terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

Dinheiro, para quê te quero?

O mundo sempre se deixou levar por interesses mais ou menos imediatos, muito concretos, bem sensórios. O poder sempre foi meta do ser humano. Com o dinheiro isso ganhou uma nova cara. Passa-se a ter um meio universal, poderoso, para comprar qualquer coisa que possa dar controle de um grupo sobre outro. Acesso a mais bem-estar ou poder de destruição ou controle de rotas ou determinação de políticas. Dinheiro: um meio para o controle de outros e de gozos inesgotáveis - muito mais que um meio de tornar as trocas possíveis e eficazes. 

Bom ou ruim? Necessário ou não? 

Muitas questões sondam a mente humana quando se começa a pensar nas vantagens e desvantagens desse meio de troca. A verdade é que seu surgimento - assim como a imensa maioria das criações humanas - teve a finalidade de viabilizar trocas. Trocas que seriam impossíveis de serem feitas se mantivéssemos o escambo. Logo, sem comércio tal qual conhecemos. Ou financiamento. Ou tecnologias. Ou bem-estar. 

Fig.1: O dinheiro impulsionou a humanidade. Vários vetores se desenvolveram através dele. 
Sem ele, não haveria a pesquisa científica, a tecnologia, a rica variedade de produtos, as relações comerciais
multifacetadas ou coisas do gênero. O bem-estar mesmo não seria viável. 

Yuval Harari deixa isso muito claro no livro Sapiens. Com uma simples situação hipotética (porém verossímil), o historiador israelense destaca a impossibilidade da nossa espécie progredir sem um mediador universal, válido em qualquer lugar, com valor fixado a partir de uma referência, regulamentado e produzido por uma autoridade central, o Estado. 

Imagine que você seja um pastor lá pelo ano 5.000 a.C. e tenha 5 vacas que te dão leite e carne. Você tem mais do que precisa em termos de alimento. Também tração animal para a semeadura. Mas acontece que você precisa de outras coisas. Outros alimentos (trigo e ovo, digamos). E vestimenta, que depende de alguém que plante algodão ou coisa do tipo, e outro que fabrique vestimentas apropriadas ao seu tamanho e necessidades. E maçãs. E ferramentas especiais que você não sabe produzir - por falta de materiais, técnica e tempo. Entre outras coisas.

O que era feito? Bom...você poderia pegar uma vaca sua e tentar trocar por alguns outros itens. Digamos, uma vaca por 2 galinhas, 50 maçãs, 1 saco de trigo, quatro túnicas. Daí você descobre que uns tantos km de onde você vive tem um senhor que tem um pomar; e mais alguns km desse lugar, uma senhora artesão produz roupas; e outra família tem uma plantação de trigo. 

Você parte para esses lugares, um por um, e tenta fazer um acordo com todos. 

Primeiro problema: quem garante que cada um precisa de uma vaca? E como se trata de uma, ela teria de ser compartilhada?

Segundo problema: se por acaso todos tenham interesse na vaca, e se algum ou todos quiserem alterar o valor a ser dado?

Terceiro problema: se você tiver de tratar um por um, que precisa da vaca inteira, deverá disponibilizar mais vacas e aumentar o que você receberá dos itens. Mas você precisa apenas do que você deseja.

Quarto problema: e se as maçãs estiverem ruins? ou algumas? E se as galinhas estiverem com alguma deficiência? E se as roupas precisarem ser trocadas (garantia?)?

Então, diante disso, você precisará lidar um por um, fazendo um negócio fechado com cada pessoa de seu interesse.

Mas A não quer vacas, quer mel. E B não quer vaca também, quer galinhas. E C quer cabritos. E D quer um cavalo. 

Daí você percebe que terá de encontrar mais pessoas, com interesse em vender os itens que A, B, C e D querem, e ao mesmo tempo que tenham a necessidade de ter uma vaca. 

Isso está ficando demasiado complexo...

Depois de muito, você se contenta em fazer trocas simples e se limitar a uma vida de ritmo lento, com pouquíssima diversidade. 

Deu para ter ideia da inviabilidade do escambo numa sociedade complexa? Pois é. Há necessidade de algo que facilite as trocas. Algo que possa ser dado a qualquer um, que tenha valor para todos, e um sistema de referência. Aí entra o dinheiro.

Perceba que se trata de algo necessário para a espécie dar os próximos passos. Não significa que tudo será maravilhoso. Significa apenas que o progresso será continuado e irá adquirir um colorido maior. E com essa variedade, mais possibilidades de descobertas, invenções, relações. Mais tempo para cuidar de outros assuntos e guerrear e conquistar e planejar e etc. Sim, meu amigo, muita coisa cruel. Mas esse é o caminho do progresso nas fases iniciais - pouco evoluída, em que predomina o tipo involuído, da força, tão bem descrito por Ubaldi. 

