Parece
uma Lei universal (mas não é): quanto mais uma pessoa enxerga e
sente e pensa, mais difícil é a inserção de seus pensamentos e
opiniões na sociedade. Isso é muito claro ao analisarmos a História
e observarmos as inúmeras injustiças humanas cometidas contra
pessoas de todas áreas, muito à frente de sua época: Arquimedes
foi morto pela impaciência de um centurião romano, que se recusou a
esperar que o cientista terminasse uma linha de raciocínio; Galileu
foi ignorado pela Igreja ao apresentar sua nova teoria astronômica;
Albert Camus foi sistematicamente rejeitado pelos intelectuais da
época por ter uma mente mais livre que a média; Beethoven sempre
esteve numa condição financeira ruim por não se curvar à Nobreza
e Igreja; e por aí vai. Os casos são inúmeros. E hoje em dia,
apesar dos ataques serem menos bárbaros (não se pode mais condenar
alguém à fogueira por acreditar ou pensar em algo pouco usual), a
"defesa" da sociedade contra as mentes inovadoras continua
firme. Podemos encaixar Noam Chomsky nessa categoria de gente.
Chomsky. Olhar introspectivo. |
Abraham
Noam Chomsky é uma personalidade muito peculiar. Desde a mais tenra
infância esse judeu descendente de ucranianos apresentou uma
sensibilidade social aguçada aliada a uma capacidade intelectual
(muito) acima da média. Em vários campos.
Aos 10
anos escreveu um artigo (isso mesmo, um artigo) sobre a Guerra Civil
Espanhola que ocorria do outro lado do Atlântico. Desde essa época
ele já tinha uma compreensão madura do que eram coisas como
autoritarismo, capitalismo, socialismo, comunismo. E compreendia os
fenômenos político-sociais ocorrendo, sempre se distanciando da
visão propagada pela mídia. Analisa, reflete e pondera. Algo muito
raro em nosso mundo. É graças a ele que mantive minha postura de
defesa ao socialismo libertário (comumente conhecido como
anarquismo). Graças aos seus textos claros, inteligentes e atuais
pude compreender o que de fato é o anarquismo - infelizmente ainda
muito associado à desordem.
Chomsky
se especializou em linguística no MIT, instituto onde leciona há
mais de 40 anos ininterruptamente após obter seu doutoramento. Mas
ele vai muito além da sua área, escrevendo artigos (e participando
de Fóruns) sobre sociedade, política, ética e psicologia. É uma
pessoa completa. E moralmente elevada, independente de sua crença ou
não-crença.
Não é
à toa que as influências de Chomsky são personalidades que
construíram grande parte do mosaico que é seu ser. São mentes
igualmente brilhantes, cujas formas de pensar, atuar e sentir são
semelhantes a dele: Bertrand Russell, Mikhail Bakunin, Adam Smith,
George Orwell, Alan Turing, Karl Marx, John Dewey, entre outros.
Interdisciplinaridade
é algo que permeia a mente de Chomsky. Essa característica
inclusive está cada vez mais presente nas mentes mais criativas que,
além (ou em conseqüência) disso, melhor sabem administrar sua vida
pessoal e profissional. É como se estivéssemos voltando a uma era
pré-industrial, na qual floresceram pessoas que dominavam várias
áreas do conhecimento e relacionavam as coisas. Só que melhor.
Agora a especialização parece cada vez mais ganhar aspecto de ter
sido apenas um surto de uma Era (industrial) que, uma vez atingida a
maturidade, tende a dar lugar para uma nova Era (pós-industrial).
É
triste perceber que desde o início de seu trabalho extracurricular,
Chomsky sempre foi ignorado e boicotado pela mídia e grupos
corporativos poderosos. No entanto, pensando bem, isso é bom, pois
demonstra que suas reflexões estão muito próximas da verdade (o
maior medo dos poderosos é ver a verdade se espalhar e ser
compreendida pelo povo...exatamente o que esse grande lingüista vem
tentando fazer há décadas de forma magistral).
Dentre
suas obras mais impactantes se destaca "O Lucro ou as Pessoas?",
uma análise profunda sobre a insustentabilidade do modo de operação
(da maioria) das grandes corporações, e sua constante tentativa de
se apoderarem dos bens constitucionalmente garantidos aos povos do
planeta - de forma muito discreta e lenta, vale ressaltar. Através
dessa obra esse grande pensador contemporâneo traz à tona o tema do
autoritarismo, revelando que essa forma de administração está mais
forte do que nunca. Foi revitalizado pelo meio privado, que se
adentrou no aparato estatal. Aparato este que se tornou altamente
permeável a interesses particulares em detrimento do bem público.
Hoje mais do que nunca. Mas imperceptível para o cidadão que recebe
a educação regular.
Em
"Notas sobre o Anarquismo" existe uma análise que vai na
mesma linha de "O Lucro..." mas dessa vez o foco está no
esmiuçamento de um sistema de auto-gestão que na prática nunca se
concretizou (houveram pequenos surtos como o arraial de Canudos, em
1898, e a Comuna de Paris, em 1870). O livro é uma entrevista. Uma
entrevista muito interessante na qual vão sendo lançada as
perguntas mais comuns e ferozes contra qualquer um que esboce um
pensamento favorável a doutrina anarquista. E Chomsky rebate cada
ataque serenamente e com muita racionalidade. Uma racionalidade à la
Bertrand Russell. Quando cheguei ao fim de minha leitura me dei conta
de que um sistema desse tipo só não foi implementado até o momento
porque a humanidade está num nível intelecto-moral muito abaixo
para assimilar algo do tipo.
São
poucas as pessoas dotadas de paciência e vontade em compreender o
mundo. Por isso Chomsky está "perdendo". É uma mente
muito à frente de seu tempo, que só encontrou um pouco (um pouco)
de refúgio justamente no local com maior tolerância aos diferentes:
o MIT. Mas ele está além.
Dentro
de mil anos, quando (espero) a civilização estiver num novo patamar
de desenvolvimento, historiadores do futuro irão ver em Noam Chomsky
uma personalidade de seu tempo.
E aí a
justiça será concretizada.
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