sábado, 11 de setembro de 2021

Economia do colapso

Nosso sistema econômico fracassou. Basta ter olhos para ver: os resultados são evidentes. 

Fig.1: Forças imponderáveis dirigem a História. Na superfície julgamos ter o controle das coisas. 
Mas quem crê nisso se ilude. No final das contas, apenas quem percebe a Lei é capaz de conduzir sua vida da melhor maneira. Esse ser obedece ao único Patrão de verdade: Deus.

Nossa civilização é incapaz de lidar com um vírus. Por quê? Simplesmente pelo fato de não termos desenvolvido as estruturas adequadas para enfrentar as ameaças - criadas pelo nosso próprio modo de existir como espécie. 

Que estruturas (ou lógicas sistêmicas) seriam essas?

Tudo aquilo que garante a todo ser humano um fluxo contínuo de bens e serviços essenciais à vida e ao desenvolvimento psíquico:

  • Saúde universal de qualidade;
  • Creches e cuidado infantil;
  • Aposentadoria;
  • Pensão;
  • Renda universal;
  • Mobilidade urbana multimodal;
  • Matriz energética predominantemente renovável;
  • Saneamento básico;
  • Agricultura orgânica;
  • Moradias decentes para todos;
  • Centros de pesquisa;
  • Segurança alimentar;
  • Acesso à cultura;
  • Democratização dos meios de comunicação;
  • Etc.
Eu poderia continuar. Mas já é possível ver o quadro. Nós não temos uma nação no planeta que seja capaz de atender a todas essas necessidades sem de alguma maneira (direta / indireta) levar vantagem sobre algum ponto do planeta, sugando seus recursos - sejam eles materiais, energéticos, biológicos, financeiros, humanos ou culturais.

Claro: alguns países se saíram mais ou menos bem nessa busca por um modelo mais humano, mais decente. A Noruega, por exemplo. Ou a Dinamarca. Ou a Islândia. Ou algum país nessa linha. Mas se trata de um modelo particular, incompleto, que apesar de tudo depende do mundo e sofre os efeitos da economia global - mesmo que isso reflita de modo mais amortecido e lento. 

É incompleto porque não fornece os serviços essenciais públicos em toda sua plenitude, por melhor que sejam. Basta viver um certo tempo num dos países citados como menos ruins e perceber-se-á (tendo um certo grau de consciência de profundidade) que não foi atingido o ponto máximo de organização humana. Digo mais: a questão da interconexão geopolítica, climática e ecológica se faz tão evidente nos dias atuais que o fracasso da média planetária significa uma queda no abismo de todos os povos e suas economias - alguns antes, outros depois; uns de forma mais dolorosa, outros menos...mas a queda é geral e dura.

Nos acostumamos com a ideia de que qualquer um (especialmente aquele que não faz parte de nosso grupo, ideologia, raça, nação e coisas do tipo), para sobreviver, isto é, ter acesso às necessidades básicas da vida, deve doar todo seu tempo, energia e criatividade para satisfazer o interesse de quem domina. Domínio ontem exercido pela força, e hoje pela astúcia. E a narrativa para justificar toda essa extração desmedida é simples: deve-se merecer para obter.

Está tudo muito bem costurado. Qualquer um numa posição de domínio, por menor que seja, tende a apelar para as grandes afirmações das Escrituras Sagradas, chispas, de luz de Iluminados encravadas no papel. Verdades profundas inabaláveis que se propagam pela esteira do tempo, como uma onda empolgante, que inspira e arrasta. O problema é que as afirmações contém apenas a Grande Verdade - mas não os caminhos que relacionem o Absoluto com o mais concreto relativo. E nesse caminho relacional (Absoluto-relativo), a criatura escolhe aquele de maior interesse para ele. 

É preciso ter em mente que sempre foram feitas muitas coisas maléficas a partir da bandeira de verdades universais e admiradas. E muitos males se sustentam por anos, décadas e séculos (até milênios) porque o ser humano não é capaz de compreender à fundo a fenomenologia universal. Assim o mal se perpetua e ninguém consegue explicar os porquês. Não sabendo os porquês, os métodos de solução se perdem no labirinto do intelecto e do individualismo, e por conseguinte não resolvem. 

Fig.2: Adquirir um pensamento sistêmico seria o primeiro passo para as pessoas a se integrarem. 
Mas isso por si só não basta: é preciso sentir o aspecto sistêmico do universo.
 E finalmente, o aspecto unitário (monismo), que se traduz em perceber o telefinalismo do ser.
Fonte: [2]

Umair Haque é um escritor e economista que me interessa muito. Ele enxerga muito bem a falência de nossa forma mental no campo coletivo. Um de seus últimos artigos trata justamente da questão do colapso [1]. Em suma, a própria Ciência Econômica explica porque nossa civilização irá entrar em colapso - se não agirmos pra valer nessa década. 

Vou trazer aqui alguns conceitos elementares de economia para dar uma ideia da insanidade da mentalidade do tipo-médio.

Segundo Umair, existem três pontos vitais na condução de uma economia:

1º) A relação Consumo-Investimento;

2º) O tipo de investimento: se para utilidades ou inutilidades;

3º) O tipo de distribuição: se equitativa ou desigual.

Uma civilização que consuma mais do que investe não terá futuro. Além disso, à medida que ela se aproxima de seu término o convívio entre seus elementos ficará cada vez mais tenso, doloroso e mortal. É possível perceber isso hoje em dia com a ascensão do fascismo em vários pontos do globo; com a desintegração das famílias; com as altas taxas de suicídio; com o elogio à imbecilidade; com a superficialidade nas relações; com a incapacidade de síntese. 

