sábado, 17 de março de 2018

A Missão do Professor

O magistério foi algo que aconteceu subitamente para mim. Não foi planejado. Minha rota estava direcionada para outro destino, construído pelas circunstâncias adjacentes, as quais eu permitia que me conduzissem até certo ponto. 

Estava levando a vida que as forças do meio permitiam que eu levasse, com as regras propícias àquela trajetória. Os benefícios eram atraentes, mas ilusórios. Os malefícios eram numerosos e crescentes. Comecei a sentir o que significaria uma vida adulta completa restrita num espaço (escritório) que, além de fixo e engessado, estava estruturado para mitigar e inibir qualquer tentativa de transformação. Uma vida restrita num espaço e pobre de tempo, que me era tomado, dia após dia, hora após hora, em prol da lógica de obediência a um grupo que ansiava por servir seus bolsos e posições no campo do poder. Diziam que servíamos os clientes, mas no fundo estes eram igualmente poderosos que operavam na mesma base lógica. No fundo me dei conta que estava servindo essa lógica férrea e autoritária, sendo uma ferramenta à serviço de um punhado de acionistas. 

O mundo marcha com uma diretriz de lucro altamente vetorizada desde a década de 80. Época de intensificação do assalto à vida e ao planeta (Sistema-Vida, Sistema-Terra). Época cujos símbolos são Ronald Reagan e Margareth Thatcher, marionetes governamentais que serviram para iniciar um processo de desregulamentação nunca antes visto, em proporções planetárias. O mundo da produção  da economia focada nos seus indicadores já não estava numa trilha ecologicamente sensata, apesar de possuir regulação e um Estado de Bem-estar - ao menos em alguma porção do globo. Mas no momento em que poder-se-ia - por parte dos poderosos - iniciar uma adaptação saudável, com um modelo de inclusão e bem-estar mais adequado às transformações sócio-culturais, energéticas-ecológicas, tecnológicas, políticas e educacionais, decidiu-se lançar um grande engodo em forma de ideia salvadora. Um conceito capaz de tornar as massas humanas - conservadores e progressistas, jovens e idosos, homens e mulheres, ricos e pobres - em obedientes ferramentas de uma lógica pautada na liberdade total do indivíduo. Isso significava a exclusão gradativa de direitos recém-nascidos após a 2ª Guerra, que estavam já estabelecidos em alguns países [1], e que seriam aplicados em ocasiões e intensidades diferentes ao redor do mundo. 

A alma é integral. Harmoniza os
três aspectos humanos. Quem vive
com seu centro de gravidade na alma
vive de forma íntegra. É saudável
em todos aspectos.
A onda neoliberal não tinha nada de novo ou liberal, exceto a forma de se apresentar para o mundo. A implementação revelava o plano de construir uma ideologia não visível que pudesse manipular os atores visíveis, com seus defeitos e virtudes, em favor de seus planos. Quais eram esses planos? Podemos esboçar alguns deles observando atentamento os últimos 40 anos da história humana. 

Desde que meu pai se formou e começou a trabalhar, em 1978, ele viu uma degradação das condições da vida laboral (e de toda vida) como um todo. Isso não significa que ele tenha piorado de lá para cá em termos de experiência adquirida, posição ou ganhos, ou não tenha conquistado sua casa. Mas a arquitetura das coisas mudou profundamente. A solidez das décadas passou a ser a liquidez dos anos, que está se plasmando na vaporização dos meses. Se não para todos os profissionais de todas as carreiras, ao menos para uma boa parte - especialmente após a mutilação da legislação trabalhista, que não sofreu reforma alguma, e sim amputações denominadas como tais, sustentadas por impérios midiáticos interessados apenas no triunfo da lógica do lucro, na santificação da tecnologia (única salvadora dos males humanos) e nas relações cada vez mais superficiais e cômodas, longe de choques sinceros e profundos capazes de conectar e imbuir os atores sociais de ousadia inteligente [2].

