A grande dificuldade em superar o mal reside em sua forma de atuação: ela é sorrateira e direcionada única e exclusivamente a um indivíduo. Além do mais, o mal (em seu estágio mais sofisticado) já percebeu que a melhor forma de abalar seres de sensibilidade aguçada, que já puseram um pé na senda da libertação, é justamente não falando mal do mesmo aos outros, e sim desprezando-o até o último grau. A estratégia consiste em tornar o indivíduo enfraquecido e (quem sabe) induzi-lo a se manifestar, seja ao próprio agente que propaga o mal, seja às pessoas mais próximas. Não adiantará.
A primeira atitude é justamente o que se espera. Pode-se negar o que esteja ocorrendo. É aí que as forças do mundo irão fazer o que fazem de melhor: fingir. O grande teatro parece não ter fim. Um teatro de mil máscaras, na qual as reais intenções jamais são reveladas - e as confusões são espalhadas. Nada de olhar para a face, cumprimentar, responder. Jamais se dirigir à pessoa. Em suma, anular completamente a presença do indivíduo, e permanecer apoiado no número.
V é um produto do mal que no entanto elimina seu próprio criador, abrindo espaço para a manifestação do bem. Um novo mundo, de verdade, se abre. |
Se se recorrer aos outros, dificilmente alguém irá tomar uma atitude. Não se trata de algo visível - muito menos sentido. Somos tão presos ao nosso umbigo que dificilmente notaremos como um outro, próximo a nós, está sendo tratado por determinado indivíduo ou grupo. Logo, as pessoas, ao ouvirem o grito de desespero, verão um ser que está delirando ou exagerando. O mal sabe disso muito bem - e por isso se apropria de algumas almas e exerce essa estratégia com rigor.
O drama de um ser jamais é explicitado num mundo tão atordoado de sensações e preocupações de superfície.
O mal se instala naqueles mais propícios a recebê-lo. Pessoas frustradas, que podem até ter o desejo de tornar o ambiente harmônico - mas que no entanto jamais tangenciam questões mais profundas e não se arriscam a ir além do lugar-comum. E assim podem passar a vida: vivendo alegremente sem perceber que a vida clama por ascensão.
Aqueles que não aceitam o diferente e tentam sempre torná-lo um "igual" - talvez por não saberem lidar com outro universo - muitas vezes acreditam estar fazendo um bem imenso. Fazem esforços direcionados a isso. Mas jamais adentram em questões de natureza diversa - a não ser que não vá causar incômodo e seja divertido. Conversar sobre o processo de conscientização, tudo bem. Vivê-lo, jamais. Porque é muito trabalhoso. Muito doloroso...
Essas pessoas, ao conviver com outros de natureza mais profunda, sensibilidade aguçada e sistema mental diverso em busca de ascensões sempre mais vertiginosas, não suportam uma atitude mais firme, sincera e orientada. Se ofendem com o diferente e - como não são capazes de eliminá-lo oficialmente, com ajuda dos outros - decidem fazê-lo do único modo que podem: anulando o ser. Não contam o motivo. Não dão sinais. Simplesmente esquecem de suas existência (qualquer semelhança com a ideologia que vêm ganhando força no país é mera coincidência...).
Mas o ser mais orientado também teria razões de se ofender cotidianamente. Dada a profundidade de visão, ele passou a perceber que cada gesto, cada ato, cada tempo desperdiçado, consiste em ofensa suprema à divindade. Cada rebaixamento de temas políticos, problemas econômicos, possibilidades tecnológicas, questões pessoais e diversos temas centrais consiste em crime. Ignorância gera revolta. Revolta gera erro. Erro gera dor. Dor (geralmente) consome o ser e torna-o mais preso a este mundo. Raramente a dor é usada de forma a construir formas superiores de existência. É preciso erguer um edifício conceptual nunca antes visto. Agir de forma inédita. Ousar sempre. Ousar de forma inteligente.
Eis que o autor, após viver um (curto) período de sossego exterior, - porém tempestades interiores intensas - volta a se deparar com o ataque de forças externas, na forma de um indivíduo, se dirigindo contra ele da forma mais impiedosa e inexorável. Simplesmente porque ele manifesta sua natureza. O mal sabe exatamente como combater quem busca superar sua própria animalidade: agride no ponto mais fraco esperando que o ser sucumba ao desespero e à força. Que faça uso da mesma arma: o mal. Assim ele (o mal) já vence. O indivíduo que o pratica não é mal: ele foi dominado pelo mesmo. Porque o mal é algo não-material, que no entanto age baseado na matéria e em prol da matéria.
Há pessoas que somente conseguem "estar bem" na imobilidade evolutiva completa. Procuram manter tudo à sua volta imóvel. Algo perigoso em tempos que clamam por mudanças profundas... |
Como as pessoas que praticam ações de baixo nível (que ainda são muitos) geralmente não podem recorrer à força física - pois ficaria muito feio para sua imagem, além de demandar muitos recursos - nem à violência econômica, - pois não ocupam cargos altos - elegem o que lhes resta: a violência psicológica.
Quem sucumbe ao mal é fraco. Seu sistema psíquico está abalado e a melhor coisa a se fazer é aliviar a tensão causada por aquele que "não o reconheceu", buscando sua destruição à nível psicológico. Sim...uma frustração alimentada ao longo de tempos cria um terreno fértil para a inserção da semente maligna. Esse "não-reconhecimento" é não atender a um modo padrão de comportamento após "tanta bondade oferecida". O que seria exatamente essa "bondade oferecida"?
Vejamos mais à fundo.
Pessoas às vezes acham que estão agindo de forma ideal ao tentar (à todo custo) trazer os outros ao seu mundo - que é o da maioria. Mas se esquecem de que nem todos se interessam por esse mundo. Não por desprezo, mas por perceber que existem coisas mais profundas. E que não se dedicar a elas consiste em crime capital.