A economia global é 75% consumo e 25% investimento. Isto é, consumimos três vezes mais do que investimos. Para ser sustentável, essa relação deveria ser 1:1. E a nação com a maior economia do globo, mais influente (devido ao baixo grau de consciência coletivo), puxa a média para baixo: os EUA são 80% consumo, 20% investimento. E com isso fica coroado a falência do modelo econômico hodierno. 

Consumir é importante e necessário, sim. No entanto, ele deve estar pareado com a capacidade de investir. E investir significa tudo que dará frutos no futuro, seja ele próximo ou distante. É a possibilidade de continuar o desenvolvimento humano. De abrir brechas para tentarmos coisas novas, que nos elevem para um patamar de vida mais digno, com maiores realizações em todos campos: arte, ciência, religião, filosofia, administração, afeto,...Ou seja, investir e consumir são dois lados de uma mesma moeda - que aponta para evolução. Elas precisam estar em equilíbrio.

Podemos até ter um nível de investimento maior do que o de consumo (ex.: China, com proporção 70:30). Mas isso pode ser prejudicial para a sociedade, que poderia ter melhores condições básicas de vida. A Europa, no geral, tem um equilíbrio (50:50), e isso se reflete no grau de qualidade de vida que as famílias possuem. Pergunte a qualquer pessoa sã onde ela prefere viver, trabalhar e criar uma família: nos EUA, na Europa ou na China? (estou falando em motivos concretos, de estruturas sistêmicas, e não em termos de afinidades amorosas ou culturais)

Fig.3: Três aspectos para avaliar a sustentabilidade e eficiência de uma economia. Em balões rosa as percentagens
ideais das quantias a serem direcionadas.
Fonte: Produção do autor. Baseado em: [1]

No entanto, essa não é a solução completa (proporção C-I saudável). É preciso que o investimento seja em coisas úteis, isto é, que gerem riqueza.

Riqueza é tudo aquilo que é útil no presente - ou poderá sê-lo no futuro. Frutas, grãos, escolas, laboratórios, hospitais, teorias, livros, filmes (bons!), músicas (decentes!), artigos, projetos, máquinas (construtivas!), etc. 

Aplicativos que alienam e segregam não são úteis; tampouco livros permeados de ódio e mal escritos, músicas que afloram os instintos, mísseis, tanques, armas; ideias emborcadas; e tudo nessa linha. 

Falo de utilidade em seu sentido mais amplo, universal, extrapolando os limites do utilitarismo econômico. Afirmo um utilitarismo vital, que perpassa o nível do concreto, adentrando no campo do intelecto, do sentimento e - mais alto - do espírito, situado no abstrato. 

Nesse quesito até a rica e idosa Europa decai. Quantas pessoas não são reféns de acessórios que mais travam a inspiração do que a liberam? Quantos não podem ir além por estarem ofuscados por obrigações e métodos que aprenderam a buscar e segurar? Nesse campo o mundo todo cai ainda mais um pouco...se aproximando do fundo do poço...

Mas ainda não acabaram as análises econômicas: resta a questão da distribuição. Nesse quesito algumas nações se recuperam um pouco. Mas como já foi dito, o que interessa - para a sobrevivência de todos como civilização minimamente decente - é a média global. E com isso antevê-se a ruína. 

O nível de desigualdade no mundo cresce. O acesso aos meios básicos de vida exigem peripécias infindáveis e inumeráveis de todos. Uma humilhação perpétua para poder comer, beber, deitar...Sempre sob a alegação de que devemos dar duro antes de merecermos algo. E os fatos saltam aos olhos: há algo de errado, apesar das grandes narrativas da mídia. Há algo que a humanidade (ainda) não foi capaz de captar. Algo de essencial...para sua sobrevivência como civilização...

E ainda eu colocaria um quarto fator: o arranjo sistêmico.

Podemos fazer mais para todos (em termos de qualidade e quantidade) simplesmente com uma organização sistêmica que gere sinergia. É uma questão de relação mais do que de técnica. De como usar o que se tem - e não criar novos elementos para solucionar desarranjos funcionais. 

Eu falo sobre essa questão em meus cursos. Naqueles mais técnicos, de modo mais indireto. Nos mais sistêmicos e filosóficos, de modo mais direto. Tudo adaptado ao contexto, claro. Mas a transmissão ocorre a todo momento, em todo lugar, de forma cada vez mais majestosa, segura e criativa. 

O arranjo sistêmico trata justamente de procurar meios de nos organizarmos de modo mais inteligente com o que já temos - em termos de conhecimento, tecnologia, habilidades e cultura. Mas para isso ocorrer é necessário estarmos de acordo em pontos fundamentais. 

Que pontos seriam esses?

Precisamos partir das mesmas premissas (princípios norteadores) e desejar os mesmos fins (meta suprema). Devemos ser sinceros quando afirmamos algo. Não podemos mais falar em ecologia e igualdade e progresso e etc. da boca para fora e na prática nos colocarmos à serviço de uma lógica que vai contra tudo isso (mesmo que disfarçadamente, de forma muito elegante). É preciso começar a pensar, a refletir; a não ter medo de sentir e conviver com a dor.

Não há uma fórmula mágica. Nem uma receita complexa, acessível a poucos. É só uma questão de maturação interior.

Percebendo isso começamos a caminhar de verdade.

É isso.

Referências:

[1] https://eand.co/why-economics-says-our-civilization-is-going-to-collapse-b3bc6fc8973e

[2] https://gestaosistemica.files.wordpress.com/2011/02/roda-do-pensamento-sistemico1.jpg

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