sexta-feira, 16 de junho de 2017

O Advogado de Deus

É preciso ter coragem. Coragem consciente. Coragem insistente. Coragem que se transforma, se refazendo de várias formas a cada conquista e - sobretudo - derrota. Refazer não é se desviar, e sim reformular, baseado na memória crescente das experiências. Memória que se combina com outras, e acaba exigindo sempre uma nova interpretação - e consequentemente novos meios de ação. Por isso eu percebi: a História é viva, porque os eventos e movimentos passados sempre se modificam com o passar do tempo. À medida que se incrementa tempo, com seus períodos de estabilidade e revoluções, ao grande livro da História, passa-se a ter uma visão mais profunda do mesmo acontecimento passado (o que aquilo significou? como foi de fato? porque as pessoas foram levadas a fazer aquilo? como foi possível?...).

Existem diversas coisas a serem defendidas neste mundo. Mas acima de todas, há UMA ENTIDADE que sustenta todas c: Deus

Por simples lógica, Deus não precisa de defesa. Pois Ele está acima de tudo - do Bem e do Mal. No entanto, em nosso universo físico, produto da Queda [1], nos encontramos numa situação de transformação ininterrupta. Um vir-a-ser que destrói e reconstrói usando as forças da vida, que animam as criaturas em busca da perfeição perdida - ainda que relativa. Nesse Universo reina a dualidade, característica do Anti-Sistema (AS) [2]. E isso faz com que haja a necessidade de, mesmo que exista um Ser mais conectado ao Sistema (S) do que ao AS, esse Ser deva atuar usando elementos do AS - incluindo parte de sua lógica - para conseguir inserir elementos do S de forma progressiva e efetiva nas mentes e corações - daqueles que buscam sinceramente mas não sabem nem o como nem o porquê de realizar essa busca. Busca dolorosa. Busca ingrata. Busca solitária. Busca infinita dentro de um mundo finito...

"Pietro Ubaldi era (é) o Advogado de Deus." 
Frase dita por minha esposa - que está lendo o volume "O Sistema". 

De fato, uma excelente colocação! Primeiro porque ele se formou em Direito pela Universidade de Roma. Era portanto seu métier. Segundo porque toda sua Vida - que de tão sincera e intensa acabou sendo derramada em sua Obra - foi uma defesa ininterrupta, criativa, ousada e infindável do conceito de Deus e todas suas consequências, penetrando na arena da Ciência, da Arte, da Filosofia e da Religião; da Política e da Economia; das Famílias e dos Indivíduos; destes e seus Destinos; da Sociedade e seu Destino coletivo; do Livre-arbítrio e do Determinismo; do Átomo ao Anjo. 

O Advogado de Deus - usando um
finito para elevar-se ao infinito.
Em Ubaldi, Vida e Obra se fundem numa Unidade harmônica e compacta, sintetizando a luta infindável pela ascensão num mundo que impede qualquer tentativa de superação. É impressionantemente assustador - para quem se prende firme a este mundo e goza nele. E assustadoramente impressionante -  para quem anseia por algo a mais, apesar de viver aqui. Mas a sensação é a mesma, quer você se regozije, quer você sofra aqui: impressionar-assustar.

É preciso que se entenda do que se trata - sem o qual será difícil seguir em frente com certo interesse. Não poderei fazer isso sem usar fragmentos de minha própria vida como referência, de forma a mostrar o quão impactante está sendo essa nova visão. Visão mais vasta e poderosa do que qualquer outra. 

O Obra é regida por um transformismo profundo, que encanta por aquele que já sofreu bastante e cuja alma já atingiu suficiente grau de maturação evolutiva, estando com os poros intangíveis abertos para receber certos tipos de vibrações intangíveis. 

"É horrível repetir-se, permanecendo estagnado em determinado campo. Somente quem se renova, vive. A constante especialização no particular poderá ser materialmente útil, mas é paralisia do espírito." [3]

É exatamente o que eu venho percebendo ao longo da vida. A questão é: até que pontos essa especialização no particular pode ser materialmente útil? Sabemos que mesmo no reino da matéria existem limitações - e que superá-las no momento adequado é sinal de bom-senso, ou mesmo salvação, a depender do ponto em que nos encontremos. 

"Por isso, no presente trabalho, o protagonista, mesmo não sendo sempre vitorioso, apresenta-nos o modelo ideal de um homem que busca, num trágico esforço, elevar-se, em clara oposição ao tipo normal, que, possuindo qualidades bem diversas, está ligado estaticamente à Terra e deseja ele próprio, somente por força do número, tornar-se o modelo da vida." [3]

(grifos meus)

É de fato uma luta entre o número que faz barulho e até prova superficialmente, e o ponto que se silencia na superfície mas escava profundamente. Essa é a Grande Batalha entre o ideal encarnado e o mundo. 

