quarta-feira, 24 de outubro de 2018

Teologia, Ciência e o Novo Estado

A Grande Síntese é a única obra que li em toda minha vida que não apresenta nenhuma contradição. Essa observação atravessa a mente a atinge o íntimo, que se convence - sem necessidade de provas - de que o livro não foi escrito por Pietro Ubaldi. Apenas transcrito. Isso não rebaixa a ferramenta terrena que captou as correntes de pensamento (noúres), trazendo um tratado da fenomenologia universal sem igual. Inexistem parâmetros de comparação. Pois tudo foi feito à base da intuição, de forma consciente, numa íntima colaboração entre fonte receptora (ferramenta) e fonte transmissora. 

Apenas ler não lhe garantirá compreensão.
Ler e sofrer também não.
Mas se alguém leu, sofreu e reagiu da única forma afirmativa possível à dor - essa pessoa compreendeu a Voz.

Aqueles tremendamente sensíveis ao baixo grau evolutivo da atmosfera terrestre devem focar na construção de núcleos de consciência. Ao invés de perder tempo em debates superficiais dever-se-ia começar a fazer tudo ao alcance, independente de recursos que jamais virão ou serão suficientes. Forjar a personalidade através da dor. Criar novas relações e perceber de forma mais profunda. Ser bom e sagaz, simultaneamente, sem no entanto cair em contradição: o equilíbrio divino! Mera quimera à princípio. Desafiador nos primeiros passos. Aterrorizante no desenvolvimento. E quando esse terror aumenta, chegam as ofertas de gozo ou as ameaças de exclusões. Mas ambos (dor e prazer) são ilusões do mundo (Maya). No entanto, - feliz ou infelizmente - a circunstância mais propícia para despertar o ser é a dor. É ela o pré-requisito que dá chances de surgir elevadas reações. As respostas dos santos, dos gênios e dos heróis. 

Esse mundo está machucado. Está se comunicando com
a espécie dominante (nós). Aponta para um plano mais
elevado. Aconselha de forma gradual. Somos nós que
dependemos da Terra - não ela de nós.
Seremos suicidas ou sábios?
O propósito da vida não é ser feliz. Porque isso conduz o ser a focar numa meta mundana. Uma zona de conforto a ser atingida a todo custo, e protegida assim que se chega nela. Protegida através de um processo de auto-engano intermitente. A felicidade é conforto longe de confronto (consigo mesmo). A felicidade é uma imposição manipulável de acordo com tendências instintivas do ser humano. Portanto relativa. E tudo que é relativo não pode ser meta suprema. Ômega. 

Nós estamos mergulhados num universo físico, decaído: o Anti-Sistema (AS). Um câncer do Sistema (S), o "reino" perfeito, infinito e eterno, cuja descrição não é possível por se "situar" fora das barreiras do espaço-tempo e da consciência. Trata-se de algo transcendente. Mas ao mesmo tempo o Criador está entre nós,no AS - pois nada escapa ao S. Deus, ao contrário de suas criaturas (nós e muitas outras, algumas mais outras menos evoluídas), não cura um câncer agindo diretamente, intervindo ou extirpando. Pois esta última seria a morte espiritual dos seres, enquanto a primeira seria uma negação do Amor Divino - infinito em todos aspectos.  

Gilson Freire tem feito certo avanço na compreensão do monismo ubaldiano. Unindo as últimas teorias da Física quântica aos conhecimentos da Medicina (sua formação), além de um vasto conhecimento da História, faz uma leitura sintética da jornada multimilenar de nosso Universo, destacando o ponto culminante e decisivo (humanidade), primeira forma de vida capaz não apenas de perceber as relações causa-efeito (intelecto) mas de igualmente se alçar vôos em atmosferas rarefeitas, introduzindo assim metas supremas que guiam o desenvolvimento da sociedade e de suas criações - dentre as quais as maiores atém o momento foram o Estado Moderno e a Ciência [1]. Todo esse processo é conduzido tendo como pressupostos os princípios deixados por Pietro Ubaldi. É uma jornada fantástica que desvenda os maiores mistérios daqueles que já sofreram o suficiente e anseiam calorosamente por uma nova afirmação, um novo conceito, uma nova atitude - revolucionária no sentido mais forte do termo. 

É interessante perceber que a própria ciência se aproxima das religiões à medida que avança. E que estas devem reconhecer a realidade do mundo para atuarem de forma construtiva. É o início da fusão dos pares. 

Agora vos convido a alçar vôo no pensamento puro, abstrato...

Estar sozinho é estar com o Deus imanente. Este só pode se
manifestar quando esvaziamos nossa mente. É daí que nasce
tudo que é grande no mundo - mesmo que esse não reconheça
a fonte nem o método de sintonização.
A física já sabe que o Universo teve um início - há aproximadamente 13,7 bilhões de anos - e irá ter um fim, estimado em 24 bilhões de anos [2]. O que causou o início é um mistério do ponto de vista científico. O porquê nem se coloca em pauta, dada a vertiginosidade da questão: ela é demasiadamente profunda para uma mente racional, que opera na superfície dos fenômenos à base dos sentidos convencionais e dos processos sequenciais. Como o Universo se expande à velocidade da luz, e considerando a relação de massa relativística [3], percebe-se claramente a impossibilidade de chegarmos aos confins do Universo. Os cientistas também já afirmam que além da fronteira conhecida existe um outro universo, no qual o espaço, o tempo e a relatividade (relacionada à consciência) não existe. E que o nosso (universo) "nasceu" a partir desse outro, desconhecido [1]. Chegar-se-à a admitir a coerência da visão de Ubaldi, descrita em detalhes em 1956, quando publicado o volume O Sistema: gênese e estrutura do universo.

Estamos encerrados nesse universo, portanto. Reféns do espaço-tempo, relativos entre nós e todos os outros que estão lançados por aí. A única maneira se escapar de um mundo de sofrimento é erguer uma vertical que transcenda as quantidades horizontais. Em termos concretos: a evolução humana não tem mais seu centro de gravidade nos processos de mutação orgânicos. Adentramos na esfera em que a continuação de nossa jornada dar-se-á através da sensibilização psíquica, com a maturação interior. É no campo do psiquismo que as transformação se revela cada vez mais vertiginosas e dinâmicas. Repletas de possibilidades e abundantes fontes de criações. Criações estas que se plasmam em obras concretas, desde as sinfonias até os inventos; desde os sistemas políticos até os atos de fé. 

Há pessoas aqui neste inferno de mundo
(e país) que não estão perdendo tempo com
questões superficiais. Nós deveríamos
começar a nos tocar. Autocrítica é algo
que a espécie deveria fazer.
A mídia nunca fez...Nem os bancos...
Nem as megacorporações...
A plasticidade orgânica atingiu sua assíntota. Ela se transfigura para uma plasticidade psíquica, cada vez mais evidente no ser humano. 

Toda organização coletiva humana deverá se apoiar na natureza da matéria, da energia e da vida se tiver como meta sobreviver em qualquer tempo - independentemente dos ataques que sofra.

