quinta-feira, 1 de novembro de 2018

O Método do Anti-Sistema: Equalização maquiavélica para maximizar tensão

Existe uma perversidade no universo do relativo que consiste em se deixar seduzir por conjuntos de verdades e usá-las em prol do favorecimento de uma determinada ideologia, grupo ou indivíduo. Esse tipo de arquitetação de eventos para construir uma narrativa adequada a um certo público - que acaba por retroalimentá-lo, se envolvendo no processo de construção de forma inconsciente, atrelando suas ações presentes às possíveis críticas futuras que elas possam fazer da própria narrativa - é impossível de ser desmontado à luz da pura razão.

A eloquência argumentativa irá dar a palavra final a respeito da História - reproduzida às gerações futuras - e um modelo mental a ser implementado, estabelecendo a estrutura de um sistema. Não é a busca pela verdade, e sim o estabelecimento de uma verdade relativa capaz de dialogar de forma convincente com o subconsciente médio humano, que a aceita e passa a defendê-la como a única existente. Mesmo aqueles que no íntimo sentem um erro profundo tem dificuldade enorme em não cooperar com o modo de funcionamento das coisas.

Noam Chomsky (1928) deu contribuições importantes à
linguística. Também estudou ciência cognitiva e filosofia.
Mas é em seu ativismo político e perseverança ímpar que
marca seu nome neste mundo.
Seja na atitude perante o número (um versus dez, um versus cem...), na incapacidade de sistematizar ideias (e de exemplificá-las), ou na inabilidade de superar instintos próprios, a pessoa sempre acaba sendo capturada e portanto se vê impotente na posição de crítico do sistema hodierno. É incapaz de iniciar uma nova construção (mental) que supere a dominante. Se o faz (a construção), tem receio de expô-la, porque haverão ataques. Se os primeiros golpes não derrubarem a ideia, os próximos virão com maior intensidade, banhados de sagacidade e com número crescente de adeptos prontos a resistirem - sem saberem exatamente o porquê. Assim foge-se ao primeiro sinal de diques e barreiras. Mas essas pessoas não perceberam que, uma vez batida, essa ideia, esse conceito de vida, essa existência, tem a oportunidade de renascer, de outra forma. Mais forte, mais bela, mais inteligente. E assim ela cumpre o seu devenir previamente traçado por uma lei que tudo regula.

A Lei dos Grandes Números revela que o somatório das particularidades tende a explicitar um comportamento homogêneo de grande envergadura, que demonstra a tendência geral do universo das individualidades. O grande coletivo galáctico funciona assim. Os organismos vivos, com suas comunidades celulares, também. A sociedade humana. As instituições. Os povos. Mesmo o conhecimento se articula de modo semelhante.

Todos sistemas filosóficos (mais de setenta) não tem sido capazes de criar sinergia. Assim, para quem estuda à fundo os fenômenos e os conceitos e possui um senso de orientação (telefinalismo), acaba por se decepcionar com os relativismos engessados. Daí nascem as indignações que colimam na forja de novas personalidades. É o início da jornada da dor. Intercalada por ascensões incríveis, somente percebidas por almas devidamente sensibilizadas.

Hannah Arendt (1906-1975) desenvolveu a tese de
"banalidade do mal". Ela explicita que  nas tragédias coletivas
 humanas, a sociedade tem grande responsabilidade
pela brutalidade de seus líderes.
A desordem vista na superfície da vida cotidiana é apenas tal se percebida como algo em si. Assim que ascende-se (no espaço, na consciência, no espírito,...), atingindo outro plano de vida, percebe-se uma ordem que coordena toda a desordem. E assim conquistam-se qualidades insuprimíveis: discernimento e paz.

Os meios de comunicação são apêndices "informativos" fortíssimos de qualquer sistema baseado na autoridade que se estabeleça. Assim foi para as formas de fascismo, como para o "comunismo". E igualmente, assim funciona no capitalismo - especialmente em sua forma neoliberal. A diferença entre este último e os antecessores é que a sofisticação atinge um grau que torna cada vez mais laborioso discernir o que é substancialmente melhor. Nos efeitos todos concordam - nas causas destes começam a haver divergências. Apenas estabelecendo-se uma causa-prima, no extremo oposto (objetivo supremo), pode-se caminhar no terreno pedregoso da racionalidade expandida [1].

