Me lembro muito bem. Assisti Matrix pela primeira vez aos 14 anos, no cinema. Meu corpo de adolescente estava muito desenvolvido em termos de vigor e força física. Minha mente era bem sucedida nas tarefas escolares regulares - apesar de que nessa época eu via pouca relação entre a teoria das salas e o mundo circunjacente. Minha intuição, meu espírito, ainda estava adormecido por completo, sendo incapaz de detectar conscientemente qualquer nuance da Grande Realidade no mundo que se apresentava nas telas ou no dia-a-dia.
Matrix (1999). Visto há 16 anos. Compreendido e sentido integralmente ontem. E quando será vivido pela humanidade? |
Todas mensagens Eternas, Infinitas, Místicas, Verdadeiras, manifestada por meio de gestos, diálogos e concatenamentos sutis e poéticos, iam diretamente para a zona inconsciente; enquanto os efeitos sonoros e visuais, as ações repetitivas, a forma, eram captadas diretamente pelo meu consciente. Até a trama superficial interessava. Ela era passível de interesse intelectual e estimulava a concatenação das ações dos personagens. Será que eles eram alienígenas? , eu pensava a princípio; Tratava-se de uma trama de dominação global de robôs? Como vencê-los?...Várias perguntas do tipo, mas sem adentrar no aspecto místico-filosófico que permeia essa superprodução do dinheiro que consegue ter mensagens super-profundas para a alma capaz de captá-las. Todas "qualidades" percebidas na época pelo adolescente de 14 anos eram pequenas mensagens usadas para passar uma Grande Mensagem.
Ontem eu revi o filme com um novo olhar.
Após passar os próximos 16 anos por experiências diversas e intensas (como todos), mas optar por caminhos - aparentemente - ilógicos e loucos, persistindo em "erros" e estudando as dores e suas causas (como pouquíssimos), não pude deixar de perceber o quão sublime é a Grande Mensagem transmitida por esse filme sincero, profundo, questionador e profético.
Oráculo: sapiência sem exibicionismo. O poder da sensibilidade intuitiva. |
Matrix é classificado como ficção-científica pelo mundo presente - possivelmente por causa das tecnologias e situações anormais. Mas ao mesmo tempo, através da ficção, o filme trata da mais profunda realidade metafísica que permeia a vida humana. Mais: é profético, ao apontar para as tendências da civilização exacerbadamente tecnológica-neoliberal, na qual a inteligência artificial, IA (robôs) dominará a inteligência natural (humana).
Se você observar com uma mentalidade transformista [1] perceberá o seguinte: quase todas pessoas (inclusive você mesmo e eu) adotam comportamentos robóticos, são - ou buscam ser - produtivas em termos financeiros-materiais, e procuram podar ou esconder sinais de sentimento por assuntos metafísicos do imponderável. E com isso gera-se uma onda psíquica a nível global que plasma uma forma mental coletiva capaz de sustentar estruturas (instituições de qualquer natureza) e sistemas (modo de operação coletivo de estruturas ou sociedades) inconscientemente. Esse comportamento, por estar preocupado com a execução e resultados imediatos e visíveis, delega indiretamente, via leis (regulamentos oficiais) ou normas de conduta (leis sociais), a reflexão, o sentimento e a orientação universal a segundo plano, sendo essa atitude e filosofia de vida mero lazer - ou seja, distração - do ponto de vista deste mundo. Pode ser até que muitos considerem esse lazer como assunto de suma importância no discurso. Mas na prática individual e social do cotidiano pouco se realiza, sendo mais importante criar uma forma agradável do que mergulhar na substância quase sempre dolorosa da vivência.
Um lazer à serviço do intelecto luciférico que quer satisfazer os desejos instintivos.
Um lazer à serviço desse intelecto luciférico que cria medos instintivos.
Matrix procura trazer essas reflexões à tona, preenchendo a Realidade Ponderável dos Efeitos especiais e Tramas com a Realidade Imponderável do Amor e dos Valores.
Em Matrix os nomes dos personagens e suas características físico-mentais-espirituais sintetizam a natureza dos mesmos: Morpheus é o deus dos sonhos, capaz de mimetizar qualquer forma humana para aparecer nos mesmos. Ele é a Voz da Verdade se manifestando no mundo da Ilusão; Trinity é a moça com atitudes cirúrgicas, pensadas e diretas, que aparentemente não exibe sentimentos, mas que possui grande fé (fidelidade) com uma finalidade superior (Amor, Salvação da humanidade); Neo é o Novo, o Escolhido, o veículo de Salvação. É aquele que é resgatado da sua inconsciência infeliz para atuar de forma eficaz na realidade pequena e ilusória da Matrix. Ele tem a Vontade de desvendar o mais desconhecido, que o leva a seguir o misterioso Morpheus, apresentando a Realidade. Abrem-se os horizontes. Choro, dor e espanto, à princípio. Adaptação depois. E futuramente reorientação.
Trinity e Neo realizando o irrealizável. |
Cada cena do filme traz uma mensagem subliminar, ou implícita, para o Ser ainda profano (sensitivo-intelectivo), mas explícita para o Ser místico (intuitivo-sintético).
Os humanos que vivem adormecidos, produzindo milhares ou milhões de zeros na ilusão da Matrix, são canais que permitem aos agentes (máquinas, robôs) atuarem e investigarem tudo e todos, nada escapando aos seus olhos e ouvidos ou superando suas habilidades e potência. Nada...até que Neo é despertado...
