O último filme do diretor Florian Henckel Von Donnersmarck, "Nunca deixe de lembrar" (Werk ohne Autor) [1], comprova que estamos diante de um verdadeiro cineasta, que ainda poderá nos brindar com muitos filmes profundos, que abordem o aspecto intuitivo, humano e evolutivo das pessoas. Tudo a partir de um determinado contexto histórico, com personagens próximos a nós espectadores. Que compartilham os mesmos anseios e dramas, expectativas e asperezas, glórias e derrotas, que nós, pessoas comuns - mas com um olhar profundo sobre o significado dos acontecimentos, seus desdobramentos e possibilidades.
Não se pode assistir a um filme cuja proposta seja explicitar características humanas do subconsciente e superconsciente com um olhar calcado na racionalidade. É necessário sentir de uma forma orientada o que está sendo passado através de cenas, gestos, olhares, música e - acima de tudo - desencadear de eventos. Aparentemente desconexos. Sutilmente orquestrados. Sublimemente organizados.
Não se pode assistir a um filme cuja proposta seja explicitar características humanas do subconsciente e superconsciente com um olhar calcado na racionalidade. É necessário sentir de uma forma orientada o que está sendo passado através de cenas, gestos, olhares, música e - acima de tudo - desencadear de eventos. Aparentemente desconexos. Sutilmente orquestrados. Sublimemente organizados.
Kurt e sua tia, que levou o sobrinho para visitar um museu de arte. Almas desde o início em ressonância. |
Do outro lado temos um rapaz que possui aptidões para a arte. Será um pintor. Seu foco é mais na vida do que nos esquemas. Possui uma visão mais intuitiva. É impregnado de sensibilidade. Sua tia lhe serviu de inspiração. Mulher aparentemente sem juízo, com uma percepção diferente. O pai (do menino), médico que não é capaz de encontrar emprego por não se filiar ao partido (nazista), acaba num último momento por aderir ao regime. Mas logo a Alemanha é derrotada e todos que estavam inscritos acabam sendo excluídos do mercado de trabalho...
O professor de arte, durante uma aula, manifestando sua visão da política. |
O médico tem uma filha. A tia do menino é considerada louca, e por isso é deixada infértil. O nazismo tinha como meta criar uma raça de seres humanos "puros", não admitindo qualquer tipo de possível deformidade mental ou física (a espiritual não contava...). Quem chancela o processo é o médico. Mas o incisivo ato não basta: deve-se eliminar gente desse tipo. Os doentes, segundo a ideologia corrente, eram uma despesa para a sociedade, que nada teria em troca. Assim o menino fica afastado de sua tia pelo resto da vida.
O rapaz cresce e se torna jovem. Decide cursar faculdade de arte. Sua especialidade será a pintura. O país está se recuperando da guerra. Seu pai não encontra emprego por ter se filiado (de última hora) ao partido. Só lhe oferecem empregos de pouca qualificação. O homem não resiste e rouba a própria vida.
Kurt (o jovem pintor) se enamora de Elie Seeband, filha do médico que viabilizou o processo de eliminação de sua tia "doente". Esse médico, Prof. Carl Seeband (que exige ser chamado pelo título de professor), é frio, metódico, adaptável a diferentes regimes (nazismo, comunismo soviético, liberalismo,...), sem um norte moral. Apenas quer exercer sua prática médica e viver de acordo com sua mentalidade. E isso implica em tentar separar sua filha de um artista - que seria alguém indigno de passar os genes para gerações seguintes.
A gênese das verdadeiras criações ocorrem num plano inacessível à mentalidade comum. É preciso entrar em sintonia com regiões ignotas - a partir de sentimentos profundos, sinceros - e encontrar um meio de transmiti-las. Saber interpretar os acontecimentos da vida ajuda. Pode demorar um pouco. Pode necessitar do estímulo de um bom professor (da escola de arte). Alguém cuja vida também foi impactada por uma experiência profunda. Elementos catalisadores. Nada mais. Coisas que acontecem "por acaso" e viabilizam o cumprimento de um destino.
A arte de Kurt revela o que aconteceu no íntimo. Quem ele é está impresso nos quadros, cuja forma aponta para um passado rico de experiências. |
Werk ohne Autor significa "obra sem autor". Que obra? A arte do jovem Kurt? Os quadros que o projetaram mundo afora? Ou o fato de ter conseguido ter um filho com Elie, mesmo após o pai ter feito uma cirurgia na filha visando inviabilizar sua reprodução? Ou o terrível extermínio de pessoas que não cumpriam com os requisitos do III Reich? Uma obra sem autor porque ninguém quer assumir responsabilidade (apesar de alguns concordarem e muitos assentirem...).
Talvez a obra sem autor seja a magnífica história, com seus personagens ímpares, representando a batalha multimilenar entre os aspectos da positividade (um ideal que sofre para se realizar) e da negatividade (um real que não quer evoluir). Uma batalha encarnada em personagens comuns, de nosso mundo, que viveram épocas de grande tensão - e através dos choques e eventos despertaram sua natureza íntima.
A obra pode ser uma realização viabilizada por forças desconhecidas. Intangíveis em termos sensórios. Inconcebíveis para a razão. Porém reais e inexoráveis em seus efeitos concretos.
Links:Talvez a obra sem autor seja a magnífica história, com seus personagens ímpares, representando a batalha multimilenar entre os aspectos da positividade (um ideal que sofre para se realizar) e da negatividade (um real que não quer evoluir). Uma batalha encarnada em personagens comuns, de nosso mundo, que viveram épocas de grande tensão - e através dos choques e eventos despertaram sua natureza íntima.
A obra pode ser uma realização viabilizada por forças desconhecidas. Intangíveis em termos sensórios. Inconcebíveis para a razão. Porém reais e inexoráveis em seus efeitos concretos.
[1] https://www.youtube.com/watch?v=LPEK3Y0cfVU
[2] https://www.youtube.com/watch?v=spdO_XPD58M
[3] http://dalenogare.com/2019/02/werk-ohne-autor-nunca-deixe-de-lembrar-2018/
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