A própria concepção de Estado, transmitida por pela "Voz", dá uma ideia de quão longe estamos de chegar a um estado orgânico:

"O novo Estado tem que possuir o monopólio da força, pois, embora ela seja uma necessidade de vossa vida involuída, a privação do seu emprego por parte do indivíduo já constituirá um progresso, porquanto o seu desuso enfraquecerá os instintos antissociais. Esse Estado, que não pode ser agnóstico, deve ter resolvido os maiores problemas do conhecimento, pois precisa ter uma concepção ampla da vida, para fazer o indivíduo compreendê-la e colocá-la em prática; deve saber compreender o homem, seus instintos e seu destino, penetrando o mistério de sua personalidade, a fim de poder colocá-lo em seu lugar e obter dele o máximo rendimento. No princípio, o centro realizará um mero enquadramento de massas, porém no futuro ocorrerá a fusão de almas. Nesse Estado, Deus é imprescindível, assim como o conhecimento de sua ordem divina, cujo funcionamento a ciência deve demonstrar, para que, nessa ordem, o Estado encontre suas bases racionais. Concepção imensa de uma fé social e científica, da qual participarão em paz todas as religiões. Este é o Estado da nova civilização do Terceiro Milênio."     
A Grande Sìntese - Cap. 98

(grifos meus)

O que ocorre é muito sutil. O Estado, corpo supra-humano nascido há menos de 8 séculos - está em evolução e muito longe de atingir sua forma ideal, que permita a evolução coletiva, combinando produção orientada e distribuição moderada. É aí que reside a arte de auxiliar o ser humano em sua jornada, nem tolhendo suas potencialidades criativas, nem garantindo liberdades degenerativas. O Estado do futuro - séculos e milênios à frente... - será um corpo que garanta aos indivíduos meios para manifestarem e desenvolverem suas potencialidades latentes, à seu ritmo, do melhor modo, com estímulos proporcionais às suas capacidades. 

Qual a função das classes sociais nesse caminhar que culminará nesse destino?

"A tarefa das classes não é eliminar uma à outra, mas sim compartilhar os frutos da mesma civilização, encaminhando-se para a compreensão recíproca. A tarefa da classe dirigente não é dominar, mas sim educar a plebe tumultuada – velho instrumento de vinganças, chamariz dos astutos e muitas vezes vítima das repressões, mas sempre massa ignara, amorfa e cega – para transformá-la num povo que saiba como conquistar uma consciência coletiva mais elevada."

Sobre o cálculo de responsabilidades, mais conceitos fuzilantes:

"A vida contém e pode produzir valores eternos. Sua finalidade é enriquecer-se deles cada vez mais. A vida tem um objetivo, e vós, depois de haverdes aprendido a produzir e entesourar nas formas caducas da Terra, tereis de aprender então a produzir e entesourar na substância, na eternidade. Para educar, é indispensável repetir, a fim de que certos conceitos superiores sejam assimilados e gravados no íntimo turbilhão do psiquismo."

Eis a necessidade da constante repetição. Sob formas variadas. Em tempos diversos. Por forças diversas, que mesmo agindo em escalas, camadas e domínios diferentes, obedecem à Lei de Deus.

Não temos gravados em nossa alma uma síntese da vida suficientemente forte para guiar-nos nesse mar de dualismos infernais que nos seduzem, perturbam e desgastam cotidianamente. Esse dualismo que dentro de nós está e deve ser combatido primeiramente nesse campo, minimamente, antes do início de qualquer trabalho externo - também necessário, mas consequência do Trabalho-Mor. 

Quando li o capítulo final (Despedida), pela 1ª vez, me desmontei na minha pequenez. De fato...eu nem ninguém que escreve, que pensa, que faz,...ninguém realmente atinge o vértice das concepções se fica no plano do mundo. Poderá fazer coisas impressionantes e admiráveis. Mas nada incrível, que faça chorar e abale o espírito, incendiando cada momento de sua vida. Cada aspecto. De qualquer um.

Quando cheguei ao fim eu concluí com a mais férrea certeza de minha vida:

"não foi uma entidade deste mundo que emitiu esses conceitos...essas palavras..."

Um advogado muito singular, que para cumprir sua função deve estar sintonizado com o infinito, e passar a ideal para palavras e conceitos assimiláveis pela nossa restrita mentalidade hodierna.

E mesmo assim serão necessários milênios e milênios para absorvermos tudo, em sua integridade.

Milênios e milênios...


Referências:
[1] Queda e Salvação
[2] O Sistema: Gênese e Estrutura do Universo
[3] História de um Homem

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