O capítulo 97 de A Grande Síntese confirma o sentimento:

"Nenhum sistema político jamais soube justificar-se mediante uma filosofia científica que remontasse à gênese da matéria, da energia e da vida." [4]

E portanto todos faliram ou estão a falir - inclusive o nosso, à beira do colapso.

Já discorri exaustivamente sobre a gênese do Estado moderno, seu significado e sua evolução [5]. Não vou me repetir. Apenas a compreensão desses princípios possibilitará à humanidade uma chance de evitar uma queda evolutiva tremenda [6], cuja recuperação (remediação) ser-lhe-à imensamente mais dolorosa do que a profilaxia (prevenção). No entanto pouquíssimos compreendem. Estes, vendo a brutalidade e diante de uma maioria completamente desorientada, - apesar de muitos desejarem o bem - devem adotar ferramentas do mundo para viabilizar alguma conscientização. Assim nascem certos partidos, movimentos sociais, projetos e religiões. À princípio, puros. Depois acabam adquirindo a sujeira do mundo. A culpa não é tanto dos mesmos que de alguma forma atuam, mas majoritariamente da perversidade daqueles que anseiam um mundo melhor - mas absolutamente nada fazem para forjá-lo, se enclausurando no reino da neutralidade [7]. Estes se eximem completamente da responsabilidade e ficam na expectativa da luta de alguns construírem um mundo melhor. Querem do bom e do melhor mas sem se colocar na zona de risco. São inteligentes, porém sem coragem. 

De nada adianta uma inteligência que serve à garantia individual sempre. Muitas vezes é útil (concordo). Mas há momentos históricos tremendos, em que o embate entre a barbárie e a civilização se realçam de forma muito clara. E aqueles que não fazem o trabalho íntimo de edificarem seu ser em busca da resolução efetiva de sua personalidade correm o risco de entrar em débito tremendo.

"Porquanto quem quiser salvar a sua vida, a perderá, mas quem perder a sua vida por minha causa, encontrará a verdadeira vida.
Jesus, o Cristo

Por isso o propósito da vida não é ser feliz. Felicidade é um estado temporário a ser utilizado para impulsionar o contínuo processo evolutivo do espírito. A questão é evoluir! (seguir a 3ª lei).

Quem se tornou melhor imerso num período de conforto e num meio agradável? 
Não conheço...Se existem casos, garanto que são raríssimos.

Agora posso apontar todas as explosões que geraram santos, místicos, gênios e heróis. São dores que foram usadas para construir um novo ser - renascer do espírito. 

Essa é a última chance. Independentemente dos (des)caminhos
do mundo, quem já sente o porvir deve iniciar uma escalada
de ousadia estarrecedora e inteligência incomum. Essa
escalada é a construção do Verdadeiro Eu. O Eu divino.
Enquanto parcela do país delira com o advento de um "salvador da pátria", a outra, ciente desse delírio coletivo sedutor, se ilude de outra forma: que o simples fato de colocar alguém razoável na cadeira de capataz-mor (do sistema) irá resolver tudo. Não! Deve-se antes de mais nada adquirir a consciência em número crítico. Apenas assim destruir-se-à o monstro criado pela humanidade (neoliberalismo e seus desdobramentos em todas esferas da vida). Somente assim retomaremos o desenvolvimento, apontando para um plano superior.

Se isso ocorrer, será gerado o Novo Estado descrito impecavelmente por Sua Voz.

Na falta de sabedoria própria, deixo que a Voz dê a palavra final - pois ela é o que é: sublime e potente...milênios à nossa frente...

"Detenhamo-nos na concepção do Estado futuro, depois de tê-lo orientado assim, em seu transformismo ascensional ao longo do tempo. Trata-se de uma concepção nova e ousada, que constitui a base, no campo social, da nova civilização do Terceiro Milênio. Falamos aqui de um Estado que, democrático e aristocrático ao mesmo tempo, representará a fusão dos dois princípios: centralização e descentralização, ambos necessários. Em sua função unificadora, ele criará uma coletividade mais compacta, em cujo seio o indivíduo, ao invés de membro inconsciente de um rebanho desordenado, será o soldado de um exército em marcha, que sentirá vibrar em si a alma do chefe. Então, pela primeira vez na história, o Estado fará do povo um organismo, em cujo centro, fundido com ele, dar-se-á a síntese entre vontades e poderes. No Estado futuro, o povo não será mais um rebanho governado, que só deve dar e obedecer, mas sim o corpo do cérebro central (o governo), o organismo da alma diretora, que por toda parte irá permeá-lo e vivificá-lo com seus tentáculos e ramificações nervosas. Em vez de um chefe, uma classe ou uma maioria que comande por si só, haverá uma dedicação no cumprimento de deveres e uma doação na cooperação, objetivando uma fusão completa num trabalho e meta comuns." [4]

Referências:
[1] FREIRE, Gilson. Arquitetura Cósmica. Editora INEDE, 2006. Disponível em: <http://www.gilsonfreire.med.br/index.php/arquitetura-cosmica>.
[2] https://pt.wikipedia.org/wiki/Derradeiro_destino_do_universo
[3] https://mundoeducacao.bol.uol.com.br/fisica/massa-relativistica.htm
[4] UBALDI, Pietro. A Grande Sìntese. FUNDAPU. Disponível em: <http://www2.uefs.br/filosofia-bv/pdfs/ubaldi_02.pdf>
[5] http://leonardoleiteoliva.blogspot.com/2018/01/a-maior-conquista-da-civilizacao.html
[6] http://leonardoleiteoliva.blogspot.com/2017/08/emborcamento-do-rumo-natural.html
[7] http://leonardoleiteoliva.blogspot.com/2016/04/a-perversidade-da-neutralidade_18.html

domingo, 21 de outubro de 2018

Adoção: mudança de paradigma

Fato 1: nós vivemos num mundo prestes a sofrer uma mudança de paradigma. Uma alteração abrupta que será sentida por todos, de forma intensa e sem precedentes em termos de escala, complexidade e dinamicidade. A última mudança de paradigma de nossa espécie se deu há cinco séculos, quando passamos do modelo teocêntrico para o antropocêntrico. Daí se deram desdobramentos importantes, cujos efeitos se manifestaram na potenciação da atividade econômica, nos sistemas políticos e na globalização. A ciência avançou e a tecnologia veio logo atrás. Os sistemas humanos não acompanharam. E não acompanharam porque o ser humano não melhorou moralmente em 500 anos.

O mundo irá sofrer uma bifurcação. Uma
transição planetária está a ocorrer. Toda forma
será desfeita. Isso irá doer a princípio, para
todos - mas quem está obrando a nova civilização
do 3º milênio provavelmente terá sua vaga.
Para o joio, uma regressão em um mundo muito
pior do que a Terra. Para o trigo, a possibilidade
de continuar caminhando para o futuro... 
Fato 2: o desemprego cresce e o custo de vida sobe para a imensa maioria de pessoas desse planeta. A estabilidade de carreiras e profissões de outrora desvanecem num átimo. A importância delas se torna mais turva para a mentalidade coletiva. O que era tendência da parcela pobre e com poucos anos de estudo se torna cada vez mais democratizada ao longo da pirâmide (cada vez mais desigual) social: classe média empobrece. Mas seu empobrecimento material não é o que mais preocupa - o que nos leva ao fato 3.