O dinheiro é, em sua maioria, não-físico atualmente. Dos trilhões anunciados pelos noticiários e pelos governos, apenas uma pequena fração é impressa em notas e moedas. Grande parte são bits em sistemas computacionais. Esse grande percentual - que não é impresso serve para - conceder empréstimos às pessoas. Os bancos emprestam dinheiro e quem recebeu o crédito tem um prazo para pagar, com uma taxa de juros (geralmente alta, especialmente em alguns países como o Brasil). E assim quem possui os meios é capaz de ganhar muito dinheiro. Harari explica esse mecanismo em seu livro Sapiens. Ele destaca que isso permitiu aos reinos e impérios europeus explorarem e conquistarem o mundo sem necessariamente terem os recursos em mãos no presente. Trata-se de criar algo (dinheiro) no presente, para financiar expedições, exércitos e pesquisas, por exemplo, que gerarão (espera-se) riqueza - que será paga de volta a quem emprestou. É um mecanismo interessante.

A partir da Idade Moderna surge então o conceito de crédito e dívida. Esta é contraída por uma pessoa quando pega dinheiro emprestado do banco. Quando a pessoa paga de volta com juros, a parte original pode ser deletada do sistema (chamemos de bits monetários), restabelecendo o equilíbrio. Mas e a parte adicional que advém dos juros?

Assumindo que ninguém imprima dinheiro em casa, deve-se recorrer a um novo empréstimo para pagar os juros contraídos. E assim por diante, ad infinitum. Você percebeu? Esse sistema depende de uma ação de empréstimo (endividamento) perpétuo para continuar funcionando. 

Observe à sua volta. Pergunte para as pessoas (se puder). Você irá notar que esses empréstimos são cada vez mais necessários para o empreendimento humano. 

É claro que devemos destacar algumas coisas. As cooperativas, por exemplo, concedem empréstimos a taxas de juros muito melhores do que os bancos. Os juros dos seus cartões de crédito são maiores. Etc. São mais vantagens para o cidadão comum. São melhores, mais humanas, mais vantajosas para o povo. Com certeza. Mas não fogem à lógica de funcionamento e ao destino inexorável desse sistema. 

Aqui estamos falando das premissas, dos paradigmas, dos alicerces de nossa civilização - não de soluções boas e originais dentro (ou seja, restritas a) dessa lógica. 

Quando o sistema financeiro quebrou em 2008 os governos assumiram (em parte) a função de criar  dinheiro, criando lastros para que seus bancos centrais comprassem eles a partir do dinheiro recentemente adicionado ao mercado. Isso levou os níveis de endividamento global aos patamares da atualidade - e que não para de crescer.

Fig.2: Nível de endividamento em relação ao Produto Interno Bruto, ou PIB (dos EUA). 
O gráfico mostra a relação dívida / PIB. Percebam os períodos de picos.

Então nada foi resolvido. Apenas ajustado para dar continuidade à política Busines as Usual (BAU). Ou seja, continuar fazendo tudo igual, com cada vez mais quantidades, extração e novidades (inúteis em sua imensa maioria). 

Distribuir renda às pessoas pode aliviar em parte - e no curto prazo - a tensão social. Mas isso levará o sistema a aumentar a tensão sistêmica ainda mais, preparando choques violentos quando a declividade do processo de colapso estiver a todo vapor. Ou seja, não é uma solução para a sobrevivência. Isso porque as pessoas, com dinheiro em mãos e vidas miseráveis, irão comprar bens e serviços (nada de mal nisso), causando o aumento dos preços (aumento da demanda leva a aumento dos preços). E evitar isso é improvável. Mais detalhes disso vocês podem encontrar aqui [1].

Riqueza é a base de desenvolvimento de nossa sociedade. O dinheiro é mero coadjuvante. Riqueza vem da terra, da matéria viva e não-viva, das conversões energéticas. Ponto. Tire essas três coisas e você não tem nada: sem celulares, sem notebooks e TV's de 50 polegadas, sem casas e apartamentos chiques; sem carros e ônibus e trens e aviões; sem internet; sem aquecimento e banhos quentes e geladeiras que conservam; sem produtos que todos adoram comprar; nada...Meu amigo, é preciso ter isso em mente. Porque uma ideia, uma ciência, um projeto, um modelo de desenvolvimento, que não leve essa premissa em consideração está fadado a levar toda civilização à bancarrota.

Pode-se imprimir dinheiro, mas não recursos. Além disso (para deixar pior), não podemos evitar a degradação dos recursos. Isso é uma lei da natureza. Ponto.

Quando Sua Voz reforça a ideia de que, em nosso universo, matéria, energia e espírito são fases contíguas, ela está nos dizendo que jamais podemos evoluir isolando uma da outra. Aplique esse princípio para o desenvolvimento humano e você perceberá que o desenvolvimento de nossa consciência (via criatividade, ideias, afetos) depende fundamentalmente dos níveis da base da pirâmide evolutiva (matéria bruta, energia e seres vivos).