Cada gesto de consentimento a uma visão de mundo é computado no banco de Deus. Ser agradável a todo momento pode ser receita de paz e sossego no mundo exterior - mas é dívida que se acumula no íntimo. Se o ser já percebe certas realidades, sentindo o drama do mundo com intensidade, não lhe é mais permitido ser agradável à todo custo. E isso tem um preço. A pessoa desperta deve se concentrar em seu dever. Dever que consiste em trabalhar.
Mas o que é trabalho?
Ao contrário do que se pensa, trabalho é estar em processo de evolução. E isso pode ser feito em casa, num parque, numa cafeteria, ao se desenvolver um trabalho em grupo, dar uma aula, conversar com alguém, escrever um texto, ouvir uma música, fazer pesquisa, preparar cursos, entre muitas outras coisas. Ao ser atingido pela dor, há uma oportunidade tremenda de se trabalhar - essa dor. Eis o que me leva a redigir esse ensaio.
Tentar estabelecer comunicação com pessoas pouco preparadas a realidades mais profundas é perigoso. As tentativas serão encaradas como ofensas. E como é fácil ofender o tipo médio, acostumado a falas suaves, sem intensidade no tom, sem veracidade no ritmo, sem harmonia na prosa. Não se pode aprofundar a questão política, econômica, filosófica, psicológica, social, científica, cultural. Não se pode apontar para horizontes mais vastos. Não se pode convidar a refletir sobre uma questão. Não se pode ir além de uma região delimitada. Não se trata aqui de cerebralismo, mas de sensibilidade e coragem. Coragem orientada. É fácil tachar como arrogante quem fala e busca o Absoluto. Difícil é compreendê-lo. Dialogar sinceramente com ele. Questionar face à face.
Nós não queremos evoluir. Não queremos nos expor aos riscos. Não buscamos dialogar. Desejamos nos iludir... |
O tipo médio age de forma simples e prática - e assim alivia sua dor: expele sua tensão através de uma tentativa firme de destruir psicologicamente o diferente . É compreensível: o grau de maturação interior não permite ao ser nesse nível lidar com essa tensão espiritual. Para ele é além da conta. Deve expeli-la a todo custo - caso contrário, perecerá.
Cabe desta forma a uma única pessoa lidar com o problema: o ser em busca da ascensão. Esse é o momento decisivo. A prova mortífera. O corredor polonês repleto de porretes, que irão desferir seus golpes dia após dia, sem piedade, insensíveis a qualquer fenômeno de ordem profunda.
O drama de quem crê é o drama real. É a cruz dos pioneiros. É a tarefa verdadeiramente árdua. E com esse sofrimento cada vez mais intenso prepara-se o futuro do ser. Ser-lhe-á possível compreender mais profundamente os fenômenos humanos e naturais. A vida terá mais significado. As coisas serão mais claras. As tarefas menos árduas. A necessidades menos numerosas.
Esse golpe surge em momento crítico, em que o autor se vê diante de diversas obrigações. Está prestes a defender sua tese de doutorado; cursa uma graduação em licenciatura; dá quatro disciplinas diferentes simultaneamente, para turmas heterogêneas e difíceis de se controlar; prepara e corrige provas; escuta reclamações e críticas de alunos; lida com o desprezo de alguns durante as aulas; paga as contas e mantem o lar em ordem; escreve textos e delineia conceitos; idealiza cursos de extensão. E agora, somado a esse caldo, surge a ofensiva de pessoa profissionalmente mais próxima. Os desafios não cessam. E no entanto, a alma avança no terreno espinhoso da incompreensão.
O mal que tomou conta de um ser vulnerável se esquece que seu alvo exterior não é alguém frágil. Trata-se de um ser que já saboreou a dor em graus consideráveis, com perdas de diversos tipos e ameaças de várias formas. E não apenas sobreviveu ao processo, como se plasmou. Casou-se com a única pessoa adequada à sua personalidade; gerou textos nunca antes colocados na rede; conquistou títulos; deu palestras; passou em concurso público; superou o medo de falar em público; tornou sua fala cada vez mais eficaz, firme e coerente; criou cursos para espalhar sua visão; e começa a ser reconhecido por aqueles que vêem em suas aulas mais do que uma transmissão de conteúdo - e sim um imprimir de conceitos de vida.
Não se pode ter raiva de quem se deixou apossar do mal. Ao mesmo tempo de nada adianta abordá-lo via conversa. Ele está compactuado com as forças negativas. É ele quem deve se libertar dessa chaga. Ao ser sensível cabe usar essa incompreensão para intensificar sua vida - e aprender que o semelhante ainda não compreende certas realidades.
Mas os tempos são críticos e o mundo caminha para uma regressão dolorosa. Já que é difícil trabalhar de modo informal, o destino está estabelecido: criar-se-ão mais cursos extensivos, de vários temas, com variadas dinâmicas; ler-se-á mais profundamente; trabalhar-se-à com mais intensidade e dedicação; gerar-se-ão textos diversos, que toquem mais à fundo em aspectos centrais da vida. O tempo de convivência social será reduzido em prol da humanidade. Parece um paradoxo mas não é.
De nada adianta conviver com quem te agride psicologicamente. Não se tem ódio do mesmo, mas não se pode conviver no mesmo ambiente. Porque o trabalho nunca para. E é preciso não perder tempo com quem está em sono profundo. É preciso se irmanar com aqueles que já percebem o que está em jogo: a sobrevivência da espécie e a evolução planetária. Essa é a única coisa que interessa!
E esse golpe irrefletido é apenas um alerta para que o autor intensifique sua vivência e ideias.
Assim será.
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