Fato 3: o nível de consciência geral daqueles que mais tem condições de progresso decaiu. Defendo a tese de que o grosso dessa parcela de seres tiveram suas potencialidades latentes obliteradas pelas novidades que o mundo foi gerando ao longo dos séculos. Mas até algumas décadas não poderíamos dizer que estávamos piorando (ou melhor, sendo capturados pela nossa criação) de fato. É apenas nas últimas décadas que o fenômeno vem se tornando cada vez mais evidente - e preocupante. 

Em dois mil anos de Evangelho pouco se fez no sentido de implementá-lo. As doses foram mínimas. Reduzidas a níveis atômicos. E os tempos são chegados. 

Não é possível continuar mascarando a intenção através de desfiles de razão. As máscaras podem ser várias, mas elas são cada vez mais difíceis de se sustentarem. Os métodos artificiais drenam recursos preciosos. A natureza aponta nossas misérias. Os seres percebem cada vez melhor - mesmo que usem isso para revelar as fraquezas dos outros. A repetição de discurso é praxe quando não somos capazes de confrontar com uma verdade que não nos agrada. Recorremos a repetição e ao número. Caso isso não resolva efetivamente, pode-se recorrer à violência - que se faz com o número. Isso é o que se vê no século XXI. O Brasil é uma mera caricatura do que a sociedade humana tem escondido no seu íntimo ao longo dos últimos anos. Nosso país é aquele que parece pronunciar de forma mais explícita, clara, destemida, visual, sonora e despudorada o arcabouço do subconsciente humano.

A relação não perdura sem que haja o
elemento espiritual. As almas devem
estar numa faixa próxima.
Sintonia, não sensação.
Afinidade, não atração.
Quanto mais o subconsciente coletivo se manifesta nas redondezas, mais clara fica a arquitetura do catástrofe que está a ser edificada. Mais cristalina se torna a sua inexorabilidade. Isso é preocupante para todos. Mas há uma hierarquia. Alguns estão na linha de frente e serão abatidos logo de princípio, com uma série de reformas para "melhorar o país" - esses se levam pelos instintos ao aderirem a passeatas. Outros estão mais atrás, poderão se virar de algum jeito na nova "ordem" que se apresenta- mas ainda sofrerão, sem contudo perceber a relação entre sua ignorância e o ambiente degradado em que vivem. Outros ainda, muito pouco numerosos, poderão se virar muito bem. Estes são menos do que um centésimo da população do país. Todos irão pagar, de uma forma ou de outra, no âmbito da matéria. Alguns terão crédito no campo do espírito. Pouco posso fazer contra um vômito instintivo - muito posso fazer para compreender a natureza humana a partir dele. Mais ainda: infinito pode ser feito para a construção das bases de um novo país...um novo mundo. Porque este mundo irá perecer, com a destruição de toda forma. Quem se desprende da forma, se salva. 

Digo tudo isso porque irei discorrer sobre a questão de ter filhos. Mas...o que tudo isso tem a ver com filhos e adoção?

Aqueles que acompanham os escritos do autor desde o princípio poderão perceber o porquê desse discurso introdutório. Se houveram pessoas que - indo muito mais longe do que ficar aqui nesse espaço - alçaram vôo com a Obra ubaldina, mais fácil será compreender o que estou prestes a dizer.

O místico da Umbria desvendou - ou melhor, sintetizou - as três leis seguidas pela humanidade: conservação individual (fome), conservação da espécie (sexo) e evolução (trabalho, no sentido mais forte do termo). A primeira se desdobra em aquisição de propriedades, títulos, bens e demais atributos; a segunda pode ser vista no aspecto do desejo, ou seja, o subconsciente que está apavorado com o "fim da vida" e por isso precisa se propagar; e a terceira pode ser sentida como um senso de dever sincero e honesto. Uma intuição. Uma capacidade de criar em meio a dores terríveis e vivências amargas.

Nós não geramos seres. Apenas a Fonte Infinita possui essa capacidade. Ela gerou os espíritos. Todos os seres. Nós humanos somos meros canais que permitem que certas individuações (espíritos) adquiram uma roupagem temporária. Esse conceito é cada vez mais compreendido pelos seres humanos. Foi introduzido pela doutrina espírita e muito aperfeiçoada por Pietro Ubaldi e Huberto Rohden, que precisaram bem os porquês e os desenvolvimentos. Não se trata de uma verdade relativa - trata-se de um conceito profundo cada vez mais evidente.

Os filhos não são uma soma dos pais. Podemos dizer que possuem características orgânicas muito próximas. Mas o DNA não define um ser em sua integridade. Caso contrário como se explicaria o fato de muitos pais bons terem filhos perversos - e vice-versa? Mesmo tendo dado todas as condições e amparo afetivo (1º caso) ou nada disso (2º caso). Por que será que Cristo afirmou categoricamente à sua mãe terrena e irmão - quando estes pediam sua presença para com eles - que sua família eram todos aqueles que estavam reunidos com ele, em sintonia fraterna? O Nazareno disse muito bem que a família verdadeira se faz por afinidade. 

É evidente que um casamento apoiado em interesses que sejam exclusivamente terrenos tenderá a se desgastar e (provavelmente) terminar. O único recurso de manter construção tão efêmera em pé é colocar combustível material nessa fogueira de ilusão. Empregar mais ilusões, mais força, mais desgaste. Tudo isso acaba desorientando ambas as partes, que fingem estar tudo bem para não lidar com a realidade da relação. Não houve um mínimo de sintonia vibratória para garantir uma construção sólida a partir de um alicerce firme. 

O caminho inicial é largo mais o fim é estreitíssimo.

Um casal que possui uma visão mais vasta da vida não irá ver diferença entre adotar um bebê ou ter um. Sabe que aquele que será criado é único, e as relações mais fortes se forjam no terreno do afeto - que é a porta de manifestação dos valores espirituais. Se adicionarmos as grandes questões mundiais, - que o século XXI está evidenciando tão bem - há de fato uma sensatez maior em adotar. 

Os pais não devem ver os filhos como
uma extensão de si mesmos.
Devemos ver além de nós no outro.
Isso é se desprender.
Isso é realmente construir no
universo do espírito. 
Há muitas crianças órfãs no mundo. Pobres, portanto. Desamparadas não apenas em termos materiais, mas afetivos. Elas "nascem" com os conflitos bélicos intra e entre nações, e a violência social. São frutos de refugiados que tiveram a infelicidade de terem suas vidas dilaceradas. Famílias incompletas, separadas, fragmentadas. E a tendência, com a extrema direita crescendo ao redor do mundo, é que esses órfãos aumentem. 

Ter uma criança própria e deixar outras à míngua é algo que fere o bom senso nascente em muitos e muitas. Qual a diferença, afinal? Para o biótipo atual, é simples: eles não são carne da nossa carne. E portanto "jamais poderia amar alguém que não tenha vindo de mim". Essa é a resposta padrão, que muitos darão após volteios eloquentes. Trata-se no fundo de estar preso à matéria. A partir daí me dou conta de que o grau evolutivo de nossa espécie é ainda muito baixo - e isso traz consequências nefastas.