O oráculo é uma mulher negra simples, que fuma sem culpa e vive seu cotidiano com a leveza de um fazendeiro rural. Ela não se preocupa com aparências ou erudição profunda. Diz coisas aparentemente sem nexo, mas que com o desenrolar dos acontecimentos formam uma cadeia de eventos evidentemente imprevisíveis à princípio, pelos ouvintes, mas claramente previsíveis pela vidente. Neo é especialmente refratário a essas coisas do Além à princípio - do espírito, do imponderável, do não-demonstrável e etc - mostrando uma incredulidade no olhar e gestos. Mas eis que o desencadear feio e caótico de muitos eventos forma um mosaico belo e harmônico.
A vidente diz o que as pessoas precisam ouvir para se auto-realizarem.
Morpheus tem grande fé no mais. Ele atua no finito mas crê no Infinito. Isso lhe dá força e vontade e ânimo para aguentar a luta de cada dia. Não possui o dom de Neo mas tem a Fé para despertá-lo.
Fé que fará morrer o Sr. Anderson, funcionário de uma empresa de software comportado e obediente, e nascer Neo (o Novo), Sujeito consciente e atuante, transformador da realidade.
"Quem não renascer da água (corpo) e do Espírito (consciência) não poderá entrar no Reino de Deus (Salvação, Felicidade)."
Jesus, o Cristo
Neo é duvidoso. Tem muita energia e capacidade, mas vê a crença no Infinito como mais um meio de ilusão. Ele aceita, mas não incorpora o espírito místico, a princípio. Por isso a vidente faz afirmações fortes ("Você não é o escolhido. Sinto muito garoto...") e ao mesmo tempo prevê um dilema: haverá um momento em que ele deverá decidir entre salvar sua vida em prejuízo da de Morpheus, ou salvar a vida de Morpheus à custa da sua.
A Fé move montanhas. O Amor ressuscita almas e corpos. |
Tudo ocorre normalmente. E concorre para o grande desfecho, imprevisível pelos protagonistas, sentido pela vidente, temido por Neo.
O que leva Neo a decidir voltar para a Matrix, sabendo que ninguém nunca conseguiu vencer os Agentes - encabeçado pelo Agente Smith - frios, metódicos, velozes, fortes e (aparentemente) insuperáveis, é um imperativo categórico. O dever de salvar alguém útil que lhe despertou, ajudou e até deu sua vida por um pseudo-Escolhido. Porque ele, Neo, acredita nisso.
Agora a grande questão:
Se a vidente houvesse dito a Neo que ele era o Escolhido, será que, diante desse dilema (esse Drama Milenar), esse Escolhido consciente de seu Destino arriscaria sua vida para salvar um simples humano?
Será que a consciência de ser a centelha de acionamento de um grande fogo libertador não o faria arrogante e temeroso de arriscar sua vida para salvar qualquer pessoa ou objeto?
"She told you exactly what you needed to hear, that's all. Neo, sooner or later you're going to realize, just as I did, there's a difference between knowing the path and walking the path."
(Morpheus)
Conhecer o caminho é muito diferente de caminhar pelo mesmo.
Erudição é intelecto, que geralmente leva ao preconceito, divisão e distanciamento.
Vivência é intuição, que leva à libertação, união, compreensão.
Saber está acima do conhecer.
Quem sabe não prova, sente.
Quem conhece prova, mas não sente.
Quando Neo começa a acreditar, sente-se um espasmo de poder - da Verdade.
Quando ele é dado por morto, Trinity, com fé (fidelidade) no Mais, nas Grandes Mensagens, chora e busca orientação interior. Ela lampeja sua sinceridade para o Neo morto e demonstra o seu Amor, beijando-o intensamente. Tamanha é a retidão, perseverança e sinceridade dessa moça, que ela passa essa vontade infinita para aquele que aprendeu a amar. E eis que Neo renasce completamente pelo Espírito. E consequentemente, pelo corpo. Eis o milagre da verdadeira Ressurreição. Um milagre a ser operado pela humanidade vindoura, dentro de alguns milênios.
As balas são metafísicas. Elas são os vitupérios para intimidar ou os elogios para viciar. Nós podemos freá-las com o poder da Verdade Libertadora. Basta sintonizar com o Infinito e Eterno. |
Emoção e comoção Infinita que se converte em atuação de potência máxima.
Sr. Smith é tomado por ódio e ataca com todas suas potencialidades robóticas, mas de nada adianta: Neo só sente. Ele não mais pensa. Ele vive e atua na mais profunda Realidade.
É a pequena potência Infinita da humanidade mística superando a enorme potência finita da robótica intelectual-sistematizadora.
A inteligência humana perde da inteligência robótica.
Mas a intuição humana, uma vez despertada, sempre vencerá qualquer inteligência artificial.
Choro e emoção.
Porque sinceridade e busca pela Verdade demandam tais reações.
Reflexão e Amor.
Porque dúvidas e insatisfações com o presente clamam por isso.
Glória e Salvação.
Matrix: filme que realiza a síntese impossível do misticismo conceptual com o materialismo atual.
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Referências:
[1] http://leonardoleiteoliva.blogspot.com.br/2015/03/nocao-de-transformismo.html
Trailer recomendado:
https://www.youtube.com/watch?v=m8e-FF8MsqU
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