Não digo as coisas gratuitamente, sem base de dados. Me apoio em dados apresentados por pessoas de alta qualificação, com experiência em programas de desenvolvimento humano, que ministram cursos à distância sobre desenvolvimento sustentável [3]. Esses profissionais revelam tendências um tanto indignantes e preocupantes, como um aumento dos preços de grãos fundamentais (milho, arroz, soja e feijão) a partir da década de 1990. Os motivos são de mercado. Suas consequências são um incomodo para as pessoas de classe média e pobres de países relativamente ricos ou de média renda - mas podem ser devastadoras para quem vive na pobreza. O que permite que isso aconteça é a inserção de elementos fundamentais à vida no circuito financeiro. O alimento não é mais um direito dos seres humanos, mas um número no mercado que deve retornar lucros a quem investe nele. O mesmo se dá com a saúde, a educação, a ciência e tecnologia, a segurança, o transporte, entre outros. 

A investida começa (de)formando as mentes. Para isso a (grande) mídia é o tentáculo do Sistema-Mercado. Televisão, rádio, internet, serviços telefônicos, propagandas visuais e mesmo as artes (ex: cinema) reproduzem uma mentalidade calcada no consumo conspícuo e no individualismo puro. Acrescento 'conspícuo' e 'puro' porque tanto o consumo quanto o individualismo são bons. São bons quando o ser humano utiliza-os para evoluir, isto é, despertar seu espírito, tornando-se mais consciente do ambiente circunjacente em que vive e das leis da vida. É o emborcamento para o uso egoísta que torna-os maléficos - antes para o outro, depois para a própria pessoa, que julga praticar o mal impunemente. Quando alguém é levado a seguir uma vida inconsciente essa inversão ocorre, e os meios de comunicação não apenas acionam como alimentam continuamente essa tendência, que leva à segregação cada vez maior.

Sentar-se ao lado e acompanhar, sofrer nas dificuldades
 é o aspecto da(o) professora(o) que imita o Deus
imanente. Tudo possui uma base mística. Basta ter
olhos para ver.
Num mundo sempre dominado por interesses, a exploração de ideias para atacar o outro e a anulação de diversidades para engessar a lei evolutiva é uma auto-sabotagem. A lógica hodierna potencializa essa auto-sabotagem. As espécies e o planeta estão sendo profundamente afetados pelas ações humanas. Leonardo Boff desenvolve ensaios, escreve livros e ministra palestras exaustivamente sobre isso. É filósofo e teólogo. Mas acima de tudo é consciente. Ecologia e espiritualidade (em seu sentido mais amplo) são os grandes desafios da humanidade, aos quais todas outras esferas devem se submeter com a mais sincera humildade: política, sistema econômico, arquitetura urbana (incluindo rede de transportes), ensino, pesquisa, saúde, agricultura, forma de consumo, comunicações, etc. 

Todos os elementos descritos aqui já faziam parte de meu ser quando estava em minha antiga trajetória. Meu modo de sentir e de pensar não encontravam espaço para se manifestar. O tempo de não-liberdade era tamanho que era impossível desenvolver minhas potencialidades latentes. Já tivera uma pequena experiência com ensino. Já me envolvera com pesquisa. Sentia o milagre da vida ao caminhar no parque, degustar um alimento leve ou ver o sorriso de uma criança. Gostava de ir além (nos conceitos e atitudes). Não por pressão vaidosa, e sim por imperativo íntimo da alma. Sentia uma voz interior mais forte do que a sensatez da mente. A voz me levou a seguir um caminho louco, sem garantias, árido de apoio e certo de reprovação. Mas o vazio era tanto que iniciei uma nova construção. É aí que comecei a forjar um novo destino - e dessa forma pudesse ser um servo verdadeiro, um servidor...da Lei de Deus.

O meu preparo intelectual não se destaca do da média daqueles que estão na carreira de magistério. Meu gosto por pesquisa ainda não construiu nada à altura do que espero erguer. O que estudei dos livros pode ter sido bastante - mas o que constatei da vida mostra que há mais mistérios a serem desnudados, mais vales a preencher, mais conceitos a unificar - e mais seres com quem sintonizar.