Poderíamos estar exercendo o dever da criação da forma mais eficaz e bela possível. A única coisa que nos impede não são os recursos - o dinheiro seria o mesmo. Não é a falta de opção (os órfãos estão aí, aos montes). Nenhuma restrição real - exceto aquela imposta pela nossa mente. E nada é mais desafiador do que superar a própria mentalidade. Essa mentalidade se reforça para fazer prevalecer um instinto que não quer morrer. Aquele que diz "eu sou o meu corpo!". Mas não somos nosso corpo. Nem nosso nome. Nem nossa profissão. Nem nossos títulos. Nem nada do que escrevemos, compomos ou realizamos no mundo. Somos algo diverso, mais profundo, cuja manifestação mais sincera é um canto harmônico capaz de reunir diversas criaturas num amplexo de amor infindável. Somos donos de uma alma que anseia por potência na manifestação, sinceridade no dizer, força no agir e ímpeto no descobrir. Somos o que nem imaginamos. Somos o que queremos quando nos dispomos a abraçar a dor sem temor e a partir desse contato gerar uma nova forma de vida. 

Acima de tudo, somos capazes de transcender. 

A população mundial ainda cresce. A renda se concentra. O ódio se manifesta. O meio ambiente dá sinais de que em breve a carência de muitos hoje - que poderia ser evitada - poderá ser uma realidade inexorável do amanhã, para muitos e muitas. O que estamos criando de fato para lidar com um mundo em vias de renovação?

Qual é a nossa verdadeira construção, que sobreviverá às tempestades das balas, à erosão dos valores, ao desaparecimento dos conceitos, à desintegração das instituições sociais? 

Criamos os filhos para nossa diversão / distração / perpetuação nos tempos, OU
Para a evolução de ambos (nossa e deles)?

O senso de posse deve terminar para que a verdadeira criação se dê.

Criar é um ato independente da organicidade. É algo muito mais profundo. A matéria não pode guiar o nosso destino.

Grandes catástrofes se armam em todos cantos do mundo - no momento o Brasil parece ser o epicentro. Cedo ou tarde, esse batismo de fogo despertará muitos. 

Adotar um ser excluído por um sistema - que vive gerando órfãos - é um ato revolucionário do ponto de vista da ética e do misticismo.

Eticamente estaremos contribuindo para equilibrar as dores do mundo.
Misticamente estaremos evoluindo efetivamente, sem recorrer às muletas materiais.

Não se trata de condenar quem tem (filhos). Apenas se lamenta o instinto daqueles que julgam a atitude de criar um "desconhecido" estranha. Afinal de contas, somos todos uns estranhos aos outros. Não é a genética que nos une de verdade. O cimento espiritual é o laço mais forte deste universo.

Quando descobrirmos isso inciar-se-á a verdadeira e definitiva revolução da humanidade.

sexta-feira, 19 de outubro de 2018

As Três Gunas: por que existem?

Chegamos a uma profundidade abissal que somente pode ser tratada com uma linguagem abstrata. Exemplificações acabam facilmente sendo reféns de segregações e interpretações errôneas. Desse modo irei me ater a conceitos.

Por quê existem as gunas? Elas são características da natureza. Fazem parte de tudo - inclusive nós, humanos. Nos prendemos a esse mundo, esse universo, através delas, que estabelecem um concatenamento férreo com a reencarnação. Vimos que até mesmo Sattvaguna é algo do mundo, que nos prende aqui. Ela é um bom ego - mas continua sendo um ego.

É muito legal ser uma pessoa em sattva, que goste de melodias, crie, se alimente de modo balanceado, que tenha emoções balanceadas e gere harmonia ao redor (por ser harmonia em si). Mas gostar do bom e belo ainda é gostar de algo. Ainda é se apegar a algo. Ainda é uma forma de dependência, mesmo que elevada. Apesar disso é o estágio que deve anteceder a libertação (iluminação) final. E que pode durar muitas existências.

O livro que dá uma pista. Se baseia na mais
pura lógica - despida de formalismos mas
difícil de ser negada. O mundo há de
avançar na questão.
Se integrar a Brahma. Entrar no seio do Senhor. Atingir iluminação. Essa libertação exige o desprendimento completo de tudo aquilo que faz parte de Maya (ilusão). Isso é dificílimo.

Helena Blavatsky, fundadora da Teosofia, escreve em seu livro A Voz do Silêncio que, uma vez atingido o despertar (a visão) inicia-se o caminho da libertação. A partir daí devemos atravessar sete portais - cada um referente a uma existência terrena aproximadamente. Cada um deles é um salto quântico e exige dedicação exclusiva. No entanto a preocupação da imensa maioria dos habitantes desse mundo deve ser antes de tudo despertar para a realidade, o que já será uma conquista tremenda. Digo mais: se uma massa crítica de seres humanos conseguir essa iniciação, ter-se-á a terceira grande conquista da civilização - após a Ciência e o Estado - que é a Consciência. Esta será capaz de orientar o saber (Ciência) e introduzir um novo conceito de coletividade (Estado), tornando o corpo governamental um verdadeiro coordenador de seres, adquirindo função central sem centralizar.

À medida que melhoramos ficamos mais sensíveis a alguns temas. Os "porquês" passam a ser objeto de atenção. O "como" é visto de forma mais lenta, refletida. E...afinal...por que existem as gunas?

No volume O Sistema: gênese e estrutura do universo, Pietro Ubaldi revela sua visão da (verdadeira) criação. Esboça de forma invulgar uma teoria que é capaz de vencer muitos paradoxos, que as explicações de outras religiões - e do próprio espiritismo - não conseguem. Onde os outros se prostram de joelhos, O Sistema vai além e cria um conceito orgânico lógico, aberto a melhorias posteriores (dinamicidade). O próprio autor afirmou que haverão outras pessoas que irão além, explicando muito melhor mais coisas da vida - mas que no momento essa obra é o máximo em termos de intuição.

Cada personalidade se relaciona com as gunas. Somos um
misto de características Tamas, Rajas e Sattva. À medida que
evoluímos vamos alterando essa combinação.
A escolha por não seguir a Lei de Deus levou a um emborcamento da criatura, gerando uma queda - não espacial, mas conceptual e além disso. Assim há a involução (2ª criação, material). Após esse movimento de queda se exaurir, inicia-se a evolução: matéria se desintegrando, gerando energia; esta se degradando, deixando várias formas espalhadas; gênese da vida; desenvolvimento do psiquismo, lentamente nos vegetais e animais, aceleradamente no humano. E assim por diante.

É a 2ª criação que gera as gunas. Devemos evoluir com elas e desenvolvê-las a título de reordenarmos o caos do mundo para permitir um salto vertical para a dimensão original. Elas existem por causa nossa. Somos culpados pela nossa natureza desde o princípio. E aí começa a revolta contra a teoria da revolta, fortalecendo-a.

