Existe apenas um modo de apreender algo definitivamente: através da experiência. Podemos ler tudo sobre algo, estudar, abstrair conceitos e até mesmo refletir. Mas o que garantirá que o âmago de nossa alma se transforme de modo efetivo é passar por uma vivência íntima. Com o estudo de algo podemos apenas aprender - para apreender é imperioso entrar no campo de batalha. O Kurukshetra [1] da Bhagavad Gita. Todos nós podemos iniciar essa batalha, em nosso interior. Ela se inicia quando estamos prontos, tendo superado as piores tendências e nos livrado das ilusões mais sorrateiras do mundo (Maya). Vencê-la representa a maior conquista humana, capaz de transformar tudo.
Apenas aquilo que macera a alma tem o poder de despertá-la. Ela se torna mais expandida a partir do uso positivo da dor. A capacidade (da alma) de lidar com complexidades aumenta na mesma proporção que converte experiências - geralmente dolorosas - em produtos acabados, tangíveis ou não. Assim adquire-se a habilidade de elaborar ideias, redigir textos, compor músicas, realizar estudos e trabalhos, dialogar habilmente, enfrentar situações de exposições, manifestar sentimentos, mudar os hábitos e - sobretudo - enxergar o significado profundo que se manifesta na superfície cotidiana.
Primeiro, contemplamos. Depois, com o espírito preenchido de inspiração, "criamos" através de um trabalho incessante. |
Duas são as virtudes a serem dominadas pelo ser. Uma foi percebida pelo Ocidente - outra pelo Oriente. A primeira é a capacidade de ação. A segunda, a arte da meditação. Uma é atividade que opera no mundo de forma dinâmica e se repercute na sociedade, de uma forma benéfica ou maléfica. A outra é contemplação do mundo interior, com a adoção de uma vida simples e de reflexão, buscando trabalhar a essência do indivíduo. Dessa forma podemos dizer que o leste trabalhou a arte da sabedoria enquanto o oeste exercitou a ciência da aplicação. Ambas são importantes para atingir o que a arquitetura criacionista denomina salvação. A questão é a dificuldade em exercitar ambas (virtude) e torná-las um binômio dinâmico capaz de construir a personalidade de forma a acompanhar o desenvolvimento do indivíduo.
A personalidade é a forma com que a nossa individualidade se manifesta nesse plano físico. São características relacionadas ao ambiente (geográfico-cultural) e às características genéticas (pai-mãe), que o espírito deve usar para moldar o organismo físico e mental. A individualidade se refere ao espírito, ou consciência, que - como o próprio nome indica - é algo indivisível e intangível. É muito importante destacar essa diferença para que não corramos o risco de nos confundirmos na hora de estabelecer comunicação sobre assuntos desse tipo.
O que comumente se vê é pessoas com aculturadas a exercitarem um dos pólos (reflexão ou ação). Mas isso é feito de modo incompleto e mecânico. Com baixa intensidade. Uma reflexão que se traduz como puro exercício para aquisição de verniz intelectual ou cultural é mal usada. Uma ação horizontal, que tende ao abuso, com fins egoístas (individualismo), é pior do que nada fazer. Logo, é preciso saber realizar a ação e a reflexão verdadeiras. Esse é o primeiro ponto.
A contemplação se dá através da busca do nada. É com o esvaziamento da mente e a calmaria dos sentidos que podemos conhecer nossa essência. |
Ter uma ou outra virtude bem desenvolvida leva a pessoa a notar a existência do outro pólo: para avançar na verticalidade mística é preciso dar as mãos ao outro pólo, cujas características são complementares. Esse aspecto dual do universo faz parte do monismo.
Nesse ponto Gilson Freire destaca que dualismo é um termo negativo, antagonismo entre finitos, que nega o monismo, apoiado apenas na característica transcendente de Deus - excluindo sua imanência. Ela enxerga apenas a competição - o que conduz à destruição. Já a dualidade é um termo positivo, no qual duas coisas (ou seres), apesar de suas diferenças, se unem, num amplexo de complementaridade que se traduz em cooperação. Sobre essas duas realidades da vida (cooperação - competição), Antônio Nobre [2] explica a função de cada uma: a cooperação é o modo de operação que o nosso planeta (e toda a vida!) adota para regular e viabilizar a evolução. A competição é usada como última alternativa, quando a colaboração não é mais possível.
A ação é transformação, atuação no meio. Seu produto deve trazer um ganho de experiência - e um auxílio ao próximo. |
A terceira lei é aquela que não se interessa pelas coisas do mundo, e sim em fazê-lo melhorar. É a lei da evolução. Quem se alinha a essa lei? No momento, raríssimos indivíduos. É a lei do ser que segue o Evangelho, tendo-o em seu íntimo. Francisco de Assis é um exemplo de homem da 3ª lei. Santos, chefes de estado, místicos, pensadores, artistas, cientistas.
É preciso combinar o melhor de cada ideia, conceito, ideologia, prática, especialidade, religião e filosofia. Sem o qual não seremos capazes de retornar ao Sistema* - ou seja, atingir a salvação. Cristo afirmou que é preciso, além de "amar a Deus acima de todas as coisas", também "amar o próximo como a si mesmo".
Retornar-se-á aos mitos da criação de um modo amadurecido: na forma de visão unitária do Todo.
Referências:
[1] https://pt.wikipedia.org/wiki/Guerra_de_Kurukshetra
[2] https://www.youtube.com/watch?v=R0z4vPOVFTc
Observações:
* Podemos resumir os conceitos ubaldianos da seguinte forma:
Sistema = 'reino' do imponderável, além do espaço-tempo e do relativo, o absoluto (o Céu dos cristãos)
Anti-Sistema = universo físico em transformação, relativo (a Terra dos cristãos, que no tempo atual é um inferno)
Nenhum comentário:
Postar um comentário