A realidade é integral.

Não que não devamos espiritualizar a matéria. Não que não devamos usar o espírito como bússola. Mas o caminhar é junto. Isso vale para a sociedade, mas igualmente para todo o resto, inclusive a realidade física mais elementar. 

Isso é monismo.

Se não conseguimos mais extrair riqueza da Terra, criar dinheiro nada mais é do que distanciar a curva da economia real da economia virtual. Energia é a base da economia. Ponto.

Como 85% de nossa matriz energética advém de combustíveis fósseis - e não interessa se um país é mais ou menos 'verde', pois no presente a rede de interdependências é tão complexa e num ritmo tão dinâmico que cada um depende do conjunto, de modo que se o conjunto está mal, todos vão mal, independentemente de casos particulares bem sucedidos. 

As soluções do nosso impasse econômico - que é uma das facetas mais sensíveis a nós, imersos nessa lógica insustentável  - seriam, segundo referência que ando estudando [2], as seguintes:

a) deletar o dinheiro excedente, empobrecendo bilionários (o que é improvável se não impossível) ou;
b) deixar a inflação se manifestar livremente, levando a um aumento de preços como um foguete, balanceando produção com dinheiro.

No entanto, a opção 'b' deve levar a uma contenção desse aumento, fazendo com que continue a produção de dinheiro, o que geraria o problema novamente. Ou seja: não resolve.

Tudo isso implica no fim do crescimento econômico - e início do decrescimento, como bem anteviu Serge Latouche [3]. O vídeo abaixo do Canal Sextante (da Barbara Veiga), é uma rápida entrevista com a Lina Marinho. Ele ajudará você a compreender melhor do que se trata quando falamos em decrescimento da economia e soluções.


As limitações do vídeo (acima) é não enxergar a inevitabilidade da degradação energética. Mas de resto a moça explica muito bem os caminhos (em linhas gerais). O problema é que temos uma premissa que nos impõe um fim forte - não necessariamente o da espécie, mas de um modo de vida.

Vamos continuar analisando as consequências considerando o aspecto mais profundo.

Com o fim do crescimento o dinheiro perde seu valor imensamente. Seus investimentos, suas ações, seu dinheiro guardado no colchão ou na lata de metal valerá quase nada. Os preços deverão cair absurdamente (casas, veículos, comida, etc.). Pois com o decrescimento vem a redução do dinheiro - tornando impraticável a manutenção dos preços atuais - que estão subindo que nem um foguete. 

É como diz Ubaldi em sua obra: ou aprende-se a seguir a Lei pelo bem (seguir os princípios do Evangelho); ou aprende-se a segui-lá pelo mal (consequências naturais). 

Simples assim meu amigo, minha amiga.

Então, baseado nos fatos e no (des)caminho que continuamos, em geral, podemos concluir o seguinte: a 'solução' é aprender alguma habilidade manual útil para com ela obtermos nossos recursos e nossa energia. 

Devemos começar a praticar marcenaria, confecção de objetos, elétrica e hidráulica básica, manusear ferramentas, alimentar-se de modo mais natural (menos produtos industrializados) e nos condicionarmos fisicamente, caminhando bastante e carregando coisas e termos um bom sono. 

Mas acima de tudo, o que realmente precisamos desenvolver é essa concepção mais profunda da vida. Mas espiritualizada e em sintonia com a ciência (que irá retroceder inexoravelmente). Pois o nosso desenvolvimento sempre deveria ter tido como eixo central o nosso interior. Por isso eu digo 'monismo' e relaciono com tudo que existe - e ainda não existe. 

Evolução não significa ter mais acessibilidade, mais 'drones' entregando comida com um clique, mais prazeres, mais realidade virtual capaz de fazê-lo desfrutar prazeres (metaverso), mais subterfúgios covardes, mais adaptações egoísticas, mais potência, mais velocidade,..etc. Isso é tudo um câncer quando passa de certo ponto. 

Evolução é superar o plano evolutivo que não mais corresponde aos anseios da consciência, e assim verdadeiramente se tornar menos dependente da realidade nua e crua da matéria - mas sempre integrando-a com sua espiritualidade.

Sim: teremos de aprender a fazer um escambo mais inteligente. Será um escambo pós-dinheiro. Um escambo de evoluídos - não de involuídos. Isso exigirá criatividade. 

Nosso futuro radiante (se soubermos lidar com a transição) será mais ou menos assim:

Fig.3: Se tudo der certo, estaremos meditando, nos compreendendo, estudando o essencial,
trabalhando, trocando afetos e visando a verdadeira evolução. Eu gostarei.

A grandeza estará no interior. Quem ficar (= continuar reencarnando aqui) será mais desperto. 

Iremos aprender muito nas próximas décadas.

Estejamos preparados meus amigos.

Referências:

Link: <https://thehonestsorcerer.medium.com/the-myth-of-money-afc95a7ebd5c>

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