O nosso mundo tem muitas narrativas. São explicações que tentam, de algum modo coerente, justificar porque as coisas ocorrem de tal maneira e como é o mecanismo de funcionamento. Todas possuem aspectos de uma verdade maior - mesmo se pronunciadas de maneira emborcada. Algumas versões se digladiam, outras cooperam entre si. Cooperam com o intuito de competir com outras, combatendo em todos campos, de todas formas, nos momentos mais inesperados. E sempre com os objetivos mais nobres. Essa é a dinâmica do processo ascensional em nosso plano.
A existência nesta terra sempre foi feroz. A sobrevivência sempre pareceu ser o único objetivo. Nenhum espaço para qualquer coisa que transcenda os férreos limites da realidade mais tangível. E assim a luta se daria, ad aeternum, sem nenhuma novidade evolutiva substancial: apenas variações na forma de agressão, no modo de enganar, nas técnicas de disfarçar. Variações que dão a impressão de real mudança. Especialmente para aqueles despreparados, que pouco ou nada conhecem da natureza do mundo.
À medida que evoluímos a luta se torna mais complexa e menos feroz. No entanto, até certo ponto, esse decremento de ferocidade é compensado por um aumento pronunciado de consequências catastróficas e tensão psíquica. Dessa forma caminha-se para um ponto em que a incerteza aumenta à medida que se conhece mais. As experiências se sedimentam na psique. Os ciclos possuem ritmos mais abrangentes e sintéticos. A dinâmica se torna mais veloz, com períodos mais curtos e menos custosos para atividades que outrora pareciam inacabáveis - e mesmo impossíveis de serem realizadas. Mas a desorientação aumenta.
Quanto mais informação disponível; quanto mais contatos possíveis; quanto mais possibilidades; quanto mais a ser considerado para uma avaliação justa do outro (ou de uma ideia), tanto maior será o desgaste. A incerteza ascende e se consolida a partir do momento em que se atinge um máximo de inteligência luciférica. E com isso, o trabalho exigido daqueles que mais anseiam por colocar a humanidade numa rota salvadora, desviando-a de uma catástrofe aceitada por muitos, aumenta exponencialmente. O ritmo frenético demanda explicações incessantes. Para aquele verdadeiramente adiantado, parece absurdo ter de falar o que para ele já é óbvio. O fato de pessoas caírem em mil armadilhas tornam indivíduos, famílias, nações, povos, civilizações, reféns de um jogo de propaganda - no qual quem for mais convincente e tiver mais acesso às câmeras e microfones, ganha a mente e coração do involuído. Esse é o reino do Anti-Sistema.
Há muito desenvolvi um ensaio sobre a fenomenologia do fenômeno evolutivo [1]. Posteriormente comecei a esmiuçar os aspectos mais particulares, detalhando a visão, em vários textos [2]. Hoje tudo parece cada vez mais claro. Os fatos da vida vêm a confirmar a visão - que se desdobrou numa série de ensaios sistematizando como se dá o fenômeno íntimo de conscientização da alma humana. E podemos relacioná-lo com o jogo de forças de que tanto Pietro Ubaldi fala em suas obras.
No livro Queda e Salvação nos é apresentado o diagrama gráfico Sistema e Anti-Sistema (S e AS): dois triângulos opostos que representam a amplitude (horizontal) dos dois domínios em níveis evolutivos (vertical) distintos. Apesar de idênticos em dimensões e formas, trata-se apenas de um modelo simplificado para termos uma ideia da luta travada aqui nesse mundo. Com ele temos uma ideia da relação de forças (bem vs mal) e dos impulsos iniciais possíveis (causas) das trajetórias, com suas inexoráveis consequências (efeitos). De modo simples, uma vez estabelecida a causa (escolha livre), sofre-se as consequências da mesma (fatalidade, determinismo) por meio da perfeição da Lei. Compreender esse mecanismo de evolução do universo em seu âmago é a chave para a libertação deste mundo - ou seja, para avançarmos no caminho do progresso efetivo.
A evolução na forma racional (humana) parece apresentar uma particularidade: ela tende a um máximo de tensão quando o intelecto atinge sua maior amplitude de desenvolvimento. Leia-se: capacidade de argumentação, astúcia, velocidade de processamento, sistematização, capacidade de abarcar múltiplos saberes, etc. A consciência na forma humana está a meio caminho: inicia-se com o despertar da razão (homo sapiens) no ponto inferior; e finda com a superação da razão, absorvendo-a por completa e dando lugar à inteligência intuitiva, capaz de sínteses que hoje ainda parecem milagres ou inspiração mais ou menos comuns a gênios e líderes e santos e místicos. O despertar e consolidação dessa inteligência no seio da humanidade dará luz ao novo homem (super-humano), gerando uma nova espécie.
