nossa vivência cotidiana...E assim nos aproximamos da única e verdadeira meta: Deus.






terça-feira, 4 de julho de 2017

Duas Somas

A soma de duas quantidades dará como resultado um número predeterminado, pautado por uma férrea lógica. Isso vale para o mundo racional-analítico. Um mundo em que o método para decifrar a realidade consiste no processo de destacar as partes e/ou decompô-las em unidades compreensíveis ao intelecto. O interesse são os elementos. Neste mundo a soma é determinística. Não pode ser nada além dela mesma. Inexistem possibilidades de potencializar essa soma - ou diminui-la. É um mundo no qual a realidade deve ser adaptada ao intelecto humano - estar na sua medida. Portanto, um mundo sem conexões nem propósitos representados. 

Por outro lado, a soma de duas qualidades é indefinida à princípio. Elas possivelmente não irão dar um resultado predeterminado, e sim uma outra qualidade, que pode ser superior ou inferior. Qualidade que pode se refletir no número, claro. Porque podemos mensurar algo não-mensurável - d à princípio. Isso vale para o mundo real, pautado pela complexidade. Nele o interesse são as interconexões e - acima de tudo - o propósito. Os elementos ainda são considerados, trabalhados e valorizados. Recebem um tratamento decente, eu diria. Mas deixam de ser o eixo diretor, no qual todos conceitos, metodologias, dados, representações e melhorias orbitam. Passa-se de um mundo restrito, de resultados certos, sem alternativas, a um mundo de múltiplas possibilidades. repleto de liberdade. Liberdade bem usada se guiada pela criatividade ascensional. 

No mundo real o que domina é a qualidade.
A ciência de sistemas busca compreender
a complexidade que gera inúmeras possibilidades
sem criar nada concretamente. Eis que começamos
a perceber que o abstrato dá resultados mais
concretos do que este por si só.
Essa trindade (elementos-interconexões-propósito), que é a espinha-dorsal do pensamento sistêmico, é profundamente filosófica, apontando para o sagrado - se sentirmos do que realmente se trata. 

No volume O Sistema - Gênese e Estrutura do Universo, Ubaldi relaciona esses três atributos de sistemas aos três tipos biológicos humanos: o homem fera, o homem astuto, e o super-homem. Os dois primeiros são involuídos em relação ao último, que é evoluído em relação ao segundo; e este em relação ao primeiro. Podemos afirmar que o grau de consciência do 1º tipo é baixo, levando ao egoísmo individual violento; a do 2º tipo está na média dos nossos tempos, medido pela sua inteligência e astúcia; e a do 3º tipo é unitária, levando-o a com compreender a finalidade da vida.

Assim, podemos considerar o Universo de três modos diferentes- conforme nosso grau de consciência. Segundo Ubaldi:

"O pensamento humano pode considerar o universo de três modos diferentes:

1) Como desordenado – constituído de elementos separados, desconexos e incoerentes, que se ignoram mutuamente e não se constituem nem funcionam organicamente como uma unidade. Essa é a concepção do involuído e exprime o seu tipo, desconhecedor das profundas realidades da vida, instintivamente separatista, isolado de tudo, na concha de seu egoísmo.

2) Como ordenado – onde os fenômenos são concebidos como ligados por leis naturais, que os regulam. Esta ideia vê, assim, princípios diretivos e, portanto, uma ordem no universo, que é, pois, concebido como uma rede de relações, onde cada elemento está concatenado aos outros em seu funcionamento. Os fenômenos são coligados por derivação causal, unidos em um transformismo lógico que completa a causa no efeito. Essa concepção corresponde a um estado mais evoluído do indivíduo, que expressa o seu tipo biológico, alcança-do pela observação e raciocínio.

3) Como unitário – concepção de um universo redutível a uma causa única central e absoluta, uma realidade fundamental, origem de tudo. Aparece, assim, o conceito de uma realidade espiritual interior dirigindo a forma exterior, que constitui apenas a sua expressão ou manifestação. Não se trata somente de uma ordem, mas da centralidade dessa ordem. Revela-se, então, o conceito de organicidade do universo, em que todos os elementos componentes estão coligados em uma mesma funcionalidade orgânica. O universo é concebido, neste caso, como uma unidade coletiva, onde todas as individuações ocupam, cada uma, a devida posição, executando funções adequadas, todas coordenadas por uma lei, constituída pelo pensamento e pela vontade de Deus, que a dirige com um poder central, como senhor de tudo. O universo aparece, então, como um sistema. Essa concepção corresponde a um estado ainda mais evoluído do indivíduo, exprimindo o seu tipo, que chegou por intuição à visão de Deus e do Sistema. Aqui não se compreende apenas o conceito de ordem, como no caso precedente, mas também o conceito da centralidade dessa ordem, pelo que tudo existe em função da causa primeira, sempre o centro de tudo: Deus. Esta é a concepção do evoluído, cujo olhar espiritualizado chegou a ver além das aparências da forma. É um estado de vidência cósmica, atingido pelo espírito maduro, ao qual se revela a íntima e recôndita realidade das coisas em toda a sua magnificência."

