terça-feira, 22 de junho de 2021

A ponte entre a técnica primorosa e o misticismo envolvente

O estudo e implementação do pensamento sistêmico no mundo à nossa volta é algo relativamente novo. Desde tempos imemoriais a humanidade vêm exercitando inconscientemente formas de organização sistêmicas. Atitudes e planejamentos que apontam para uma associação na qual a soma de cada elemento constituinte do grupo produz um resultado maior do que a mera soma dos resultados individuais. Em outras palavras:

O todo é maior do que a soma das partes.

Isso tem um significado muito profundo. Essa é uma frase permeada de monismo. E toda a obra de Ubaldi está repleta desse pensamento que visa transcender a técnica, o mecanicismo, a objetividade pura. 

O todo é produto da associação harmoniosa, ordenada e sequencial entre as partes. O ritmo dita a sequencialidade; o posicionamento (ou função especializada que cada um cumpre) permite a ordem do conjunto, tanto no resultado quanto no processo; e a observação e aceitação desse ritmo e posicionamento por todos elementos que fazem parte desse grupo dá a harmonia - um hino à beleza da organização dinamizada.

Fig.1: Toda natureza apresenta uma assinatura. É nessa marca de determinismo no nível infra-humano
que devemos buscar a inspiração para criarmos as lógicas que devem governar os sistemas humanos. 
Por trás, em sua substância, a TTMF (Trajetória Típica dos Motos Fenomênicos).

A obra de Ubaldi se coloca como um elemento fundamental para a transição da humanidade: estamos passando, como espécie, de um tipo biológico médio predominantemente astuto para um tipo biológico médio predominantemente evoluído. Eu disse: predominantemente. Isso significa que não somos 100% astutos nem nos tornaremos 100% evoluídos após esse regime de transição. Significa que o centro de gravidade das preocupações humana passará a ser mais profundo, mais próximo às reais causas dos problemas que tanto nos assolam; significa que haverá mais espaço para falar do abstrato, do espírito, do intangível; significa que será levado mais seriamente ideias outrora rejeitadas; significa que a coordenação nas instituições deverá ser mais pautada pelo incentivo do que pela repressão; significa que a razão estará estreitamente ligada ao sentimento, possibilitando descobertas revolucionárias no campo da ciência, unificações de correntes filosóficas e aceitação entre as religiões. Isso tudo será consequência da compreensão entre os seres, que saberão ler profundamente o pensamento e sentimento mais íntimo de seu semelhante, sem se prender a aspectos formais da comunicação (ex.: palavras, imagens, gestos). A intenção será melhor percebida - e com isso os desentendimentos decrescerão muito.

Todos formalismos do pensamento sistêmico - inclusive sua implementação nos campos mais díspares, como microbiologia, química, planejamento urbano, análise sociológica, ecologia, projeto de sistemas de engenharia, inovações administrativas, entre outras - tem um mesmo objetivo: compreender melhor a realidade à nossa volta. Ele é uma superação do pensamento mecanicista. Ele não despreza, mas vai além deste, usando ferramentas e métodos deste quando necessário - e indo além quando a técnica se mostra insuficiente. 

Fig.2: Expande-se a consciência, gera-se a necessidade de superar o pensamento mecanicista. 
Das partes ao todo, ganha-se visão; dos objetos aos relacionamentos, ganha-se intimidade; das hierarquias
às redes, nos posicionamos como irmãos; da causalidade linear à circularidade, enxergamos as realimentações;
da estrutura estática ao processo, vemos o transformismo inspirador e desafiante; da certeza passa-se à incerteza, para continuarmos a ganhar novas certezas, mais sublimes. Fonte:[3].

Tudo indica que se trata de uma transição entre duas formas mentais estabilizadas: uma delas (mecanicista-técnica) cheia de certezas que não são mais suficientes para lidar com a complexidade do mundo; outra, ainda por nascer (intuitiva-sintética), que traz certezas de questões ainda desconhecidas ao tipo médio. O pensamento sistêmico é uma dúvida que se traduz em dinamismo, que viabiliza a transição entre uma certeza inferior (técnica) e uma superior (misticismo).

A consciência intuitivo-sintética seria apenas a plataforma para uma conquista ainda mais elevada, em que não apenas se vê/concebe tudo simultaneamente, se capta noúres, mas (ainda além) o indivíduo se funde ao próprio fenômeno, não apenas se colocando dentro do mesmo, mas amando o fenômeno com todas suas forças, todo seu coração, toda sua alma e todo seu entendimento.

"“Amarás, pois, ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu entendimento, e de todas as tuas forças; este é o primeiro mandamento.” (Marcos 12:30)

Assim vejo o pensamento sistêmico como uma ponte (dinamismo) entre a técnica racional-analítica e o misticismo. Fica desvendado o significado mais profundo do que havia escrito alhueres, em outro momento, quando a maturidade ainda não havia atingido o grau presente [1].

