À medida que as experiências da vida se repetem e avolumam, o ser consciente vai sofrendo e - ao mesmo tempo - reordenando sua forma de perceber as coisas. Novas ideias vão surgindo. Os impulsos que viabilizam a criação de novos projetos, eventos e iniciativas se dão de forma mais pronunciada e intensa. Essas assimilações vão sendo trabalhadas de forma muito diferente no consciente dessa criatura, que se recusa a recorrer às reações convencionais e "soluções" que o mundo apresenta. Trata-se de desenvolver a sensibilidade psíquico-nervosa e deixar de lado a ânsia por buscar uma atuação eficaz, que agrade o mundo e permita uma socialização agradável a todos.
O desprezo humano não tem limites. Assim como a falta de sensibilidade. As pessoas tendem a construir uma visão de mundo e das pessoas baseada naquilo que mais esteja em ressonância com seus instintos (subconsciente). O que mais os atinge na superfície é o que irá conduzir a vida dessas pessoas. Imensa maioria da humanidade. Movida por sensações e barulhos. Por lógicas restritas, simples e práticas. Capazes de serem assimiladas sem um esforço mental. Sem a necessidade de passar por uma contemplação. Sem a necessidade (árdua) de passar por uma experiência desagradável para perceber melhor como funciona de fato a realidade.
O olhar do ser consciente possui uma potência indescritível, capaz de silenciar canhões e difamações. Photo by Alexandru Zdrobău on Unsplash |
O autor vive num mundo muito estranho à sua natureza íntima. Quando começa a desenvolver suas ideias se vê sozinho, sem auxílio. Seus projetos de materializar planos que estão em sua mente encontram pouca recepção. Deve fazer tudo por conta própria. Deve criar o seu mundo. Isso vêm ocorrendo de forma progressiva e orientada. A vontade de se libertar das superfluidades do ambiente é tão intensa que acaba-se forjando textos, cursos, projetos e planos para o futuro, de modo a criar um ambiente que lhe seja propício. Um ambiente em que seja livre para discorrer sobre os assuntos que lhe são mais caros. Para viver de acordo com outras leis. Isso lhe permite continuar vivendo nesse inferno terrestre, onde o semelhante pouquíssimo se interessa por grandes delineamentos, por análises profundas e em expor sua intenção. Piadas predominam. Conversas sérias e sinceras são como a biodiversidade: diminuem. Talvez em alguns locais hajam bolsões em que esteja despertando uma consciência de profundidade capaz de dar alguma esperança àqueles que se encontram isolados. Mas o fato é: quanto mais alguém se aprofunda no fenômeno da vida, da evolução e da vivência, mais deve caminhar por conta própria - ninguém se encontra em seu plano para compreendê-lo. Nesse momento observo uma das frases de Ubaldi que tenho colada à minha parede:
"Aquele que se lança através de certos caminhos deve perder o apoio da compreensão humana. Deve, num certo ponto de seu caminho, encontrar-se só, porque ninguém está em seu plano."
Ascese Mística - Pietro Ubaldi
No espaço público tem-se pouca oportunidade de encontrar bolsões de reflexão (teoria) e vivência (prática). O que mais interessa não são as práticas com objetos, mas viver na pele teorias do universo moral e espiritual. O laboratório da vida é aquele que mais oferece possibilidades de aprendizado. Isso foi o que Ubaldi confirmou e transcreveu - e o que o autor está percebendo.
Ontem foi um dia em que houve a possibilidade de viver um pouco mais abertamente durante a aula. Um diálogo muito interessante com um aluno surgiu. Partindo da automação e digitalização, alçou-se voo para questões muito além, traçando implicações e possibilidades. Os colegas, ao redor, olhavam e achavam engraçado tudo aquilo.
Quando um ser tem em seu íntimo uma vontade ardente de resolver os problemas fundamentais da vida, e manifesta isso de forma enérgica e criativa quando pode, com outro, o mundo tende a se ater à forma e deixar de lado o conteúdo. A intensidade da fala, o tom, os vocábulos, a empolgação, a vontade irresistível de desdobrar linhas de pensamento e esboçar possibilidades de vida acabam sendo filtrados pela mente do involuído. Resta apenas um ser esquisito, estranho e engraçado até. Alguns classificariam como imbecil. Enquanto isso temos um mundo em que a temperatura média global deve atingir algo em torno de 2ºC acima da original (1850); com a maior concentração de renda da história (ver relatórios da Oxfam); com perda de biodiversidade alarmante; em que muitos não tem perspectiva, cultura ou alimento. Um mundo com menos acesso à medicina de qualidade e menor vontade de estudar e investigar a realidade profunda que nos governa.
A Física quântica aponta para a imortalidade da consciência, tornando-a causa do organismo físico; a Astronomia retoma os vocábulos dos criacionistas; a Inteligência Artificial aponta para uma reorganização social e clama pela necessidade da ética e da filosofia; os relacionamentos líquidos (alguns gasosos) demoram para criar novos estilos de relacionamentos sólidos; as religiões se combatem e ainda não percebem o fio condutor que pode irmaná-las todas; a mídia e as tecnologias serviram muito mais à alienação do que ao avanço do ser. Há tantas coisas tão interessantes que não são abordadas com a devida paixão e seriedade, que aquele que já percebeu o telefinalismo só pode caminhar por conta e emitir vibrações através de sua atitude e dedicação.