Temos uma dificuldade enorme em admitir nossos erros. Isso é claro observando-se os partidos políticos e as religiões. Na competição mesquinha entre áreas e subáreas da ciência (centenas) e correntes filosóficas (mais de setenta). Nas conversas entre pessoas. Em tudo.

Sair um pouco de nós mesmos no momento da tensão argumentativa e do calor das sensações é dificílimo. Mas podemos praticar essa habilidade de nos colocar fora de nós mesmos (ego) e observar de fato o que pode estar ocorrendo. O que nos leva a agir de determinado modo? Quais as causas (reais, profundas)? Às vezes é um simples acontecimento no início do dia que acaba tendo efeitos de segunda ordem, dificilmente perceptíveis por uma mente focada no sensório.

A culpa é nossa e portanto cabe a nós lidar com elas.

Há de se admitir isso ou caímos num beco sem saída: se Deus é absolutamente perfeito, amor puro, como pode ele ter manifestado as gunas? Ele pode sim ter criado o princípio delas, contido dentro de todas criaturas, como um mecanismo de defesa que se manifesta assim que os espíritos decidem se tornar senhores do Todo - virar Deus, uma impossibilidade. De forma que trata-se de algo manifestado graças a nossa atitude egoísta de nos apartar do Todo-Uno-Deus.

Diversas perguntas sobre o porquê desse árduo caminho surgem. O estudo e reflexão da Obra de Ubaldi pode começar a lançar luz sobre muitas dúvidas. É mais profunda do que complexa. 

quinta-feira, 18 de outubro de 2018

Er ist wieder da !

Obs: Não sou a favor do fascismo. Em tempos sombrios, em que um autoritarismo completamente desorientado paira sob as nossas cabeças, devo deixar claro que o maior dos absurdos é uma parcela ampla chancelar a ascensão de um homem sem sensibilidade social, destituído de visão sistêmica e que se apóia no ódio e medo das pessoas, para assumir um papel significante - numa vida insignificante. Isso não implica em apontar que "o outro lado" é a salvação. Estamos imersos num mar de lama cuja solução parte da conscientização de cada um. Bom-senso. Quem sente o terror dos tempos deve mobilizar o afeto coragem. É apenas a ousadia inteligente que apresenta uma alternativa. Escrevo a resenha do filme por tê-lo visto nos últimos dias e achado a proposta interessante. Que proposta? A auto-análise da humanidade atual. Tendo dito isso vamos lá.
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"Er ist wieder da!" ("Ele está de volta") é o último filme alemão do diretor David Wnendt com base no romance homônimo de Timur Vermes. Um filme que pode ser considerado uma comédia, mas propõe ao espectador algo que vá além de algumas risadas. 

Quem é aquele que "está de volta"? Ninguém menos do que aquele ex-chanceler da Alemanha, eleito em 1933: Adolf Hitler. 

O roteiro é simples mas extremamente criativo. Consegue extrair características interessantes da sociedade alemã atual baseado na aparição de uma figura histórica que marcou - e continua marcando - profundamente muitas mentes e corações, na maioria dos casos de forma implícita, com um misto de sensações que torna difícil condenações e classificações. Uma aparição repentina, sem explicação à priori. Mas cuja ausência (de explicação) vai se tornando cada vez mais irrelevante à medida que o filme se desenvolve, com o desdobramento de várias situações inusitadas.

Ele está de volta! Para divertir e
refletir - não sobre ele...mas sobre
si mesmo (nós, espectadores).
Aqui não se trata de glorificar o ex-ditador. Trata-se de fazer um exercício de imaginação (à princípio) que possa nos permitir tirar uma radiografia de um povo e, quem sabe, da espécie humana como um todo. É algo que diz mais sobre o nosso íntimo, a nossa memória, e sobretudo nossa imaginação. Diz também um pouco sobre a capacidade que alguns tem de se adaptar ao mundo. O filme é muito mais sobre o estado da sociedade atual do que sobre o chanceler de bigodinho.

Berlim, 2015. De um nevoeiro espesso numa região que abrigou o último ditador do país em seus últimos momentos surge...o último ditador. Em - ao que parece - seus primeiros momentos! Como uma continuação de 1945.

O espectador se depara com um Hitler desnorteado, 70 anos após sua morte. Ele procura informações e acaba se localizando no tempo - com o passar do tempo. E começa a se informar sobre esse mundo moderno.



O diretor não pende para a comédia pura ou para a ridicularização do personagem histórico. Tampouco trata-o de forma completamente séria, ou dá um ar de alguém com poderes sem limites (os tempos são outros). Nem glorifica-o. Nem denigre-o. Não, nada disso. E toma o cuidado de não mergulhar no tema dos judeus*. A meu ver os realizadores do filme quiseram mostrar uma possibilidade muito realista do que ocorreria se o bigodinho voltasse ao mundo a partir de seus últimos momentos, com as mesmas características. Contexto radicalmente diferente, personalidade adaptativa. 



Hitler acaba virando objeto de atenção de um telejornalista por acidente, que o considera um ator que imita de forma muito boa o dito cujo. E a partir daí o ex-ditador usa-se da situação para conseguir se reinserir no novo mundo. 


O Führer expondo suas ideias.
É interessante perceber que Adolf não se demonstra louco o suficiente para insistir que é quem é - mesmo porque ninguém acreditaria nele. Mas ao mesmo tempo age como quem é. Fala abertamente sobre seu passado, ideias, visão de mundo, vida pessoal, entre outras coisas. Age naturalmente e acaba captando a atenção das pessoas. Percebe que precisa alterar muito pouco de seus hábitos e estilo para conseguir alguma posição de destaque. É visto como um excelente ator. Mais ainda: é considerado inovador e original por fazer seu papel em tempo integral. 

O filme chama a atenção durante seu desenvolvimento. Além das cenas que soam verossímeis e naturais para praticamente qualquer pessoa, não é possível deixar de se impressionar pelas críticas incisivas de Hitler ao mundo atual: imigração, desemprego, fome, desorientação das pessoas, estupidez dos programas televisivos, entre outros. Independentemente da imagem que se tem dele, é muito difícil discordar de suas críticas à sociedade atual. 

Enquanto viaja pelo país pergunta a várias pessoas - em aspecto de entrevista - quais as maiores preocupações. Dialoga com elas. São apresentadas visões de mundo diversas, desde uma dona de lanchonete dizendo que não acredita nas eleições, que afirma serem manipuladas, passando por um grupo de idosos que se incomodam com os imigrantes muçulmanos e outras ideias. 

O foco, no fundo, não é exatamente Hitler, mas o modo como as pessoas se comportam diante da "ressurreição" de personagens históricos marcantes - e como estes fariam para viverem uma vida adaptada a um mundo diferente.

O Führer se adaptando às novas tecnologias.
Fascinado pela internet, uma expansão das
possibilidades.
É particularmente engraçado ver o bigodinho se apropriando da tecnologia. Quando lhe é apresentado o computador e a internet, a moça que está lhe ensinando o básico mostra o Google e diz para digitar qualquer assunto de seu interesse. A primeira busca que faz é "dominar o mundo". Se encanta com a quantidade de informações. Navega loucamente como qualquer um de nós faria num momento de investigação e curiosidade.