A questão é simples: quanto mais nos afastamos do ponto inicial, mais cresce a nossa experiência. E com ela, a capacidade de raciocinar. Visamos o benefício (inicialmente nosso, depois do coletivo). Abarcando uma quantidade cada vez maior de seres - em unidades coletivas mais vastas - ganhamos potência de atuação. A capacidade de organização colima em potência de expansão. O coletivo mais complexo possibilita a vivência individual mais plena. E com isso facilita-se a reforma íntima. Ela (o íntimo do indivíduo) é a origem dessas mudanças. A consciência desperta o ser, dizendo-lhe que novas necessidades surgem. Necessidades mais elevadas, que conduzem a métodos diferentes. Trata-se de um jogo de forças entre a imanência de Deus (substância do Sistema, o Bem) e a desobediência da criatura decaída (espíritos em ascensão, nós, o Anti-Sistema, portadores do Mal). Mas o mal não somos nós, seres nas vias da redenção - apenas admitimo-lo e com isso sofremos todas as consequências daí provenientes.
Analisando os triângulos de Ubaldi, podemos perceber que as forças S e AS se igualam no meio do caminho. Para cada espécie, nível, parece haver esse momento de equilíbrio. O homem, pelo que dizem, está justamente no meio caminho desse ciclo evolutivo universal, que vai do átomo ao espírito puro. E nossa espécie, além disso, está no seu derradeiro momento - de mudança. Atingimos o ponto máximo em termos de recusa à aceitação da Lei de Deus. Isso graças ao intelecto luciférico amplamente desenvolvido. A evolução do ser humano (homo sapiens) está a meio caminho: o máximo do AS se manifesta em nós, e concomitantemente estamos atingindo um grau de consciência que é metade das nossas possibilidades.
Quando as forças do AS (mal, segregação, confusão, argumentação infindável, barulho, desgaste, ineficiências, ilusão, luxúria, aparências) atingem o clímax, essas perdem seu potencial armazenado, sendo seu avanço subsequente um encolhimento natural, como uma mola que já atingiu sua máxima elongação. E assim solta-se o ataque final, com todas as forças: é a hora das trevas, em que parece que tudo está perdido e nada resta à humanidade. Desespero e terror tomam conta das pessoas, que deixam de acreditar e temem a ignorância - como se esta fosse durar para sempre. Mas eis que a imanência de Deus começa a agir: primeiramente em criaturas à frente (os evoluídos), e depois naqueles mais próximos, que começam a assimilar, confirmar, vivenciar e (igualmente) atuar destemidamente. É o momento decisivo. O cume da imensa montanha. O ponto em que não é possível retroceder e todos devem dar seu máximo rendimento, até à morte do corpo físico, se necessário - para a geração da vida eterna, no espírito, garantindo assim o ressurgimento daquele (corpo físico). E assim as forças do S (bem, afirmação, reflexão, síntese, eficiência, silêncio, sinceridade, honestidade, clareza, essência) passam a controlar definitivamente o processo de redenção que vai da matéria ao espírito; das trevas à luz; da pulverização máxima à unificação total.
É importante que nos apeguemos mais ao conceito e os princípios do que à forma e às aparências. Pois é o princípio que gera o tangível. E as aparências são apenas reflexo da nossa face íntima frente ao espelho que reflete o substancial.
Como se vê, tudo indica que a humanidade está nesse momento crítico, no qual todas as expectativas se voltam sobre nós. Há 50% de força do AS em atividade (Mal), e 50% de força do S igualmente ativa (Bem) no mundo. Como o equilíbrio é total, o embate é do mais feroz. Nesse jogo de forças o desespero chega ao limite, as forças parecem se esgotar e o sentido da luta e da vida parecem esvair pelas mãos - como as areias do tempo escorrem pela ampulheta.
Quando o intelecto era menor, o mal era mais cruel, porém sua capacidade de destruição era igualmente reduzida (ex.: Idade Média). Hoje, porém, o mal se desenvolveu a tal grau que sua manifestação plena é certeza de destruição coletiva em proporções de civilização. É mister que o bem se contraponha a essa avalanche de destruição ocasionada por uma mente que se tornou refém das aparências e das quantidades.
A expansão horizontal do intelecto (que fortalece o mal) não segue necessariamente o mesmo ritmo da ascensão vertical da consciência (que leva ao bem). É imprescindível que aceleremos a evolução na vertical através da interiorização da vivência, buscando o máximo de compreensão possível. O mundo precisa mais do que nunca de uma nova mentalidade. Uma mentalidade monista, que perceba os fenômenos, as relações, o progresso, a história, os saberes, os desenvolvimentos, mais como algo que tende a se irmanar numa unidade íntegra, íntima e fraterna - do que como algo que deva ser gerenciado e usado em proveito particulares.
O sistema deve mudar com a mudança dos métodos.
Os métodos mudam com a mudança da mentalidade.
A mentalidade muda com a conscientização.
A conscientização se dá interiormente.
É você quem desperta, por si só. Ninguém pode fazer algo que cabe a ti.
Mas nada impede outros de ajudarem você nesse processo.
Eis que reforma íntima e conscientização, se relacionam diretamente com vivência social e mudança sistêmica.
O mundo jaz em trevas, mas não por muito tempo.
A questão é: queremos ir adiante (salto evolutivo revolucionário) ou decair alguns séculos ou milênios?
Referências:
[1] https://leonardoleiteoliva.blogspot.com/2014/11/um-ciclo-duas-fases-piramide-expansiva.html?m=1
[2] https://leonardoleiteoliva.blogspot.com/2015/03/sistematizacao-do-processo-evolutivo.htm