quarta-feira, 26 de setembro de 2018

Conservador na Matéria - Radical no Espírito

Muito se fala sobre conservadorismo e radicalidade. Pouco se percebe que não se é um ou outro por completo, na íntegra, mas um e outro em diversas vertentes da vida. Podemos ser conservadores na economia e radicais na política - ou vice-versa. Ser pessoas públicas radicais - mas conservadores na vida privada. 

Há um hibridismo na essência de agir que não é fácil distinguir. Em questões que envolvem uma articulação de temas isso fica evidente. Logo, o primeiro passo para avançar na questão é perceber essa característica.

Quando alguém nos apresenta uma realidade mais vasta, que se evidencia por todos ângulos e cresce sob o ímpeto da naturalidade, sentimos um abalo profundo em nossa alma, que se incomoda. A primeira reação é ir de encontro ao local de segurança: o terreno em que nos sentimos fortes e portanto seguros. Recorrer às nossas áreas do saber; àqueles que concordam com a gente e possuem uma sintonia próxima; apelar à História, que pode nos confortar com os fatos e processos do passado, já consolidados no tempo e cristalizados em nossos hábitos. Mas a percepção aflora com o despertar da consciência. Esta acorda com os desenvolvimentos do mundo exterior. Nossos sistemas, nossas criações, nos trazem novos dilemas e com eles novas inquietações. Não é possível ter paz no relativo. Pois paz é estabilidade e harmonia completa, ininterrupta. Pressupõe ter atingido um estado de perfeição que não pode ser melhor.

Entre dois números finitos há infinitos outros. Da mesma forma, entre planos evolutivos diversos existe uma distância infinita, que só será superada quando se abandonar a mentalidade horizontal ("morrer") para assimilar de corpo e alma uma nova, mais ampla. Para isso é preciso ascender na vertical. 

A analogia entre números ajuda a compreender que o "nunca" só será tal enquanto uma mentalidade prevalecer. Mudando nossa percepção de mundo o que era inviável se torna comum. Não se trata de expansão infinita no nível da matéria, e sim na superação da mesma, através da libertação das amarras mentais que nos prendem a ela. 

O nosso Universo é trifásico (matéria-energia-pensamento). Percebemos que a consciência supera o tempo no campo que lhe é característico (pensamento). Podemos reviver o passado através da memória. Conseguimos nos projetar no futuro, pinçando possibilidades diversas. Enquanto imaginamos, amamos, trabalhamos (de verdade!), o pensamento se desprende da mensuração temporal - não apenas conscientemente, mas subconscientemente. Não "lemos" o tempo (consciente) nem "sentimos" o tempo (subconsciente). Ao menos não de forma usual. Apesar disso o corpo está preso ao tempo, sujeito às leis da matéria, energia e entropia. Esta última é a luta incessante contra a desorganização celular que o meio nos impõe. As duas primeiras são as transformações, com fluxos e armazenamentos. 

Nesse ponto podemos nos perguntar: o que a vida pede de nós: Ser radical ou conservador?

Percebi que a resposta é: ambos e nenhum. 

Devemos ser previdentes e prudentes na matéria - e ousados e inovadores no espírito.

A matéria é inerte na sua manifestação e consolidação e requer mecanismos que permitam sua estabilidade. O espírito é dinâmico no agir e intenso no refletir e exige um pensamento ágil e um sentimento aflorado, ambos operando harmonicamente. No entanto, existe um imbricamento entre esses dois mundos. Há momentos especiais em que as explosões espirituais colocam em risco a segurança do corpo e das qualidades do mundo. E este, como reação, acaba dificultando o espírito, que se vê numa batalha titânica. Batalha interior, que força o ser reorganizar completamente seus sistemas de crenças, seus valores, a forma como sente e lida diante do inesperado. Esses são os momentos mais tensos da vida que um ser pode vivenciar neste mundo (com ele mesmo).

