sexta-feira, 10 de julho de 2015

LÁ PELO ANO 2141...

Lá pelo ano 2141, as pessoas andam na rua e estão cada vez mais preocupadas com a violência e a pobreza e tantos problemas no mundo. Elas se tornaram incrédulas devido ao mau exemplo dos líderes religiosos; o mesmo se deu na política; e decidiram apostar totalmente na tecnologia, nas finanças e naquilo que chamam progresso: cuidar do corpo, da imagem e reputação social, da propriedade, e banir o sentimento metafísico. O sentimento só pode ser para o prazer, e a dor deve ser combatida com todos os meios. Além disso, a receita é ignorar ao máximo possível os problemas alheios - e os próprios. Mesmo que se estude cada vez mais em diversas ciências a interconexão entre seres, as pessoas vivem interconectado apenas para satisfazer os próprios prazeres. E afirmam que fazem isso porque um dia, se todos agirem assim, o mundo será perfeito...

Carros e shoppings e tecnologias cada vez mais demandantes de tempo, energia e dinheiro.
Casas maravilhosas em condomínios ideais para quem decide lutar e vencer os demais concorrentes - que fracassam, por falta de vontade. E muita companhia de pessoas "do bem" ao redor, que decidiram aceitar as regras do jogo deste mundo e triunfar. Não foi às custas dos outros, foi mérito próprio, afirmam todos os vencedores.

Por qualquer lado que se olhe, vê-se um bloco homogêneo que diz em uníssono: "nós agimos da melhor forma. a pobreza do mundo não é nossa culpa. nós não temos relação alguma com o mundo que falhou. nós vencemos por trabalho duro."

Nas ruas ou em situação economicamente frágil, milhões de cientistas, artistas, pensadores, filósofos, professores e estudantes não tem tempo para se dedicarem a seus afazeres. Eles estão em contante atividade. Mas pouco relacionada à sua finalidade, que é criar, gerar idéias, refletir, ler, estudar, conviver, debater idéias. Precisam se ocupar com ocupações "produtivas", gerando dinheiro e produtos que o mundo demanda. Parece um desejo insaciável, pois pede-se cada vez mais - apesar de cada vez menos terem acesso a esse universo.

Aumenta o número desses seres fracassados, que optaram por seguir seu sonho e não viam nada de interessante no "caminho do sucesso".

As revoltas aumentam. A polícia e a propaganda e as instituições econômicas tentam controlar. Mas gasta-se cada vez mais.

Apesar de tanto sofrimento, as pessoas persistem em seguir caminhos estranhos: querem escrever para exprimir idéias; querem voltar a estudar quando se aposentam; querem falar de temas "mortos"; querem compreender porque fala-se tanto e diz-se tão pouco; querem ter um pouco de tempo para caminhar no parque e um espaço para se dedicarem ao que gostam; querem viver uma experiência que não sabem descrever. Estão em busca incessante, e nessa jornada geram teorias e ideias e teses e compõem músicas e ajudam outros. Explicam e se educam. Amam ou tentam amar. E assim eles percebem que fogem do sucesso e do conforto. Querem a Verdade. Querem viver sinceramente e veem em profundidade - muitos dizem que trata-se de frescos ou revoltados.

São os que controlam por fraqueza geral. E assim formam grupos e dialogam.

Os grupos se fazem e desfazem rapidamente - sem nenhum motivo aparente.
Os diálogos são superficiais, e variam pouco.

A vida dentro dos muros é insípida e previsível. Mas é aí que (aparentemente) tudo triunfou.

Aqueles que ficaram de fora aceitam. Em sua imensa maioria pelo menos.
Entendem o visível mas não compreendem o que isso significa.

E por não compreenderem buscam algo diferente.
Nem dentro do muro, nem fora do muro.
Buscam algo além do muro.

E começam a ganhar uma confiança.

