quinta-feira, 11 de outubro de 2018

As Três Gunas: como se manifestam?

Continuo agora falando de que forma as gunas se manifestam em nosso ser - e mundo. É preciso  antes relacioná-las (gunas) com conceitos que apresento em meu curso de extensão [1]

As gunas em si - cada uma delas - podem ser vistas como a estrutura que plasma o nosso ser. Elas estão fortemente arraigadas em nossa natureza na forma do subconsciente. Conforme o o peso de cada uma delas em nosso ser, teremos certas tendências, hábitos, vícios e virtudes, que manifestamos no dia-a-dia e nas grandes escolhas da vida. Essa manifestação é o comportamento que apresentamos diante dos estímulos externos - ou contexto, em linguagem mais sistêmica. Por sua vez teremos os acontecimentos (consequências), dados pelo conjunto de reações do ambiente aos nossos atos.

A meta final: se desprender das 3 gunas. Livrar-se-á do ciclo
nascimento-morte-renascimento, integrando-se ao Sistema.
Em linguagem mais popular, entrando no Seio do Senhor
(ou Brahman, ou Alá, ou Javé,...)
É importante lembrar que vivemos num universo trifásico matéria-energia-pensamento. Logo, nosso ser é um íntegro fragmentado na forma de corpo físico (matéria), corpo astral (energia) e consciência (pensamento). De modo semelhante, nossa personalidade é composta pelas três gunas em proporções variadas - a depender do grau evolutivo de cada um. Não há pessoa 100% Sattva ou 100% Rajas ou 100% Tamas. A própria lógica da vida impede o predomínio completo de uma manifestação sobre as outras. Por que é assim?

Devemos nos lembrar que: não podemos existir sem agir, e não podemos agir sem nos orientar - nem que num grau ínfimo. Nós, seres humanos, temos em estado latente (ou não) síntese e análise. Mesmo que alguém seja um bandeirante do pensamento, há de se comunicar e atuar nesse mundo para conseguir desenvolvê-lo. Há de lidar com empecilhos materiais, emocionais e culturais. E por mais prático que outro seja, fazendo tudo com facilidade, seja trabalho manual, fala ou concretização de esquemas, ele jamais poderá prescindir de um axioma aliado a algum conjunto de conhecimentos que o permitam agir de forma automática e segura. 

No universo dual em que vivemos (S e AS), sofremos, aprendemos e evoluímos. Existe uma cisão interior (que se manifesta no exterior) que é perpétua - enquanto não houver a reabsorção do AS pelo S. Restritos ao plano evolutivo, a intuição nos parece inacessível. Saindo dos limites dimensionais através da maturação interior que plasma a substância (matéria-energia), ascendemos e começamos a sentir dimensões superiores, da qual a consciência é apenas a primeira. Além do pensamento racional-analítico existe outra forma de pensar, que se confunde com o sentir - e este, sendo elevado, se funde com a razão, dando-a um caráter diverso, que ninguém é capaz de negar no íntimo. Estamos na fronteira do concebível, martelando as paredes dos limites através da libertação do espírito, que por vezes drena os recursos do corpo violentamente.

Voltemos às gunas...

Podemos pegar uma situação comum como exemplo, e ver como elas são encaradas por cada guna. 

Imaginemos uma bela cachoeira situada numa região bem arborizada. A água escoa de forma abundante e até musical, formando uma sinergia sonora com a fauna local. Cantos dos pássaros, ar puro, sombra e sol distribuídos de forma harmônica, além de uma flora multifacetada que nos convida a respirar mais intensamente, visualizar mais pacientemente, ouvir mais delicadamente e sentir tudo.

As gunas se unem por um liame profundo
que remete à obra de Ubaldi.
Tamas não liga para nada disso. É tão insensível às coisas suaves e formas que remetem a algo, que se comporta indiferentemente. Usa o que pode ser usado para satisfazer suas necessidades - que são muito elementares e próximas - da forma mais rápida possível. Não vê efeitos nem sequer de 1ª ordem [2]

Rajas vê tudo e já começa a maquinar uma cadeia de ideias. Pensa se o local tem dono ou não. Caso não tenha, almeja explorar o local com fins comerciais. Ou percebe a possibilidade de aproveitar a  queda d'água para gerar energia, e assim vendê-la ou aproveitá-la. É prático e inquieto em suas maquinações. Tem facilidade em transformar tudo isso em bem-estar e ganhos. Percebe possíveis efeitos de 1ª ordem bem - e às vezes até de 2ª.

Sattva se encanta com a paisagem. Através dessa fascinação fica deslumbrado, e sente seu grau de inspiração aumentar. Consegue tirar uma poesia, ou contornar um problema na teoria que estava elaborando. Pode também iniciar uma nova linha de pensamento. Sua alma se tranquiliza e isso deixa-o em estado de gozo elevado e criação. 

Quando um guna é predominante em nosso ser, esse diferencial que sobrepuja os outros tende a torná-lo mestre da situação (como reagimos a Maya). Mas os outros aspectos estão lá, prontos a se manifestar, assim que o guna-condutor exaure suas forças, ocasionando num vácuo prontamente aproveitado pelos outros. Qual irá tomar o volante é uma incógnita que depende do nosso subconsciente multimilenar e nossa vontade presente.