Paralelamente nos deparamos com momentos marcantes, como sua primeira aparição em rede nacional (como ator, claro). Seu semblante, sua postura e (sobretudo) seu olhar penetrante apoiado por um silêncio desesperador inicial nos coloca em estado de alerta. Sua fala é como ele é: direta e penetrante. Mas demonstra saber incorporar um tom ponderadamente crítico e suavemente cômico , que permite a ele ser quem é de uma nova forma.

No filme vemos um Hitler sujeito a outro ambiente. Outros tempos, outras configurações, outras impressões, outro jogo de forças. Ele percebe isso. Deseja apenas exercer parte daquilo que queria exercer: aparecer e divulgar suas ideias. Que seja respeitado por ser uma figura séria. Para isso deve parecer um pouco cômico - sem no entanto adentrar 

Mais formidável é perceber que o contato de Hitler com o mundo acaba destacando a natureza de certos personagens. Uns amadores (o apresentador Witzigmann), outros inseguros (Sawatzki) ou determinados (Srta. Bellini). Mas a radiografia é sempre precisa em sua essência.

A responsabilidade sobre os males que se abatem é também, em larga medida, nossa. Especialmente daqueles que possuem mais acesso a educação, cultura e riquezas. Uma pessoa apenas é incapaz de controlar 99. Deve haver alguma coisa dentro de boa parte dessas 99 para que sejam capturadas por determinado discurso (ideia), e assim colaborem para que ela se manifeste. De modo que grandes líderes - seja para o bem ou para o mal - são pessoas que conseguem, conscientemente ou inconscientemente - perceber uma certa tendência das massas, e coordená-las para fins específicos. Parte-se de uma natureza (base, o povo, a massa) para se chegar a um fim específico. A culpa é dele (bigodinho), mas igualmente de toda sociedade...Isso é o que esse filme tenta revelar, de uma forma levemente cômica, profundamente crítica, sagazmente ponderada.

"Ele está de volta!" pode apontar para que ele (o espírito de ambição, de conquista, de impulsividade) que animou um ser, mobilizou uma nação e aterrorizou as potências do mundo, está brotando de uma forma diversa em alguns lugares. Se brota do subconsciente, resta a nós orientá-la. Cabe a nós saber conduzir essa força para o bem - e evitar outros males.

A responsabilidade é nossa.


Links e notas:

https://www.youtube.com/watch?v=rUZi67BmY_M (trailer: extended version)
https://www.youtube.com/watch?v=MkGQcw52KQQ (trailer)

* Exceto uma cena, na qual o tratamento é realista e feita de forma madura, sem levar a pessoa que assiste a desenvolver uma falsa impressão das coisas.

Trailer:



sexta-feira, 12 de outubro de 2018

Criar ou consumir? - Eis a questão.

Por todo lado observo as pessoas conduzindo uma vida orientada pelo consumo. Quando gido "consumo", estou falando em seu sentido mais forte do termo: consumo de produtos; de serviços; de corpos; de imagens; de sons; de sensações,...de tudo. 

O tempo não volta. Cada dia passado sem uma criação
verdadeiramente substancial - com significado - é um
dia perdido. Não podemos consertar o passado - mas
podemos construir um novo futuro que supere esse
passado mórbido. 
Indivíduos com vida orientada ao consumo preferem assistir TV a ler um livro. Optam por frequentar um ambiente agradável onde não há brechas para desenvolvimentos de ideias, questionamentos e contrapontos. Escolhem fazer coisas que das quais estão 100% seguras de que não terão dificuldades - pois tem formação e experiência naquilo. Consomem um ou mais disso: TV, fumo, sexo, álcool, alimentos processados, redes sociais. Se desviam de um foco com muita facilidade. Sempre pendem para o lado da conversa em grupo repleta de piadas e novidades ao invés de se empenhar num projeto pessoal. Esse projeto pode ser: aprender um idioma, ler e estudar um livro/tema, fazer ginástica, meditar, escrever um texto, compor música, ouvir música, assistir um filme alternativo, debater, refletir, esboçar uma linha de pensamento, dentre outros. Porque é fácil e não exige esforço. Já está tudo lá, pronto para ser consumido - a um preço acessível.

Reparem que os bens e serviços que tem um preço acessível a um público grande são justamente aqueles não-incluídos no rol das necessidades humanas. Eletrônicos, mídias sociais e internet popular abundam. Sistemas de saúde, educação, segurança, infra-estrutura urbana, previdência, alimentos orgânicos, água, áreas verdes e cultura estão cada vez mais distantes (leia-se inacessível) das pessoas. Colocou-se (e coloca-se) esses bens essenciais à vida humana dentro de um circuito monetário regido por mecanismos de mercado - cuja lógica é tratá-los como sistemas a darem lucro, sem que haja uma retroalimentação (retorno) que mantenha a saúde de cada um desses subsistemas. Isso é o capitalismo atual: financeiro, não-focado na produção de bens úteis, não focado na eficiência, adorador da propaganda e da depredação. Capturador dos estados nacionais, que usam da força para reprimir - e de um mecanismo de leis para impedir que a justiça se efetue em certas camadas. 

Pessoas que são orientadas para a criação são um terror para o sistema dominante. Elas querem fazer coisas que estão fora do circuito mercado-moeda. Porque sabem que as necessidades humanas estão em outras regiões. E esboçam ideias de como trazer coisas que estão aí para outro plano, livre da obrigação. E justificam o porquê disso. E espalham como podem a(s) ideia(s). Se mobilizam e vivem. Assim são mais capazes de mobilizar e fazer (outros) viverem. 

Vivemos num mundo de mortos-vivos que estão freneticamente se tensionando em obrigações que poderiam ser feitas de modo muito mais eficiente. E que, como compensação, anseiam pelos prazeres do consumo e pelo conforto máximo, se esbaldando no agradável. Esse agradável, a meu ver, é um fino verniz de civilização que se mantêm a todo custo para evitar visualizarmos a realidade própria - e especialmente, do outro. Aquele outro tão perto e tão longe. E também aquele tão longe e tão perto.

Para criar é preciso buscar - pois nada está pronto. Assim recorre-se ao questionamento e à reflexão, que conduz a um processo de constatação. Assim forja-se um pesquisador. 

Para consumir basta se deixar levar - tudo está pronto, no formato certo, bastando apenas ter o que se pede em troca. 

Mas o dinheiro é apenas um intermediário que esconde a verdadeira extração. O que nos é roubado para termos em troca a ilusão que tanto prezamos é o nosso tempo de vida. Isso não volta. Assim trabalhamos por anos e décadas para pagar contas. Ficamos doentes ao longo dos tempos para juntar dinheiro para tratar a futura doença. Buscamos entrar nas regras do jogo. Buscamos ser agradáveis com todos, evitando todos assuntos que apontem para o transformismo latente que jaz em toda forma de vida. E assim vive-se morrendo ao invés de morrer-se vivendo. Isso tudo é muito profundo. Está nas escrituras sagradas. Mas poucos compreenderam a racionalidade cristalina e científica espalhada pelos grandes sábios, profetas e santos. 