(grifos meus)

Ou seja, podemos conceber o Universo (nossas vidas individuais e coletivas, da família a humanidade) como desordenado, ordenado ou unitário. E conforme essa concepção iremos ter uma atitude e agir em função delas, gerando o nosso destino, que tão mais valorizado (pelo Alto) será quanto mais consciente estivermos do Todo.

Fica muito clara a relação entre toda ciência de sistemas e a Obra de Pietro Ubaldi. Basta fazer uma leitura espiritual, íntima, dos conceitos. Levando em consideração os sentimentos preenchidos de boas intenções - as melhores!

O propósito forja as interconexões.
As interconexões alimentam os elementos.
Os elementos atingem o objetivo.
A complexidade é produto do livre-arbítrio. Podemos senti-lo presente em todos níveis de existência, mesmo no mundo atômico, com seu férreo determinismo. Apesar de fraquíssimo, o mundo mineral tem seu grau de consciência - a seu modo - que é baixíssimo. Á medida que subimos, passando para as formas orgânicas (vida) e desta refinamos, chegando às células nervosas e órgãos elaborados, como nosso cérebro e sistema nervoso (psiquismo), atinge-se um grau muito maior de liberdade. Aí o livre-arbítrio é mais evidente. Mas o processo continua num ritmo não-linear, em planos mais elevados. 

Nossa constituição física já chegou ao seu auge, não restando mais nada a refinar no plano material. Cabe agora o desenvolvimento das faculdades psíquicas, que abrirão as portas para o universo do espírito, cuja liberdade é infinitamente maior do que a nossa mente racional pode conceber.

Vejamos mais sobre esse 3º modo de conceber:

"Este terceiro aspecto nos mostra um universo que, embora ainda seja em parte desorganizado atualmente, está reorganizando-se; um universo que, embora em alguns pontos e momentos ainda seja hoje caótico, vive um processo de reordenação (evolução). No campo humano, esse trabalho é executado pelo homem, pelo espírito do homem, como centelha divina saída do primeiro e único motor, a única que pode ser encarregada de dar vida, movimento e desenvolvimento à matéria, por si mesma inerte e incapaz de tudo." [P. Ubaldi]

Existe uma hierarquia de comando. O princípio mais consciente, mais livre, comanda aqueles imediatamente abaixo dele, menos conscientes, mais escravos de seu estado. Isso se revela de modo magistral na vida. Mesmo numa escala de tempo que ultrapasse os limites de nossa paciência, quando percebemos que quem de fato forja o seu destino por vezes é o mais menosprezado e tido como o mais abstrato, começamos a despertar para a realidade: o abstrato age em silêncio potente e constrói (inexplicavelmente para nós) as mais altas formas de vida, organização, sistemas, ideias, por vezes em explosões vindas após uma longa incubação. Eis que o mais concreto é de fato aquilo que a mentalidade hodierna tem por abstrato - e vice-versa. A diferença está nas dimensões: o consciente supera a prisão do espaço-tempo realizando trabalhos de ascensão homéricos para subir. Ama, busca compreender, se transforma e - se possível - relata da forma mais poética e científica possível, atraindo aqueles que mais tem sede de ascensão. 

Para quem atingiu maior consciência, sua liberdade engloba melhor as circunstâncias do mundo - da qual o grosso da humanidade é refém. Somos guiados pelos de cima, que possuem liberdade para fazer valer o determinismo da Salvação, conduzindo-nos sem sabermos. Assim exercemos nossa liberdade: dentro de um determinismo maior. E assim vamos nos reordenando, milênios após milênios, até atingirmos o infinito e o eterno, rasgando a constituição ilusória do espaço-tempo e proclamando a liberdade plena, em que o espírito pode subir cada vez mais - e melhor.

É glorioso...