O consciente busca uma verdade mais profunda, age conforme
ela e vive integralmente baseada nela. Assim fica sozinho...
Se você é muito evoluído não lhe restam senão
duas coisas: Trabalho e Solidão.
Nas últimas eleições percebeu-se isso de forma muito clara. Tem-se dois opostos que se combatem (dualidade), como é típico no sistema eleitoral. No entanto, independentemente das ideias das pessoas sobre quais devem ser as prioridades de um governo, como cumpri-las e porque, viu-se de um lado uma falta completa de experiência, a manifestação de um discurso de ódio ao longo de toda campanha (e vida do candidato) e uma equipe com ideias que, se desenvolvidas até as últimas consequências, levam o país a aprofundar as reformas impostas pelo governo golpista (biênio 2016-2018).

Não se trata aqui de afirmar que um pólo é a solução definitiva e o outro é a destruição completa do país, e sim de explicitar que existem pontos fundamentais no jogo democrático que jamais podem ser ultrapassados. Nem piadas ou declarações preconceituosas devem ser aceitas - nem que  posteriormente se diga que "aquilo não foi sério". Isso é o que nosso país vive atualmente. Mas não estamos sozinhos: o mundo ocidental, com suas democracias liberais representativas, marcha em sintonia. A diferença é que o Brasil nunca chegou a ser um país desenvolvido no sentido capitalista do termo. Sempre estivemos à margem dos processos civilizatórios. Isso se revela no suicídio (por pressão das elites) de Getúlio Vargas; no golpe de 1964 que interrompeu as Reformas de Base de João Goulart; e no ataque incessante da mídia, judiciário e congressistas (encabeçados por interesses financeiros) a governos progressistas, que culminou num golpe parlamentar-jurídico-midiático (2016), que capturou setores amplos de uma classe média alta. Nenhuma das construções propostas visava revolucionar a nação. Visava-se apenas colocar o Brasil num patamar de desenvolvimento que ombreasse com nações desenvolvidas ocidentais. Foi construída uma narrativa baseada em eventos desconexos, que apenas o devenir histórico é capaz de revelar - e com isso confundiu-se amplos setores, enquanto outros se mobilizaram ferrenhamente por temas que escapavam da questão central.


Muitíssimos de conformam - e festejam juntos essa "unidade".
Outros questionam e apontam novos caminhos - e ascendem.
Reclamar é o primeiro passo, mas deve ser substituído pelo
questionamento. O problema: poucos tentam...
Os (grandes) meios de comunicação agem de forma a deixar cada vez mais claro que a sua finalidade é a neutralização dos opostos - mesmo que isso implique em malabarismos inomináveis para suavizar afirmações inadmissíveis e ocultar conquistas reconhecidas internacionalmente por órgãos de respeito. Isso implementado tende a causar uma confusão generalizada, tornando difícil a orientação das pessoas em torno de um projeto comum de vida coletiva. Num sistema baseado na coerção psicológica, econômica e física, - ou um híbrido das três - é fácil perceber que aqueles que detém o poder controlam o fluxo de informação. E assim ela é direcionada, amplificada, suprimida, retida, atrasada ou distorcida. Esses seis elementos podem operar de forma sinérgica, arquitetando uma narrativa difícil de ser desconstruída por pessoas que não possuem influência. Noam Chomsky explica e explicita esse processo de forma extensiva em livro e documentário [2].

O direcionamento se dá em função da reatividade de um nicho específico de público (que pode ser grande). Ela visa informar uma parcela da população sobre um aspecto ou dois (jamais todos) de uma realidade. Dessa forma os algoritmos que direcionam informação o fazem a partir de uma subjetividade que estabelece uma base axiomática que se manifesta como desdobramento de toda lógica. Quem decide qual o público que vá ter em maior dose este ou aquele tipo de informação? Obviamente não há participação da sociedade nisso.