A sensibilização do ser - causa central do avanço da ciência - exige novas formas de abordar a realidade. Isso leva à necessidade de novas teorias. Modelos evoluem conforme os limites do ser expandem. Como se vê, tudo é dinâmico. Evolução é a palavra-chave. Não uma evolução exterior, de formas orgânicas, nem de tecnologias; e sim uma transformação incessante e criativa do pensamento, da capacidade de associação, de sonhar, de ousar, de transcender um paradigma. Essa evolução se dava antes restrita à genética (mundo natural); hoje se dá de modo cultural também. E isso ocorre de forma tão acelerada, que começa a haver uma interação entre cultura e gene. 

"Sabbadini warns that if we do not want to perish in this post-industrial society, we will have to re-appropriate some of the natural wisdom of pre-agricultural society. It boils down to how we view and experience the world—our prevailing epistemology. Whilst Thomas Kuhn introduced the ‘paradigm shift’ to describe a radically new scientific view, Gayle asserts that even more important than that is how we engage with the world. He prefers the notion of stewardship to describe such a quality of engagement. Taken together, a more appropriate description of such a shift would be the Greek word metanoia, a radical transformation of how we engage with the world."

Fonte: [2] (grifos meus) 

"Sabbadini avisa que se não quisermos perecer nessa sociedade pós-industrial, teremos de nos reapropriar da sabedoria natural do mundo que era característica das sociedades pré-agrícolas. Se resume a como nós vemos e experimentamos o mundo - nossa epistemologia atual. Ao passo que Thomas Kuhn introduziu a 'mudança de paradigma' para descrever uma visão científica radicalmente nova, Gayle afirma que mais importante do que isso é como nós interagimos com o mundo. Ele prefere a noção de gerenciamento para descrever como se dá essa qualidade de engajamento com o mundo. Considerando em conjunto, uma descrição mais apropriada dessa transição seria a palavra grega 'metanóia', uma transformação radical de como interagimos com o mundo."

Tradução minha (grifos meus)

Essa transformação está no modo de interagir com o objeto (mundo externo). Sujeito e objeto não são mais entes completamente dissociados, mas individualidades de níveis distintos, com diferentes trajetórias, vivendo experiências particulares, que interagem entre si de uma maneira especial. As relações entre o eu e o outro revela que certos rearranjos podem possibilitar a ambas as partes a aquisição de mais conforto (praticidade de vida) e conhecimento (intercâmbio enriquecedor). Dessa forma trata-se de perceber que a construção de interconexões entre sistemas artificiais - ou relações entre sistemas naturais - é o esboço de formação de uma nova unidade coletiva, superior em capacidades. Isso exige cooperação

Para que qualquer criatura viva uma vida individual plena numa sociedade evoluída é imperativo que ela se sinta parte do todo - para que possa contribuir com o todo. Isso vale para tudo e todos imersos nessa sociedade, independente de sua posição hierárquica. Mas (ao mesmo tempo), para a pessoa se sentir integrada ao organismo, a hierarquia deve ser o mais justa possível. Ou seja, a inspiração dessa ordem deve vir da percepção do que seria a hierarquia divina. 

Fig.3: A forma (matéria), dando caráter de individualidade às coisas e seres, aponta para 
uma combinação de frequências (energia). As frequências são resultados de uma vibração, 
características sutis que emanam do espírito.

Devemos olhar para a forma (geometria) apenas por um tempo. Como se ela fosse uma seta que aponta para um infinito. Um infinito, 'localizado' no recôndito da alma. Ao analisarmos os sistemas à nossa volta, devemos adotar a mesma mentalidade. O Princípio das Unidades Coletivas nos diz exatamente que toda unidade-síntese é formada por elementos menores que se complementam. À medida que estes se especializam, sentem a necessidade de se associar - antes de forma instável e bruta, posteriormente de forma estável e suave. Assim podemos perceber que a unidade se faz através da combinação da dualidade - e que esta é guiada pelo senso unitário. 

O modelo do 'iceberg' dá uma boa ideia de como podemos adotar uma postura mais sistêmica perante os acontecimentos da vida.

Fig.4: O tipo de pergunta que fazemos diante dos eventos demonstra se seremos capazes de 
chegar à solução definitiva ou não. Perceba que o poder de alavancagem (mudança definitiva)
cresce à medida que se vai do tangível ao intangível; do concreto ao abstrato; da forma à essência;
do temporário e caótico ao eterno e ordenado.

Os noticiários geralmente estão focados nos fatos do quotidiano: o que aconteceu, quando aconteceu, onde aconteceu. Lista-se alguns outros acontecimentos que podem ter levado ao fato - geralmente isso é feito de maneira a garantir que uma visão de mundo prevaleça. As pessoas que aceitam e operam nesse nível tem suas vidas ditadas pelo que lhes é apresentado de modo mais frequente, com vestes mais voluptuosas, nos horários mais adequados e na forma mais digerível. Reage-se na base do evento também: aconteceu isso devo fazer isso. É reativo.

Quem vê as coisas em termos de comportamento deu um passo mais fundo na realidade sistêmica: ela deseja saber como fatos do tipo vêm ocorrendo ao longo do tempo. Ela seleciona uma escala adequada; analisa tendências; compara variáveis. Ela percebe a continuidade no tempo das coisas, e com isso consegue imaginar que deva existir algo por trás disso - mas não vai além. Ela sai da visão dos pontos para perceber o caminhar desses pontos, percebendo padrões que se revelam. É investigador.