A vida me revelou que precisamos operar nessa dualidade para atingir o monismo. Em tudo. O que está consolidado e se revela útil deve ser preservado - e diminuído à proporção em que se conquistam novos valores. O que é incerto, novo e não-testado deve ser experimentado, discutido, elaborado, conectado e absorvido. Ser previdente para garantir que haja tempo e condições de fazer trabalhos com mais sentido, mais significado, de ordem mais elevada, que tragam uma recompensa mais forte ao ser - algo intangível mas rejuvenescedor. Com a (relativa) segurança no mundo, pode-se ousar mais no terreno do pensamento puro, permitindo uma fusão entre dois mundos em aparente antítese.

O equilíbrio é necessário para uma mais eficaz espiritualização da matéria. Imprimir valores abstratos numa vida concreta, cheia de empecilhos, normas e calcada no sensório, é tarefa exigente que demanda mobilização de habilidades diversas, passando pela comunicação escrita e oral, pela esquematização, exemplificação, pelo estudo e articulação de áreas do conhecimento para se fazer clara a ideia. Para o sentimento a tarefa vai além, mobilizando a tal grau o espírito que transmuda-se aos poucos, dolorosamente, o modo de encarar os fatos da vida. Brotam novas atitudes. Gênese de novos impulsos. Coragem inédita. Concatenação nova. Logo, resultados inéditos.

O autor sente isso ao observar sua trajetória. Percebe que adotar essa postura é eficaz. Há um quid sutil na adoção desse modo de vida, que engrandece a personalidade, reforçando-a de modo imperceptível. Torna-se capaz de absorver mais negatividade e elaborá-la de modo elegante, suave. Cuida-se das coisas do mundo. Ordem e conservação nas coisas que o mundo preza. Assim, como consequência, foge-se do que não é útil. Todos os desperdícios vão sendo eliminados. Isso é eficiência.

O medo que a sociedade apresenta vem do conservadorismo do espírito, que colima na polarização das coisas do mundo. Desequilíbrios no plano da matéria que não podem ser sanados por si só. Ficamos radicais na matéria, isto é, levamos as coisas do mundo ao extremo (a sério) e assim acabamos por nos perder num labirinto de vocábulos e pseudo-objetivos. É mister inverter essa atitude.

O terreno em que devemos avançar é o do imponderável. Às coisas do mundo, apenas o necessário. Caso contrário seremos consumidos por uma infinidade de "obrigações" que sugam os meios mais preciosos para o ímpeto evolutivo. Só há mudança quando e sente essa perda e suas reais implicações.

Isso a vida me vem mostrando de formas diversas.

É preciso ouvi-la.

terça-feira, 18 de setembro de 2018

Economia Solar para uma Civilização Iluminada

A realidade é uma só. Ela é estática. Ela não muda. Não se transforma. O que muda somos nós, humanos, à medida que nos abrimos para uma experiência de vida mais profunda, que dê uma visão mais vasta dos acontecimentos. É a nossa percepção da realidade que é dinâmica. Porque temos pontos de vista relativos, progressivos no tempo. 

Estamos diante de um modelo econômico em vias de desmoronamento. Ele estabelece as diretrizes e limites da política, que criam as regras do jogo impostas à humanidade.

A economia presente se subdivide em duas vertentes:
  • Sistema de mercado
  • Sistema monetário
Enquanto o mercado define a disponibilidade de 'recursos humanos' para o sistema produtivo fazer uso do mesmo, o circuito monetário serve como intermediário para que as pessoas consigam obter alguns recursos (essenciais ou não, a depender do grau de consciência) para a manutenção da vida. Parece racional à primeira vista. E de fato é, se considerarmos os limites nos quais esse esquema pode operar. Quais seriam esses limites?

Agir em unidade.
Se o dinheiro é o meio pelo qual as pessoas obtém os recursos básicos à vida, é natural que se busque uma atividade que ofereça-o em maior quantidade. E quem (ou o que) determina as atividades mais bem remuneradas? (pense...). Sim. O mercado. Ele determina as diretrizes do que é ou não é importante para a 'civilização', de forma que as pessoas se orientem de acordo com suas diretrizes.

A questão central que podemos colocar aqui é:

(a) qual a percepção dessa entidade (mercado) às diversas variáveis da vida e;
(b) qual sua sensibilidade às relações humanas?