Volume que revela como se dá o
fenômeno. Compreende-se o porque
do ideal usar a força para se
manifestar no mundo.
O(a) professor(a) é instrutor superficialmente, pelo intelecto. Mas acima de tudo é educador, pela consciência. Esta última conduz o que é ensinado. A finalidade é despertar consciências capacitando as mentes com a teorias, métodos e ferramentas específicos, mas paralelamente mostrando de onde vieram, como podem ser aprofundadas (especialização) e conectadas (sínteses), e qual é a relação de tudo isso com o amor, a família, a marcha da humanidade e a evolução. Qual a finalidade de tudo isso se em nosso Universo não haja um princípio diretor que anime todas as coisas, imanente, que conduza o mundo rumo a algo transcendente?

O docente consciente conhece o fenômeno da Descida dos Ideais. É lei da vida e roteiro de ensino. Deve-se passar ao corpo discente de forma coletiva e particular o significado disso, falando para o corpo coletivo de forma mais concreta e prática, e para aqueles que desejam saber mais, de modo mais abstrato e profunda. 

O esforço deve vir de ambas as partes. O professor, do alto, deve estender as mãos para baixo, encurtando a distância entre mundos, para que hajam mais futuros colaboradores na auto-construção de pessoas melhores (e mundos melhores). E os alunos, de baixo, devem esticar os braços para cima, se esforçando para compreender o que há além do que já conhecem. Mas o alto e o baixo podem se aproximar ou até inverter, a depender do contexto e do aspecto que estamos considerando: afetividade, senso prático, capacidade intelectiva ou construções conceptuais. Isso se ramifica ainda nas diversas sub-áreas. Uma multiplicidade de relatividades que devem ser compreendidas, relacionadas, unificadas e potenciadas. 

O objetivo é realizar sínteses e levar outros a fazerem o mesmo, unificando almas e fundindo saberes.

Os artistas são engenheiros das almas - já disseram.
Os engenheiros são artistas da matéria - eu concluo.

Eis a síntese mais bela, que realiza o casamento que a mente racional divorciou. Como engenheiro devo perceber que todo projeto ou requisito ou modelagem e simulação é um bloco bruto que deve ser elaborado para fins mais elevados. O caminho pode despertar capacidades diversas, dar experiência que facilite a compreensão do outro e de temas antes inacessíveis e dolorosos. 

A ciência e a técnica também estão sujeitas à inspiração. Esse será o método do futuro para construirmos de forma sólida as bases para um mundo melhor. 

Ensinar é permitir que uma alma se conheça através do aprendizado de coisas do mundo. 

Essa tarefa exige mais do que inteligência, mais do que experiência, mais do que vontade e tempo, mais do que qualquer força adquirível ou disponível neste mundo. Ela exige conexão com uma fonte infinitamente poderosa, além do espaço-tempo...


Referências:
[1] O National Health Service (NHS) britânico é referência em saúde pública. Criado após o desastre humano e econômico da 2ª guerra mundial em 1945, ele representou uma nova conquista (e força) da humanidade, concretizada na Grã-Bretanha. Instituída por Clement Atlee, 1º ministro britânico, cuja vitória sobre Churchill indicou que o vencedor na guerra era um incapaz na paz - e o inábil na guerra um herói na paz. Sobre esse homem: https://pt.wikipedia.org/wiki/Clement_Attlee

[2] http://leonardoleiteoliva.blogspot.com.br/2013/12/aconquista-de-aqaba-importancia-da.html

[3] https://pt.wikipedia.org/wiki/Jeffrey_Sachs. O curso sendo feito e os dados que uso para apoiar minha visão podem ser encontrados no curso The Age of Sustainable Development (https://pt.coursera.org/learn/sustainable-development).

Links:
[1] https://www.youtube.com/watch?v=unqe5k7vNBw
[2] https://www.youtube.com/watch?v=Zx0f_8FKMrY
[3] https://www.youtube.com/watch?v=_bKQXmvdr8o

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