Nas últimas décadas surgiu uma doença aparentemente incurável. Ou melhor, ela vem se manifestando de modo a incomodar o mundo perfeito que os jornais e programas televisivos mostram e demonstram. Os cientistas não identificaram a causa. Pode ocorrer com qualquer indivíduo - mesmo os vencedores que residem dentro do muro. Qualquer...E quando atinge o zênite, torna a pessoa completamente imune a ameaças e recompensas. Considera-se a "loucura do século". Ela não é agressiva mas é determinadamente convicta. A pessoa se guia por "referências inexistentes neste mundo" (segundo relatos de enfermos). Falam ora ou outra num personagem quase esquecido pela História chamado Jesus, o Cristo. Se referem igualmente a seres que sentiam o mesmo: Pascal, Sócrates, Francisco de Assis, Agostinho,...Mas os exemplos mais citados são do século XX: Huberto Rohden, Teilhard de Chardin, Albert Schweitzer, Pietro Ubaldi e Mahatma Gandhi. Estes são os nomes mais citados.

Muitos deixam suas vidas - ou grande parte dela - para se dedicar a estudar e até viver um pouco como esses seres. Afirmam que é tudo "tão interessante, fascinante e, ao mesmo tempo, profundamente real" que largam todas compras, grupos, vícios e manias para mergulhar sua vida em apenas uma coisa. Dizem que isso, apesar de pouco, é muito e explica tudo. Mais: afirmam que esses seres, com sua essência e obras, resolveram os mais agudos problemas da vida pessoal e pública, e que passaram a ver tudo e todos de outra forma.

Livro muito citado pelos "monistas".
Não se compreende nada, mas muitos
se encantam com seu conteúdo...
Muitos se dispõem a arriscar sua reputação, suas posses, - e até sua vida - para seguir o que chamam eles mesmos de "consciência". E o mais impressionante é que, mesmo sendo minoria (não chegam a ser 1% da população planetária), eles se tornam cada vez mais numerosos. Ano após ano. Década após década.

Alguns morrem de fome. Outros são mortos. Outros ainda são relegados à exclusão social. Mas aparentemente não deixam de fazer obras e estudar. Parece que a maioria tem um medo muito grande desses seres. Tão grande que, ao identificarem um, decidem fingir que não o conhecem. E num segundo momento decidem afastá-los vagarosamente de certos meios, dificultando-lhes a vida material. Explicam o porquê disso baseados no "perigo" da "instabilidade" que essa minoria pode causar. Mas ao mesmo tempo, segundo relatos, alguns demonstram expressões faciais nunca antes vistas ao ouvirem esses seres loucamente diferenciados, que se expressam de forma logicamente poética, e poeticamente lógica. 

É difícil vencê-los numa discussão, porque eles, pouco falando, dizem muito ou tudo; enquanto a alguns da maioria, ávidos por impor seu ponto de vista, falam muito e dizem pouco ou nada.

Esses seres vivem distantes e próximos da sociedade simultaneamente.
A grande maioria cumpre suas obrigações cotidianas com zelo, mas percebe-se que dão pouco valor a elas.

Não se afastam por medo nem se aproximam por desejos.

"São movidos por uma força indefinível", segundo psicólogos e cientistas.

Uma pesquisa disfarçada foi feita para tentar compreender a natureza dessa doença. Esses seres falam sempre em "imponderável" e "amor" e "sinceridade" e "transformismo".

É tão difícil enquadrá-los como ameaçá-los, pois eles nada esperam do mundo - apesar de não o odiarem. E sua presença é enigmática e silenciosa. Eles exercem influência sem falar ou agir, segundo relatos. Ninguém sabe explicar do que se trata.

Alertas sobre essa "onda" circulam nos meios sociais "seguros". Isto é, em locais onde é raríssimo encontrar criaturas dessa espécie: lugares de altos negócios, de consumo, de jogos violentos, em academias ou cultos, em eventos barulhentos, em locais luxuosos ou congressos, em shoppings ou qualquer lugar que esteja relacionado unicamente (ou em grande parte) com físico, com dinheiro, com aparências ou com coisas do tipo.

