Alguns meses atrás eu tinha uma ou duas calças com problemas. Elas não
tinham barra. Para quem não sabe, isso quer dizer que elas eram longas
demais. E sempre que eu as usava, as
marcas de sujeira na parte de baixo surgiam no final do dia. Era
desesperador. Porque eu gosto de minhas calças limpas.
Levei
elas na alfaiate. Uma senhora que fez o serviço muito bem e cobrou
barato. E que tinha (ainda tem) poucos recursos financeiros. De qualquer
forma, essa senhora é o que eu chamo de pessoa sincera. E dois fatos me
levaram a esboçar essa opinião a respeito dessa pessoa.
A
primeira delas foi porque, ao me atender, ela se revelou extremamente
aberta e interessada em trocar ideias, e após eu afirmar que tinha
estudado na faculdade e trabalhava, ela fez uma conexão com o seu filho,
dizendo – com felicidade – que estava no terceiro ano e já em busca de
um estágio. Era alguém que faz perguntas que beiram (beiram, não chegam)
o pessoal, mas percebe-se a sinceridade nelas;
E a segunda
porque, no dia em que busquei a calça (muito bem trabalhada), ela estava
numa conversa calorosa com uma amiga, expondo suas criticas a um
cliente que a tinha tratado de modo pejorativo e não quis pagar por um
serviço, e por isso deu pouca atenção para mim – depois de pagar, ela,
ao me dar o troco, nem sequer conseguiu colocar as moedas em minhas
mãos. Seu olhar, sua mente e suas emoções estavam voltadas a outro
assunto, muito mais importante. E por incrível que pareça, esse segundo
evento foi a comprovação de sua sinceridade. E eu realmente senti isso.
Porque a compreendi.
Desde o início dos tempos, nossa
sociedade sempre se orientou por um padrão exterior. Essa orientação – a
meu ver, uma orientação às avessas – é muito evidente no fenômeno da
socialização – às avessas.
Troquemos a senhora (mal vestida,
com idade, sem forma atrativa aos olhos do público) por uma bela moça
com medidas bem proporcionadas e na flor da idade. Adicionemos um
aspecto sorridente, uma voz doce e uma disponibilidade espantosa. E
imaginemos que, na segunda parte da história, essa moça tenha sido
atenciosa. Mas que por trás de toda essa simpatia existe uma verdade
oculta (não existem milagres). Ela na verdade não simpatiza com o
cliente (eu) e não gosta de fazer o serviço para ele. Mas como a
etiqueta social requer, deve ser educada com todos. E portanto, falsa.
Educada ou egoísta? Ser independente ou refém de sua aparência? Antes de
darmos o costumerio ponto final, vale a reflexão.
[vale aqui um comentário]
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Não quero dizer com isso de que toda pessoa que é educada, bonita e com
fala elegante seja falsa; e toda pessoa de idade, fora dos padrões de
beleza e direta seja verdadeira.
O que desejo ressaltar é que o
fato de uma pessoa possuir em boa dose os atributos físicos e materiais
valorizados pelo mundo – e pelo seu próprio espírito – comumente
torna-a refém de um modo de comportamento que induz a a ser falsa. E
portanto viver uma vida que não é sua e ter atitudes banhadas de
artificialismo.
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Para a grande maioria das
pessoas, ser atendido por essa moça seria muito mais agradável e
“sincero” do que pela senhora. Muitos dirão que no fundo a moça é
sincera (queremos acreditar nisso) e que a senhora, apesar de toda
explicação dada por alguém (eu aqui, por exemplo), no fundo seja uma
pessoa desagradável e problemática. Será?
Séculos de
experiência coletiva formaram uma memória cuja utilidade pode ser útil
para nos projetarmos para o futuro. Mas para isso precisamos atentar
para os fenômenos sutis e seus efeitos.
A verdade pode ser bela ou feia.
A mentira é sempre bela.
Isso quer dizer tudo e nada. Ao mesmo tempo.
Porque encarado pela forma, é como é.
Mas encarado pelo conteúdo, devemos fazer uma inversão.
Porque o fato de algo nos incomodar não significa que aquilo seja um mal para nós;
E algo que nos agrada nem sempre nos conduzirá à felicidade.
Uma frase que sempre nos agrada nunca nos abala,
E assim realimentamos nossas crenças e valores em torno dela.
Uma frase que sempre nos abala nunca nos agrada,
E assim rejeitamos ela e mantemos nossas crenças e valores.
A evolução interna só pode ser acionada com o correto manejamento do
segundo caso. Ou seja, no momento em que, diante de uma sólida fortaleza
cujo ideal relativo está em descompasso com nosso ideal relativo, uma
abertura mental ocorra de ambas partes. E haja um choque no plano das
ideias – e só através delas. É a Grande Batalha. Uma batalha que se
trava no imponderável, mas cujos efeitos sobre as mentes e sonhos e
sentimentos é irreversível. Eis o poder que nosso mundo ainda vê como
infantilidade.
Gostaria de concluir com uma ideia que me ocorreu.
Verdadeiras amizades geralmente (nem sempre) tem um início áspero ou
pouco sedutor. Falsas amizades tem um fim dessa mesma forma, mas um
início sedutor. Isso não é lei geral, mas pode-se esboçar algumas
hipóteses a partir do que vemos durante (e na) vida.
Uma
amizade que começa de forma conflitante, mas com grande dose de
sinceridade acompanhada, tem tudo para crescer de forma saudável. Basta
as partes terem suas mentes abertas ao Universo. A sinceridade é o
elemento orientador das mentes (abertas!), que tendem a mitigar
conflitos.
Por outro lado, uma amizade que começa com grandes
expectativas, promessas e só transparece vantagens, pode indicar: (1) ou
que as partes estão em sintonia, e portanto tem pouco a contribuir uma
com a outra – no entanto, elas podem batalhar juntas por um ideal; (2)
ou as partes estão fazendo uso intenso de mecanismos de atuação (teatro)
e portanto – com o tempo – tem tudo para gerar um conflito destrutivo.
Se isso tudo está certo ou errado, eu não sei dizer.
No entanto, até o momento, as teorias tem se encaixado perfeitamente nas vivências. E vice-versa.
Portanto, vale a pena pensar sobre isso.
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