O consumo deve estar preso ao necessário. Nada mais, nada menos. O resto (das energias, do tempo, do conhecimento, da vontade) deve ser lançado para a evolução. Assim me fala a vida.

Albert Schweitzer: renasceu ao
inverter as diretrizes da vida normal.
Muito doce todo dia esboroa o paladar - que fica cada vez mais entediado e exigente, apto a impulsos de gula. Muita TV engessa o dinamismo mental, como um buraco negro que suga tudo para ele. Vê-se um ponto de vista. Nada é tratado com profundidade. Muita fofoca e piada enxugam a sensibilidade e drenam a criatividade. São vícios como o álcool, os cigarros, os estimulantes. Elas rechaçam vozes dissonantes e simplificam questões complexas. Elas tratam profundidade destratando-a elegantemente: enchendo-a de elogios vazios e partindo para o próximo tema - pois este já enjoou e requer demais. 

Quem deseja criar não veio para este mundo ser agradável - apesar de respeitar e ser contido.
Veio para ser todas suas possibilidades. 

Anthony Moore escreve exaustivamente sobre o tema. Ele vive o que escreve - o que dá potência às suas palavras [1]. Ele diz que pessoas extraordinárias não focam nos resultados, e sim no processo [2]. Porque o que constrói a personalidade - desenvolve o Ser - são os golpes da vida, as criações, as dores e as reflexões. Por vezes os abandonos, as violências e as demissões. Os vitupérios e os julgamentos. Em quase todo caso é apenas a dor que nos faz evoluir.

O resultado pouco interessa. É claro que eu vou ficar muito bravo se após meses de árdua dedicação, não adquirir o título de doutor. Mas esse diploma é apenas uma chancela do mundo que lhe permite certas liberdades dentro dele - mas não além. Não vai te dizer suas reais capacidades, que foram dilatadas no percurso de criação tormentosa e intensa, sempre solitária - por vezes desesperada. 

Deve-se dar o devido peso a cada coisa. Isso se chama discernimento. O criador sabe disso. O consumidor se perde no torvelinho de novidades e sensações, sendo presa fácil e parte de um rebanho facilmente controlável. 

Ascender é duro mas é a única chance de dar significado à existência e ampliar a vida. Não podemos nos prender aos outros justamente para nos conectarmos ao verdadeiro outro - e ao nosso Eu. Ficando no plano do agradável caímos no circuito do consumo. Nem altos nem baixos. Segurança. Relações pela metade. Projetos de vida incompletos. Criações emborcadas. Uma morbidez que se torna cada vez mais insuportável com o tempo. Eu decidi: não quero isso. Não sei exatamente o que quero, mas sei que essa vida não está dentro de mim. Logo, devo sofrer e criar à medida que sofro. 

Existem pessoas que já percebem essas coisas. Mas seu medo é tão grande que se recusam a dar um passo sequer para sair do nível em que estão. Tem tudo para isso, mas o medo as paralisa. Querem se garantir - e isso deve ser respeitado. 

Mas eu acredito nessas pessoas - pois a elas falta apenas o exemplo que dá segurança cada vez maior. Uma hora chegará sua hora. Minha vida tem sido a validação constante dessas "teorias" místicas. Não é agora que vou frear.

" Pois quem quiser salvar a sua vidaperdê-la-á; mas quem perder a sua vida por amor a mim e ao evangelho, salvá-la-á."
Jesus, o Cristo.

Referências:
[1] https://medium.com/the-mission/focus-on-producing-and-creating-not-consuming-and-entertainment-4698ecb547f2
[2] https://theascent.pub/ordinary-people-focus-on-the-outcome-extraordinary-people-focus-on-the-process-6d9a0888df01?source=user_profile---------2------------------

quinta-feira, 11 de outubro de 2018

As Três Gunas: como se manifestam?

Continuo agora falando de que forma as gunas se manifestam em nosso ser - e mundo. É preciso  antes relacioná-las (gunas) com conceitos que apresento em meu curso de extensão [1]

As gunas em si - cada uma delas - podem ser vistas como a estrutura que plasma o nosso ser. Elas estão fortemente arraigadas em nossa natureza na forma do subconsciente. Conforme o o peso de cada uma delas em nosso ser, teremos certas tendências, hábitos, vícios e virtudes, que manifestamos no dia-a-dia e nas grandes escolhas da vida. Essa manifestação é o comportamento que apresentamos diante dos estímulos externos - ou contexto, em linguagem mais sistêmica. Por sua vez teremos os acontecimentos (consequências), dados pelo conjunto de reações do ambiente aos nossos atos.

A meta final: se desprender das 3 gunas. Livrar-se-á do ciclo
nascimento-morte-renascimento, integrando-se ao Sistema.
Em linguagem mais popular, entrando no Seio do Senhor
(ou Brahman, ou Alá, ou Javé,...)
É importante lembrar que vivemos num universo trifásico matéria-energia-pensamento. Logo, nosso ser é um íntegro fragmentado na forma de corpo físico (matéria), corpo astral (energia) e consciência (pensamento). De modo semelhante, nossa personalidade é composta pelas três gunas em proporções variadas - a depender do grau evolutivo de cada um. Não há pessoa 100% Sattva ou 100% Rajas ou 100% Tamas. A própria lógica da vida impede o predomínio completo de uma manifestação sobre as outras. Por que é assim?

Devemos nos lembrar que: não podemos existir sem agir, e não podemos agir sem nos orientar - nem que num grau ínfimo. Nós, seres humanos, temos em estado latente (ou não) síntese e análise. Mesmo que alguém seja um bandeirante do pensamento, há de se comunicar e atuar nesse mundo para conseguir desenvolvê-lo. Há de lidar com empecilhos materiais, emocionais e culturais. E por mais prático que outro seja, fazendo tudo com facilidade, seja trabalho manual, fala ou concretização de esquemas, ele jamais poderá prescindir de um axioma aliado a algum conjunto de conhecimentos que o permitam agir de forma automática e segura. 

No universo dual em que vivemos (S e AS), sofremos, aprendemos e evoluímos. Existe uma cisão interior (que se manifesta no exterior) que é perpétua - enquanto não houver a reabsorção do AS pelo S. Restritos ao plano evolutivo, a intuição nos parece inacessível. Saindo dos limites dimensionais através da maturação interior que plasma a substância (matéria-energia), ascendemos e começamos a sentir dimensões superiores, da qual a consciência é apenas a primeira. Além do pensamento racional-analítico existe outra forma de pensar, que se confunde com o sentir - e este, sendo elevado, se funde com a razão, dando-a um caráter diverso, que ninguém é capaz de negar no íntimo. Estamos na fronteira do concebível, martelando as paredes dos limites através da libertação do espírito, que por vezes drena os recursos do corpo violentamente.

Voltemos às gunas...

Podemos pegar uma situação comum como exemplo, e ver como elas são encaradas por cada guna. 

Imaginemos uma bela cachoeira situada numa região bem arborizada. A água escoa de forma abundante e até musical, formando uma sinergia sonora com a fauna local. Cantos dos pássaros, ar puro, sombra e sol distribuídos de forma harmônica, além de uma flora multifacetada que nos convida a respirar mais intensamente, visualizar mais pacientemente, ouvir mais delicadamente e sentir tudo.