Não se trata de ter repugnância nem senso de arrogância. Trata-se de não encontrar ressonância. Isso abala aqueles que tem em seu imo um desejo irresistível de se unir à consciência de seu irmão, em profundidade, forjando novas formas de vida e traçando novas estradas. O outro deseja interagir como qualquer um. Mas a sua interação é de superfície. De sensações. De piadas. Com prazeres efêmeros - sem esforços exigentes. Não é uma interação de profundidade, que visa desgastar a vida exterior para criar-se uma nova vida interior. Cansa-se, mas com um sentido animador. Atrita-se, mas com uma finalidade superior. Ousa-se, mas com uma orientação inteligente. É uma interação que incomoda o mundo. Interação investigativa, crítica, apaixonada, destemida. Uma forma de intercambiar experiências baseada em avanços pronunciados rumo à compreensão do fenômeno evolutivo.
À medida que se retoma conceitos antigos e se repetem experiências, sempre há algo de diferente. O autor se lança, aos poucos, na experiência de ensinar assuntos diferentes, para públicos distintos, em épocas de mudança. Sua forma de falar evolui e sua sinceridade á cada vez mais natural e destemida. Sofre, mas sente uma conquista que não pode descrever. Olha para o lado e seus colegas possuem uma vida relativamente tranquila - que inveja! muitos diriam. E abandonariam o método da psicologia de profundidade. Mas nessa tranquilidade jaz uma coisa mórbida. Algo que trava o ser, mantendo sua mente fechada a novas ideias e num ciclo de experiências que se repetem além da conta. Hábitos que se enraizaram. Conservadorismo excessivo. Estabilidade num nível baixo. Essa forma de viver é muito limitada para quem deseja transcender o mundo. Para solucionar as questões fundamentais há de se livrar dos métodos do mundo - recusar os prazeres e aceitar o desprezo do mesmo, que não compreendendo essa busca decida jogar o ser ao lado, ignorando-o e desprezando-o quando chegam os momentos das piadas.
Há um quê de belo num sofrimento imbuído de significado. Há uma pitada de eternidade naqueles que persistem sem pensar na sua reputação. A única regra é não violar direitos humanos. Um salto de fé implica em não medir consequências para se comprovar uma verdade que está se remexendo no íntimo. Usar a vida para perceber a realidade da Lei de Deus.
Um novo curso vêm à mente. Dessa vez irá ocorrer um avanço mais ousado, no terreno do monismo. Torná-lo oficial de forma a repassar às pessoas uma nova visão de Deus e do Universo. Paralelamente um convite para organizar um evento relacionado à arte que o ser mais gosta: o cinema. A mente fervilha de ideias. Os dedos não conseguem se conter, transcrevendo as visões que se projetam em horas de desespero e incompreensão.
O mundo, ao ignorar, dá novas ideias. Corretamente interpretado, o autor percebe que as reações mundanas são um aviso para ele, de fato, cuidar de sua vida. Só que essa "vida" é uma vida universal, presente em todas criaturas e que embala todos os fenômenos rumo a uma meta suprema: o Sistema (S), ou Reino de Deus.
Assim, o meio serve como um termômetro que avisa que não deseja ser incomodado com questões de profundidade. A superfície é mais visível, barulhenta e prazerosa.
Existe a possibilidade de se estar errado. Mas todas reações, por mais brutais e insensíveis que possam parecer, escondem em si um olhar de admiração profunda, que ninguém consegue descrever ou admitir. Alguns jamais irão fazê-lo, mas quando se olha à fundo no íntimo...nessas janelas da alma (olhos), frente à frente, sem medo, vendo a essência do outro...percebe-se que o seu caminho é rumo à ascensão. De forma mais pronunciada - e por isso mais sofrido, demandando um maior estofo espiritual. Sobre essa capacidade de olhar a essência dos outros (o poder do olhar) e paralisar as forças do ego, essa cena de Ben-Hur pode dar uma ideia sobre o que se trata:
Cristo teve uma vivência tão profunda que apenas agora estamos compreendendo do que realmente se trata. Enquanto não percebermos essas coisas e suas infinitas derivações, de nada adiantará continuar com as piadas e os artifícios: a evolução se dará dolorosamente. A escolha é nossa - assim como o esforço.
Quem vence a si mesmo é quem mais falha - porque se lança sem medo ao desafio da evolução.
Abrir-se à possibilidade do engano é a maior força que alguém pode ter. São as constantes reconstruções decorrentes da vivência que regeneram a divindade perdida da criatura.
Vencer o mundo é superá-lo em suas dimensões. Cada vez mais me convenço disso.
A consciência de profundidade só estará tranquila quando as outras (de superfície) alcançarem-na. Retroceder jamais é uma opção. Deve-se persistir no caminho ascensional, cumprindo o dever de mostrar aos outros o que existe além e aquém da restrita superfície. Quem viveu o fenômeno do milagre não pode abandonar sua busca.
Busca infinita num mundo finito...
A consciência de profundidade só estará tranquila quando as outras (de superfície) alcançarem-na. Retroceder jamais é uma opção. Deve-se persistir no caminho ascensional, cumprindo o dever de mostrar aos outros o que existe além e aquém da restrita superfície. Quem viveu o fenômeno do milagre não pode abandonar sua busca.
Busca infinita num mundo finito...
Nenhum comentário:
Postar um comentário