Quando o indivíduo se pergunta 'por quê' aquilo está acontecendo, chegou no nível de investigação da estrutura. A lei da causalidade faz parte de seu dia-a-dia. Baseado nos desenvolvimentos (=comportamentos) ele começa a relacionar variáveis. Vê relações lineares ou não-lineares; correlações; causas e efeitos; variáveis em função de outras. Percebe a complexidade daquilo que analisa. Percebe que o mundo chegou a tais resultados a partir de uma certa lógica imperante. Lógica que embalou a sociedade. Ou (para sistemas naturais) os fenômenos que criaram as condições para as coisas se apresentarem como se apresentam. Ele quer saber os porquês. É antes filósofo, depois cientista

Quem vai mais longe se pergunta como a nossa visão de mundo criou essa estrutura. Chega-se ao nível da forma mental (ou modelo mental). É essa forma de que Pietro Ubaldi tanto comenta em suas obras. Diz sempre que é preciso que o ser humano mude sua forma mental para obter novos resultados. Toda vida e obra de Ubaldi é baseada e opera nesse nível de consciência. E mais: relaciona todos os estratos: eventos-comportamentos-estrutura-pensamento.

Nesse ponto começa-se a perceber o quão grande foi a contribuição do pensamento ubaldiano para a Teoria de Sistemas. Ele viveu a ciência de sistemas. Concatenou as coisas de modo diferente, de forma a envolver as pessoas. Partiu da técnica para se chegar ao organismo; e deste para um grau ainda mais alto:o misticismo.

A técnica é primorosa. Ela depende do capricho para render a sua utilidade (conforto). O misticismo é envolvente. Ele depende da sua capacidade de seduzir espiritualmente para gerar evolução.

Fig.5: Significados e finalidades da técnica e do misticismo.

Para uma transição entre duas certezas - ou melhor, para a transformação de uma certeza antiga (restrita) numa outra nova (geral) - nada melhor do que um agente dinamizante (pensamento sistêmico) que possa estabelecer a ponte entre um mundo e outro. 

Como a energia, que viabiliza a comunicação bidirecional entre espírito e matéria. Tudo funciona tendo como princípio-base esse dualismo trifásico que busca chegar a uma nova unidade-síntese. 

Os dois pólos (técnica e misticismo) interagem através do elemento que permite a interação (lógica sistêmica). São duas mãos que se redesenham usando a caneta dinamizante. Uma prepara a outra para 'morrer' (isto é, assumir papel de subordinado); outra prepara a outra para 'nascer' (isto é, assumir papel de chefia). 

Fig.6: Mãos que se formam para um novo mundo. Através da caneta. Todos caminham para
um novo mundo. Melhor, mais vasto, glorioso...

Assim retomamos tema antigo com visão mais profunda, esclarecendo, exemplificando, sentindo e vivendo mais à fundo o significado dos dizeres iniciais. Como uma espiral, expande-se em todas direções, com o objetivo de envolver mais e mais, até o infinito.

O vídeo abaixo fala sobre VUCA, acrônimo para Volatilidade, Incerteza, Complexidade e Ambiguidade (em inglês, Volatility, Uncertainty, Complexity and Ambiguity), que são características de sistemas complexos. Todas essas características apontam para um movimento assustador que, no fundo, objetiva chegar a um porto seguro, estável...

Fonte: [6].

Muitos se assustam por não saberem aonde vamos chegar. 

Alguns já não temem, pois sabem qual é a meta da Lei e a Justiça de Deus.


Referências:

[1] OLIVA, Leonardo Leite. Pensamento Sistêmico: ponte entre técnica e misticismo. Março, 2018.

[2] VAN WYK, Claudius. Physics and Spirituality. Publicado na primavera de 2019. 

[3] BASTOS, João. Entender o Pensamento Sistêmico é o primeiro passo para compreender o Direito Sistêmico. Junho, 2019. Link: [3]

[4] UBALDI, Pietro. Ascese Mística. 1939.

[5] UBALDI, Pietro. A Grande Síntese. 1937.

[6] What is VUCA? Systems Innovation. Youtube, Agosto de 2019.

2 comentários:

  1. Caro Leo,
    Parabéns por colocar em tela assunto da noosfera, é um aspecto da criação que vai se revelando cada vez mais.
    É lógico que o iluminado Gilson mereça ser colocado também em tela, ele é uma luz no mundo!!
    Estou fazendo um texto para voce com alguns sentimentos meus em relaçao ao sectarismo no meio espírita que percebi esta acontecendo hodiernamente. Contudo, está ficando um pouco grande e por isso quero mandar-te por email se nao se importar me envie um email para brunin@gmail.com para mim te adicionar na minha lista de amigos do correio eletronico. rsrs...

    abraco.

    Bruno

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    1. Olá Bruno.
      Sim. O Gilson é fenomenal. Está preparando terreno para futuros desenvolvimentos.
      Pode me mandar seu texto. Vou enviar um 'oi' via email e assim podemos manter contato.

      Abraços.

      Leo

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