Os modelos econômicos clássicos predominantes, condutores das políticas públicas, colocam o crescimento econômico (independentemente do meio de obtê-lo) e a geração de empregos (precários ou não) em primeiro plano. Porque considera-se que tendo crescimento e geração de empregos, todas as vertentes da vida serão atendidas naturalmente, como consequência: cultura, lazer, saúde, desenvolvimento, democracia, direitos humanos, pesquisa, educação, igualdade, etc. No entanto, se atentarmos para algumas sociedades, perceberemos que a partir de um ponto e a depender do meio de obtenção desse binômio (crescimento-emprego), não se gera o tão almejado desenvolvimento humano - nem a sustentabilidade.

O que se vê na Alemanha, países anglo-saxões e Espanha é um desemprego baixo [1], mas isso não significa que os empregos sejam bons, nem que os salários sejam bons, nem que o nível de desigualdade tenha diminuído.

"O percentual de trabalhadores pobres duplicou na Alemanha desde 2005." [1]

""Como exemplo, Krueger disse que um em cada quatro assalariados norte-americanos assinou restrições que o impede de trabalhar para a concorrência, dificultando sua capacidade para procurar salários maiores. E destacou que o salário mínimo nos EUA há 10 anos se mantém invariável em 7,25 dólares por hora (30 reais), e que, descontada a inflação, caiu 20% desde 1979." [1] 

"Segundo o FMI, a participação dos trabalhadores na renda caiu de mais de 50% da renda total, no começo deste século, para menos de 40% em 2015. Essa tendência decrescente começou já em meados da década de 1970." [1]

Nesse aspecto podemos perceber que o divórcio entre emprego e qualidade de vida é crescente. Esta não se relaciona mais de forma coesa com a ocupação remunerada. A terceirização irrestrita e a fragilização da legislação trabalhista vieram para diminuir custos e com isso a instabilidade cresce. Na ânsia por lucros, as empresas começam a mudar suas diretrizes para criarem um contexto no qual não precisem dialogar mais com a sociedade e os trabalhadores. Isso é feito através de uma política de praticidade, que é propagandeada como benéfica para todos - mas antes sempre para as corporações. Os empregos são mais precários, mais instáveis e com menor significado. A taxa na qual empregos bons são eliminados não é suprida por uma criação de novos empregos, de iguais ou melhores condições para o desenvolvimento da pessoa. E a busca por recursos se torna cada vez mais o centro de gravidade da vida. Muitos, para diminuir suas preocupações, restringem seus horizontes de possibilidades e mergulham no consumo de bens e serviços sem utilidade evolutiva ou social- na ânsia por manter o controle e permanecer feliz (ou aparentar sê-lo).

Uma possibilidade se deixarmos de ver o supérfluo como
essencial. 
As crises vem e pessoas passam por carências. Sem acesso a recursos, buscam o que podem para sobreviver. Buscam inclusive culpados por todos os males. É aí que entram oportunistas - conscientes ou não - que se aproveitam dessa fragilidade popular para aparecer e galgar degraus na escadaria do poder. Já vimos isso no passado - vemos isso hoje, de forma diferente mas essencialmente igual.

No entanto os recursos continuam os mesmos, disponíveis. Matéria e energia. Alimentos, água, capacidade de servir, moradia, infra-estrutura, etc. Chega-se à conclusão de que não se trata de falta de recursos (por ora pelo menos), mas desacoplamento entre o sistema econômico e as necessidades fundamentais da vida - tangíveis e intangíveis.

Para resolver essa questão Jacque Fresco [2] idealizou e criou o Projeto Vênus [3], que é uma possibilidade de civilização futura que se apoia no conceito de Economia Baseada em Recursos (EBR). Trata-se de uma proposta de civilização que vise adequar a organização social de forma a obter o melhor da tecnologia presente. Para isso elimina-se o sistema mercado e monetário. As relações mudam junto com o fim último. 