Eis um deles:

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ATENÇÃO

Doença perigosa sonda todas as cidades, todos campos, todos meios sociais.
Em qualquer casa, seja rica ou pobre, ela pode germinar e se manifestar.
Qualquer pessoa está suscetível à infecção, seja qual for a sua religião ou ideologia ou raça ou ocupação. Mesmo jovens podem ser infectados. É mais rara em crianças, no entanto esse número vem crescendo cada vez mais. Trata-se de uma anormalidade inédita.

As escolas, a televisão, os rádios, a internet, as instituições tem cada vez mais dificuldade em curar essas pessoas. Ao que tudo indica, trata-se do "Mal do Século".

No momento não se sabe como esse vírus surgiu. Sabe-se apenas que ele afeta o comportamento da pessoa. Não há como apontar que o indivíduo foi contaminado, exceto por um detalhe: perde-se o interesse pelas coisas de nosso mundo.

Especialistas da teologia dizem se tratar de algo semelhante ao fenômeno do cristianismo primitivo - hoje pouco estudado nas escolas e universidades - em que milhares de pessoas estavam dispostas a sofrer e morrer, abdicando de vários bens e títulos e confortos, para seguir um ser morto crucificado. Mas o fenômeno atual é diferente, assim como os tempos, dizem estudiosos do caso.

A sociedade civilizada, tecnológica e financeira, após crises sucessivas - iniciadas no início do século XXI - decidiu expandir a propaganda para todas esferas da vida. Estudos científicos e trabalhos artísticos são controlados por forças econômicas cujos autores jamais se revelam. E raramente deixa-se um estudo ou obra ser divulgado se for "alterar muito o estado das coisas". No entanto, alguns especialistas afirmam que seres acometidos pela nova doença possuem tamanha vontade aliada à criatividade, que percebem tudo que ocorre à sua volta. E estão dispostos a serem fiéis às suas idéias mesmo que estejam ilhados. "Eles possuem sempre explicações eficazes, que às vezes fogem à compreensão de seus colegas", afirma uma professora.

Por se encontrarem em todos ambientes e serem serenos, é difícil convencê-los a seguir o ideal moderno ou induzi-los a algo que eles não aceitam 'por dentro'. Na verdade, eles geralmente demonstram - não se sabe como - que quem realmente não é fiel aos seus princípios são os próprios "seguidores de regras", que caem em contradição após meia hora de conversa franca.

Recomendamos cautela ao lidar com eles.
Não os excluam, porque isso aparentemente os tornam mais determinados.

Qualquer pessoa que venha a ter contato com uma pessoa que apresente esses comportamentos, é pedido que descreva as principais caraterísticas.
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Eles se dizem "monistas". Mas ao mesmo tempo não se associam em cultos ou compartilham uma ideologia comum. Nem possuem a mesma formação ou ocupação. Não excluem os outros, apesar de pouco se interessarem pelas coisas que se dá valor.

São firmes no discurso, mas serenos na condução dos mesmos.

Dizem que a humanidade tende a se tornar toda desse jeito. Um dia foi entrevistado um ser dessa natureza, mas o entrevistador não foi capaz de compreender algumas idéias. Ele se inquietou e decidiu realizar outras entrevistas. Nada compreendeu...Após alguns meses esse jornalista mudou seu comportamento e começou a chorar quando lia certas coisas. Além disso, buscava os autores citados como Rohden e Ubaldi. E livros sacros - hoje pouco disponíveis - como a Baghavad Gita e o Tao Te Ching. E se silenciou para sempre. Diz ter encontrado a "solução de todos seus problemas", apesar de levar o restante da vida com problemas e sofrimentos. Ninguém nunca o compreendeu...Diz-se que, após essa transformação, ele passou a sofrer alegremente e querer o que todos devemos - mas não fazemos. E se contentava com pouca comida, dinheiro, posses, sexo, reconhecimentos e demais prazeres da vida.

É tão assustador quanto fascinante.

Não se sabe como os órgãos competentes e a sociedade irá tratar com esse tal "monismo". Combatê-lo é difícil, pois ele aparentemente não é uma seita ou ideologia ou congregação espiritual. Não é enquadrável por se encontrar numa multiplicidade de meios. É - ao que tudo indica - uma situação ímpar na História.

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