V de Vingança é um daqueles filmes que são um pico discreto num mar de produções milionárias com baixo teor de emoção e conteúdo humano. É a forma que um ideal encontrou de se inserir no mundo sem sofrer nenhuma censura da forma mental dominante - uma ideia que se materializou em celuloide de modo a manter sua essência e potência de ação. Trata-se de um grande feito de síntese entre a realidade técnica regida por leis férreas e o ideal criativo e destemido que segue um impulso ascensional. Superação de si mesmo para que o mundo supere a sua realidade presente, criando uma nova realidade. Mais sincera, mais reta e mais eficaz.
Quem é o V? Evey responde ao inspetor irlandês: V é ela; é seu pai; é ele (o inspetor Finch); é Tudo e nada. V é o ímpeto ardente que se desenvolve em cada alma humana e busca a cada ciclo de vida a superação de uma realidade cada vez mais triste e superficial. V é um ímpeto que se forjou após receber marteladas incessantes. V é o Espírito destrutivo que após descobrir o Amor se reconhece como tal, mas ao mesmo tempo precisa cumprir sua função para que ele (o Amor) possa construir um novo mundo, completamente diferente deste e dos que houveram. Um mundo pautado por outras prioridades e dono de grande sensibilidade.
V: em busca de vingança. Com isso, serve a fins superiores. Ferramenta de ascensão. Além do bem e do mal. |
Estamos diante de um filme que dialoga com sua época: faz uso dos efeitos visuais e sonoros; possui uma trilha sonora intensa; possui diálogos rápidos e incisivos; tangencia temas universais e - acima de tudo - possui personagens atuantes e profundos.
V de Vingança é mais do que um filme; É um filme que capta o transformismo que rege o Ser humano. De 5 a 5 de Novembro, no espaço de um ano, o triângulo transformante e transformador (V, Evey e o inspetor Finch) cumpre sua função de mudar sua perspectiva, ou melhor, ampliá-la, o que ocorre à medida que o catalisador (V) dá uma declaração convicta do que pretende fazer em rede nacional: explodir o prédio do Parlamento - uma referência à queda da Bastilha talvez...
Visões diversas são mostradas no decorrer do filme de forma sucinta. Percebemos a mídia alienante que reproduz notícias em função do interesse do Poder. Percebemos o poder da Igreja que se aproveita dos ideias para exercer os instintos; Vemos o povo, no íntimo de seu lar ou grupo de amigos, sujeitos a uma rotina maçante mas necessária. Necessária porque até aquele dia ninguém foi ousado o suficiente para externalizar sentimentos universais e cada vez mais desejosos de ter sua gênese declarada pelos sentidos do mundo. Percebemos o que ocorre nos bastidores - local onde a lógica do poder traça suas diretrizes.
Evey: em busca da compreensão. Amor em busca de explicação. |
O que acontece na cena final, quando todos militares - armados até os dentes - se deparam com um povo convicto? Um povo sem medo nem esperança - e portanto invencível. Um povo que num momento histórico está além do dualismo, se desprendendo tanto de positivo quanto negativo para ascender e gerar um novo positivo e um novo negativo. Pólos mais elevados na verticalidade evolutiva. Esses militares, sem líderes...sem saber o que fazer...simplesmente aderem ao bom senso: baixam as armas. Se comportam como a natureza quando se depara com seres altamente conscientizados, abrindo caminho. Caminho para transformação do Ser que se dá com duas ações simultâneas:
Destruição da matéria, pela matéria - Construção do espírito, pelo espírito
Destruição do Símbolo - Construção do Simbolizado
Desprendimento do passado - Fluxo para o porvir
Disse um sábio há muitos séculos:
"Se o grão de trigo que cai na terra não morre, ele fica só. Mas, se morre, produz muito fruto." (João 12,24)
O que é destruído não é a Vida. É apenas um invólucro. É aquilo que (ainda) louvamos nesse mundo. É a posse desmensurada, as relações vazias, as atividades alienantes, os processos sem finalidade, as ações de espetáculo. Eis o porque do mundo considerar terrorismo e violência um ato de abandono e rejeição das coisas deste mundo. ´Trata-se de uma carência no seguinte sentido: não somos capazes de conceber formas de vida (relações, profissões, discursos, ideias, organizações) mais elevadas.
Ansiamos pela verdade mas somos incapazes de vivê-la.
O novo mundo terá defeitos. Mas serão novos defeitos. Serão problemas que justificarão a existência de seres mais sensíveis psiquicamente. Seres à altura para trabalhar no plano dos conceitos e ideias. No plano da eficiência e integração. No plano da síntese e intuição. Eis porque V deixa o mundo e Evey permanece.
V é o produto do mal que acaba se voltando contra seus criadores pelo bem daqueles que não tem a potência necessária para enfrentar o rolo compressor do mundo.
V é UM mal mas não é O mal - por isso ele ama e Evey se convence de suas ideias.
V é aquele que atua pelo bem da forma mais eficaz - porque não perde tempo em sinuosidades.
V é aquele que conduz a dor do melhor modo possível - para que um pico intenso na história evite uma estrada longa, superficial e desnecessária.
V é necessário, mas não suficiente - porque o novo mundo é tudo que ele viabiliza mas ao mesmo tempo não vivencia.
Maravilhoso paradoxo!
Aqueles que mais viabilizam o Novo Mundo são tão empenhados em sua atividade que não podem se dar ao luxo de se prepararem para atuar no mesmo. Eles abrem portas, portões. Derrubam muralhas e despertam mentes. São ferramentas que servem algo maior. Como tudo e todos. Eu, você, o vizinho, a família, os amigos, os governantes, os empresários, os cientistas, os poetas, os filósofos,..o povo. Toda humanidade.
Inspetor Finch: um homem bom que busca um sentido em seu trabalho. Não é coincidência a semelhança com o capitão Gerd Wisler de A Vida dos Outros e o inspetor Javert de Os Miseráveis. |
Quem é V? V é tudo e nada. Depende da profundidade de visão. Depende da sensibilidade daquele que recebe a mensagem. Por isso não é definível - como tudo que é Fantástico.
Quem é Pico e Vale vive Picos e Vales.
Sem meio-termos. São aqueles que compreendem o mundo. Assimilaram a essência do passado que rege o presente e se lançam na Eternidade e no Infinito no intuito de encontrarem as forças criativas que estão subjacentes.
O processo de transformação - despertamento - de Evey exige dor.
É algo que vai além do entendimento intelectual e clama por um despertamento espiritual.
Se muitos pregam tanto que as dificuldades nos elevam, porque se abismam com uma ação intensa ,mas bem conduzida, que leva à ascensão? Somos ingratos às nossas dores. Elas nos elevam. Elas permitem nossa purificação. V tinha plena consciência disso ao fazer o que fez para Evey. Tanto é que ela o ama mais intensamente após passar pela sua catarse mística. Porque após superar essa barreira do som interior ela pode amar sinceramente e intensamente. Ela pode caminhar no mundo sem medo nem esperanças, livre do mundo para construir no mundo.
V de Vingança é uma "diversão" que clama por Trabalho.
É o mais emocionante mergulho na Realidade.
Não é diversão nem ocupação - está acima dos dois.
E por isso é o mais do ideal que abraça o menos do real, elevando-o.
Explosivamente,
Magistralmente,
Amorosamente...
Compreenda-o quem o puder...
Sinta-o quem o quiser...
Viva-o após compreender e sentir.