O objetivo é desenvolvimento humano e liberdade. As relações são baseadas antes de tudo na garantia de recursos necessários a todos. Os produtos devem durar o máximo possível (sustentabilidade). Extingue-se a obsolescência programada, a propaganda, a concorrência desenfreada e outros males humanos. O tempo de trabalho compulsório diminui significativamente. As pessoas ficam livres para estudar e trabalhar com o que desejam, desenvolvendo potencialidades necessárias para um mundo melhor. Não há guerras porque não há motivos de inveja nem cobiça.  Riqueza não é mais poder e poder não é mais riqueza. A indústria bélica murcha porque as diretrizes humanas não a incluem - veem-na como deletéria. Vidas se poupam, recursos deixam de ser desperdiçados.

Tudo isso pode parecer utópico para muitos. E eu sei o porquê de muitos pensarem assim.

Do ponto de vista da ciência e tecnologia, todas as condições para uma EBR já estão presentes. Do ponto de vista da mentalidade humana, de fato não existem condições para criar uma EBR que se sustente. O problema não é material - é antes espiritual, de consciência.

Depende da humanidade. Não podemos
viabilizar um mundo melhor individualmente.
O indivíduo só é capaz de mostrar e viver.
Mas a realização efetiva depende de uma
massa crítica que se conscientize e aja.
Não somos capazes de crer num mundo melhor. Nos agarramos às nossas poucas ou muitas misérias e desenvolvemos a mentalidade de garantir-se a todo custo - pois sem o ter não julgamos poder ser. O problema é que essa mentalidade é a causa de quase todos males que existem sobre a face da Terra. Divórcios, disputas políticas e familiares, desentendimento, guerras, assaltos, agressões, boatos, fofocas, sanções econômicas,...tudo advém da forma mental que visa galgar degraus no mundo. Se garantir. Acabamos viabilizando os maiores males por sermos neutros. Somos neutros por comodidade. Por astúcia implícita que não compreende o motivo de assim agir.

Sendo o problema puramente mental, não nos vemos diante de uma restrição exterior. O que nos impede a construção de uma civilização iluminada é o nosso espírito de acúmulo e ostentação. É um problema interior. E assim construímos barreiras para que qualquer coisa diferente, possível e que realmente nos ajude a melhorar, não vá em frente. Mas ao mesmo tempo estamos saturados. Essa vida não nos satisfaz. Não há perspectivas reais. Queremos tornar invisível os males do mundo para que a nossa vida seja possível e bonita. Me pergunto até que ponto isso é sincero e certo.

O Sol deveria ser a fonte primária de obtenção e energia.
A humanidade deveria se reproduzir dentro de suas possibilidades.
As relações deveriam ser feitas baseadas na possibilidade de criação de sinergia.
A geração de entropia deveria ser minimizada.

O Movimento Zeitgeist (espírito, 'geist', dos tempos, 'zeit') [4] visa despertar as pessoas para questões de conscientização.

Dentro dos limites do paradigma atual não há muito a ser feito exceto criar as condições para a gênese de um novo paradigma. 

Quando o uivo da natureza manifesta-se furiosamente, a percepção racional deve sensibilizar ao máximo grau o espírito.

É aí que encontraremos as ideias e as forças para a transição.

Como fazer isso?

Cada um deve buscar o seu caminho.

Quem fica no conforto, mesmo que fazendo coisas bonitas, está fadado a ser deixado para trás.

Somente quem percebe, melhora, reconhece suas misérias e parte para a incessante e impiedosa batalha evolutiva garante sua salvação.

A escolha é sua, é minha. É nossa.

Referências:
[1] https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Trabalho/Os-problemas-que-se-escondem-por-tras-do-pleno-emprego-nos-paises-ricos/56/41628

[2] Jacque Fresco entrevistado por Larry King (1974)
https://www.youtube.com/watch?v=ZFH9wu76b7Y

[3] Projeto Vênus 2016 | A escolha é nossa | Completo HD Brasil
https://www.youtube.com/watch?v=k3-L3p9fiY4

[4] Zeitgeist Moving Forward [Full Movie] [2011]
https://www.youtube.com/watch?v=4b2N-KFTlLI