A amplificação visa maximizar feitos de um grupo humano (partido, religião, personagem histórico ou presente, ideologia, país, etc) e simultaneamente minimizar feitos, universalmente aceitos como bons (tanto nas intenções quanto nas implementações), de outros grupos. Essa relação entre maximização de conjunto A - minimização de conjunto B deve ser feita de modo a não deixar evidências (pistas) da estrutura por trás desse comportamento. Isso torna o trabalho investigativo mais laborioso. E num mundo repleto de obrigações inúteis e rituais insanos, qualquer coisa que demande um esforço além do mínimo é prontamente desconsiderada. A amplificação geralmente funciona de modo duplo: minimiza-se as ações deletérias de grupo A e maximiza-se as do outro; e maximiza-se as ações benéficas do grupo A enquanto se minimiza as do B.

A supressão é o extremo da amplificação (para mais ou para menos). Trata-se de nulificar os aspectos positivos do outro - e maximizar os próprios, dando aspecto de "tudo de bom aqui se deu graças a mim, ao meu grupo, à minha ideologia, etc" - e "tudo de mal que  existe se deve a ideologia x, partido y, pessoas z, etc". Essa tática é mais agressiva do que a anterior, pois passa-se ao público uma visão absolutista de um relativo humano - que as pessoas tendem a aceitar com relativa facilidade. Essa aceitação irá depender do quão frustrada a pessoa está. Trabalho alienado e consumo conspícuo intensos reforçam as chances de alguém aceitar as supressões da mídia.

A retenção nem amplifica nem suprime nem direciona uma informação. Ela apenas capta ela em sua forma mais pura e original e espera a passagem de tempo para liberá-la ao público. Qual o sentido em fazer isso? A depender do momento em que você recebe uma informação, pode ser que sua reação a ela surta um efeito mais fraco devido a esse atraso. Isso se relaciona diretamente ao conceito sistêmico de atraso (delay). Geram-se oscilações em variáveis humanas (ex: ansiedade, expectativa, tensão, etc), o que acaba causando mais instabilidade na sociedade, deixando-a mais desorientada e em busca de "soluções" mais simples - a nível de evento.

O atraso se relaciona diretamente a retenção. A diferença é que o período de tempo entre a recepção (pela mídia) e a transmissão (ao público) é um período finito, ao passo que existem casos de retenção no qual o período de tempo pode ser infinito. Ou seja, a intenção da mídia é nunca divulgar certas verdades. Ou, numa escala de vida humana, num período de cinco, seis ou mais décadas, o que praticamente pode ser considerado eterno - do ponto de vida da existência material. Exemplo disso é a divulgação de alguns crimes contra a humanidade de regimes autoritários - muitos sustentados pela lógica capitalista diga-se de passagem. Outro exemplo clássico é a condenação de Galileu Galilei por dizer que a Terra se move. Ele se retrata e admite que a Terra está parada (mas diz bem baixinho a alguns..."E pur si muove!". "Mas ela se move"). 350 anos depois a Igreja admite seu erro...

A distorção, ao contrário da amplificação, não visa regular a quantidade (grandeza do ato positivo ou negativo). Ela tem por escopo inserir uma miscelânea de elementos de análise para tornar a informação maleável sob outros pontos de vista. Podemos dizer que ela dá uma característica plástica a um evento.

Todos esses elementos deveriam ser conhecidos do público. É possível (e requerido!) que, apesar de uma vida miserável, - em todos sentidos - uma pessoa seja capaz de pensar por si mesma. Sem isso não adianta: um líder ou grupo chegar ao poder jamais terá forças para realizar as mudanças tão necessárias de modo efetivo se a população não for capaz de participar ativamente, aguerridamente e inteligentemente no processo político.

Graças a essas poderosas ferramentas o golpe de 1964 (e 2016) se deu. E assim, as Reformas de Base [3] (tão necessárias ao nosso país) somente serão feitas de modo emborcado.

Referências:
[1] http://leonardoleiteoliva.blogspot.com/2014/11/um-ciclo-duas-fases-piramide-expansiva.html
[2] https://www.youtube.com/watch?v=AnrBQEAM3rE
[3]  https://pt.wikipedia.org/wiki/Reformas_de_base

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