Em termos de mecânica podemos interpretar

tamas como equilíbrio estático - no baixo nível; 
rajas como dinamismo desequilibrado - que procura atingir níveis diferentes, para cima ou para baixo;
sattva como equilíbrio dinâmico. 

Em termos de afeto podemos sentir 

tamas como satisfação dos instintos - obsessão pelos gozos imediatos; 
rajas como amor pessoal - família e mais próximos cultural, histórica, social e ideologicamente;
sattva como amor universal - todos seres são divinos, Deus está em tudo e tudo está em Deus.

Em termos de reinos da natureza podemos visualizar

tamas como vegetais e animais;
rajas como humanos;
sattva como deuses, deusas e sábios.

Por esse motivo não é bom sinal alguém que tenha fixação por gnomos e seres da natureza, usando estátuas para enfeitar seus quintais. 

Em termos de estados de consciência, podemos definir

tamas como sono profundo (ignorância);
rajas como sono com sonhos (reflexões primárias);
sattva como despertamento (um iniciado)

A Gita comentada por Rohden.
Versão curta porém profunda.
Somente quem viveu, sofreu e
despertou num certo grau será
capaz de compreendê-la - e se
encantar.
Repare que sattva não é consciência integral. Ela é o início do despertar. Rohden dá o nome de iniciados para quem tenha chegado nesse estado. A guna que capitaneia sua personalidade já é sattva

Busca-se a sabedoria. Ama-se a sabedoria. A pessoa é um filósofo - que não coincide necessariamente com professor de filosofia. Seja a pessoa mendigo, engenheiro, médico, dona de casa, estudante, pesquisador, professor, operário, estadista, administrador, militar, artista, etc, ela já acionou essa engrenagem orgânica interior de busca infindável e infinita nesse mundo limitante e finito  [3].

Na página citada no ensaio anterior existe um teste que pode ser feito para dar uma ideia de nossa posição [4]. O resultado pode ser útil para fazermos uma psicodiagnose e iniciarmos uma melhora. Não é preciso recorrer a especialistas nem traçar um plano. Apenas creio que seja suficiente vigiar (a nós mesmos!) permanentemente, observando nossas atitudes e atos diante dos outros. E sempre lendo, estudando, refletindo e - se possível - procurando aplicar as escrituras sagradas em nosso dia- a-dia, por mais miserável que ele seja.

O teste consiste de 30 perguntas com 3 alternativas cada - que remetem a uma das gunas. Minha dica é responder da forma mais honesta possível. Lembrando que qualquer coisa que não sejamos integralmente (por ex. honestidade), devemos marcar adequadamente. Nem que mil de cada 1.001 atos ou intenções nossos sejam bons num aspecto, não é integralmente bom. Cuidado...

CONSTITUIÇÃO MENTAL
Dietavegetarianaalguma carnedieta rica em carne
Drogas, álcool, estimulantesnuncaocasionalmentefrequentemente
Impressões sensoriaiscalmomoderadoperturbado
Necessidade de sonopoucamoderadamuita
Atividade sexualbaixamoderadomuita
Controle dos sentidosbommoderadofraco
Discursocalmo e pacíficoagitadomaçante
Limpezaaltamoderadabaixa
Trabalhoaltruístapor metas pessoaispreguiçoso
Raivararamenteàs vezesfrequentemente
Medoraramenteàs vezesfrequentemente
Desejopequenofrequenteexcessivo
Orgulhomodestoalgum egovaidoso
Depressãonuncaàs vezesfrequentemente
Amoruniversalpessoalcarente de amor
Comportamento violentonuncaàs vezesfrequentemente
Apego ao dinheiropoucoum poucomuito
Contentamentofrequentementeparcialmentenunca
Capacidade de perdoarfácilcom esforçoguarda rancores
Concentraçãoboamoderadapobre
Memóriaboamoderadaescassa
Força de vontadefortevariávelfraca
Veracidadesempremaior parte do temporaramente
Honestidadesempremaior parte do temporaramente
Tranquilidadegeralmenteparcialmenteraramente
Criatividadealtamoderadabaixa
Estudo espiritualdiariamenteocasionalmentenunca
Mantra, oraçãodiariamenteocasionalmentenunca
Meditaçãodiariamenteocasionalmentenunca
Servir ao próximomuitoàs vezesnenhum
totalSATTVA____RAJAS_______TAMAS_____

Fiz o teste mas me abstenho de postar aqui para não causar frisson. Trata-se de uma questão de foro íntimo. Só posso afirmar que - conforme esperado - não estou nas alturas de sábio ou santos. Mas começo a colocar o pé (bem de leve) nas ilhas da harmonia e integração.

O assunto é inesgotável e recomendo que busquem ler artigos - muito mais extensos e aprofundados que este aqui. Mas o melhor de tudo é fazer o estudo da Bhagavad Gita, explicada de forma cristalina e simples pelo Professor Huberto Rohden.

A sabedoria humana é a vivência divina. 
Portanto, se você já vive divinamente, não se preocupe - já és sábio.

Referências:
[1] Iniciação à Ciência de Sistemas (ICS)
[2] https://jamesstuber.com/second-order-effects/
[3] http://leonardoleiteoliva.blogspot.com/2015/07/busca-infinita-num-mundo-finito.html
[4] http://leilagusmao.com.br/sattva-rajas-tamas/

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