As gunas se unem por um liame profundo
que remete à obra de Ubaldi.
Tamas não liga para nada disso. É tão insensível às coisas suaves e formas que remetem a algo, que se comporta indiferentemente. Usa o que pode ser usado para satisfazer suas necessidades - que são muito elementares e próximas - da forma mais rápida possível. Não vê efeitos nem sequer de 1ª ordem [2]

Rajas vê tudo e já começa a maquinar uma cadeia de ideias. Pensa se o local tem dono ou não. Caso não tenha, almeja explorar o local com fins comerciais. Ou percebe a possibilidade de aproveitar a  queda d'água para gerar energia, e assim vendê-la ou aproveitá-la. É prático e inquieto em suas maquinações. Tem facilidade em transformar tudo isso em bem-estar e ganhos. Percebe possíveis efeitos de 1ª ordem bem - e às vezes até de 2ª.

Sattva se encanta com a paisagem. Através dessa fascinação fica deslumbrado, e sente seu grau de inspiração aumentar. Consegue tirar uma poesia, ou contornar um problema na teoria que estava elaborando. Pode também iniciar uma nova linha de pensamento. Sua alma se tranquiliza e isso deixa-o em estado de gozo elevado e criação. 

Quando um guna é predominante em nosso ser, esse diferencial que sobrepuja os outros tende a torná-lo mestre da situação (como reagimos a Maya). Mas os outros aspectos estão lá, prontos a se manifestar, assim que o guna-condutor exaure suas forças, ocasionando num vácuo prontamente aproveitado pelos outros. Qual irá tomar o volante é uma incógnita que depende do nosso subconsciente multimilenar e nossa vontade presente.

Em termos de mecânica podemos interpretar

tamas como equilíbrio estático - no baixo nível; 
rajas como dinamismo desequilibrado - que procura atingir níveis diferentes, para cima ou para baixo;
sattva como equilíbrio dinâmico. 

Em termos de afeto podemos sentir 

tamas como satisfação dos instintos - obsessão pelos gozos imediatos; 
rajas como amor pessoal - família e mais próximos cultural, histórica, social e ideologicamente;
sattva como amor universal - todos seres são divinos, Deus está em tudo e tudo está em Deus.

Em termos de reinos da natureza podemos visualizar

tamas como vegetais e animais;
rajas como humanos;
sattva como deuses, deusas e sábios.

Por esse motivo não é bom sinal alguém que tenha fixação por gnomos e seres da natureza, usando estátuas para enfeitar seus quintais. 

Em termos de estados de consciência, podemos definir

tamas como sono profundo (ignorância);
rajas como sono com sonhos (reflexões primárias);
sattva como despertamento (um iniciado)

A Gita comentada por Rohden.
Versão curta porém profunda.
Somente quem viveu, sofreu e
despertou num certo grau será
capaz de compreendê-la - e se
encantar.
Repare que sattva não é consciência integral. Ela é o início do despertar. Rohden dá o nome de iniciados para quem tenha chegado nesse estado. A guna que capitaneia sua personalidade já é sattva

Busca-se a sabedoria. Ama-se a sabedoria. A pessoa é um filósofo - que não coincide necessariamente com professor de filosofia. Seja a pessoa mendigo, engenheiro, médico, dona de casa, estudante, pesquisador, professor, operário, estadista, administrador, militar, artista, etc, ela já acionou essa engrenagem orgânica interior de busca infindável e infinita nesse mundo limitante e finito  [3].

Na página citada no ensaio anterior existe um teste que pode ser feito para dar uma ideia de nossa posição [4]. O resultado pode ser útil para fazermos uma psicodiagnose e iniciarmos uma melhora. Não é preciso recorrer a especialistas nem traçar um plano. Apenas creio que seja suficiente vigiar (a nós mesmos!) permanentemente, observando nossas atitudes e atos diante dos outros. E sempre lendo, estudando, refletindo e - se possível - procurando aplicar as escrituras sagradas em nosso dia- a-dia, por mais miserável que ele seja.

O teste consiste de 30 perguntas com 3 alternativas cada - que remetem a uma das gunas. Minha dica é responder da forma mais honesta possível. Lembrando que qualquer coisa que não sejamos integralmente (por ex. honestidade), devemos marcar adequadamente. Nem que mil de cada 1.001 atos ou intenções nossos sejam bons num aspecto, não é integralmente bom. Cuidado...

CONSTITUIÇÃO MENTAL
Dietavegetarianaalguma carnedieta rica em carne
Drogas, álcool, estimulantesnuncaocasionalmentefrequentemente
Impressões sensoriaiscalmomoderadoperturbado
Necessidade de sonopoucamoderadamuita
Atividade sexualbaixamoderadomuita
Controle dos sentidosbommoderadofraco
Discursocalmo e pacíficoagitadomaçante
Limpezaaltamoderadabaixa
Trabalhoaltruístapor metas pessoaispreguiçoso
Raivararamenteàs vezesfrequentemente
Medoraramenteàs vezesfrequentemente
Desejopequenofrequenteexcessivo
Orgulhomodestoalgum egovaidoso
Depressãonuncaàs vezesfrequentemente
Amoruniversalpessoalcarente de amor
Comportamento violentonuncaàs vezesfrequentemente
Apego ao dinheiropoucoum poucomuito
Contentamentofrequentementeparcialmentenunca
Capacidade de perdoarfácilcom esforçoguarda rancores
Concentraçãoboamoderadapobre
Memóriaboamoderadaescassa
Força de vontadefortevariávelfraca
Veracidadesempremaior parte do temporaramente
Honestidadesempremaior parte do temporaramente
Tranquilidadegeralmenteparcialmenteraramente
Criatividadealtamoderadabaixa
Estudo espiritualdiariamenteocasionalmentenunca
Mantra, oraçãodiariamenteocasionalmentenunca
Meditaçãodiariamenteocasionalmentenunca
Servir ao próximomuitoàs vezesnenhum
totalSATTVA____RAJAS_______TAMAS_____

Fiz o teste mas me abstenho de postar aqui para não causar frisson. Trata-se de uma questão de foro íntimo. Só posso afirmar que - conforme esperado - não estou nas alturas de sábio ou santos. Mas começo a colocar o pé (bem de leve) nas ilhas da harmonia e integração.

O assunto é inesgotável e recomendo que busquem ler artigos - muito mais extensos e aprofundados que este aqui. Mas o melhor de tudo é fazer o estudo da Bhagavad Gita, explicada de forma cristalina e simples pelo Professor Huberto Rohden.

A sabedoria humana é a vivência divina. 
Portanto, se você já vive divinamente, não se preocupe - já és sábio.

Referências:
[1] Iniciação à Ciência de Sistemas (ICS)
[2] https://jamesstuber.com/second-order-effects/
[3] http://leonardoleiteoliva.blogspot.com/2015/07/busca-infinita-num-mundo-finito.html
[4] http://leilagusmao.com.br/sattva-rajas-tamas/