quarta-feira, 26 de junho de 2019

O Retorno do Impossível

Minha vida sempre esteve focada em duas questões: reforma íntima e transformação coletiva. Mas a dualidade que impera no Anti-Sistema (AS), isto é, neste universo, sempre me deixou em conflito interno: ou uma, ou outra. Querer um dos pólos implicava em abdicar do outro - inclusive tornar-se inimigo do mesmo. Era o que o mundo aparentemente afirmava, de modo indireto na maioria das vezes.

Esse dilema só seria resolvido quando me encontro com o monismo de Pietro Ubaldi. 

Por que o (monismo) "dele" e não o de outro? 

Como se sabe, a doutrina da unidade, que vê a diversidade caminhando para a unidade - e a unidade se manifestando em diversidades - é tão antiga quanto a civilização. Akenáton [1], o Faraó monista, já tinha essa visão. Orígenes [2], o grande pensador cristão, já se dava conta de que tudo tenderia a voltar a Deus: O AS seria reabsorvido pelo S. Isso implica na redenção de tudo e todos que existem, inclusive satanás. Pois a Obra de Deus deve ter a vitória final, sem a qual Deus não seria Senhor absoluto de tudo. Espinoza foi o último dos maiores pensadores monistas de todos os tempos (considerando que Ubaldi ainda não é reconhecido como tal):

"Para Espinoza, substância não possui causa fora de si, ela é causa de si mesma, ou seja, uma causa sui. Ela é singular a ponto de não poder ser concebida por outra coisa que não ela mesma. Por ser causa de si, a substância é totalmente independente, livre de qualquer outra coisa, pois sua existência basta-se em si mesma. Ou seja, a substância, para que o entendimento possa formar seu conceito, não precisa do conceito de outra coisa. A substância é absolutamente infinita, pois se não o fosse, precisaria ser limitada por outra substância da mesma natureza." [3]
(grifos meus)

E desse grande portador da chama da doutrina da unidade, chegamos ao místico da Umbria, que definiu, sistematizou e exemplificou de forma ímpar esse nível de consciência unitário.

A compreensão da vida envolve muito mais do que estudo formal.
Ela abraça a dimensão da experiência e afloração do sentimento -
que aliado à cognição possibilita a ascensão.
Photo by William Christen on Unsplash
Lendo seus livros começa-se o contato. Estudando compreende-se as relações. E sentindo a força das suas palavras, tem-se a visão clara do fenômeno evolutivo, da queda e da salvação das criaturas decaídas (nós e tudo que existe). Para compreender a Obra é preciso ter sofrido e compreendido o significado da dor. É preciso ter sentido o infinito se manifestar através dos finitos (milagre), de uma forma delicada e sutil, porém com resultados concretos e precisão cirúrgica. Assim pude começar a relacionar as contradições que vinham atormentando a minha vida - desde os vinte anos. 

No livro Cristo muito se fala a respeito da Justiça Social do Evangelho. Último livro do apóstolo de Cristo - ditado por ele à sua filha - a conclusão nos leva a perceber a necessidade urgente de aplicarmos em grau mínimo os princípios de justiça social do Cristo. Não é possível ignorar o fato de que elevar o grau de bem-estar de todos (em seu sentido mais abrangente) implica na aquisição de uma consciência de coletividade que perceba que existem limites materiais além dos quais devemos vislumbrar outros planos de existência, pautados por valores mais altos, visando conquistas mais abstratas, intangíveis, no campo da sensibilidade psíquico-nervosa.  

“Cada um de vós que não renunciar a tudo o que possui, não pode ser meu discípulo” 
(Jesus Cristo)

É claro que isso não significa tornarmo-nos paupérrimos, sendo privados de alimento, moradia, roupas, transporte, saúde, educação, cultura e outros meios para desenvolvermos nossas potencialidades. Renunciar a tudo significa não ter a quantidade como centro de preocupação da vida. Significa usar as coisas do mundo como meios para outras coisas, mais elevadas - sejam essas coisas habilidades sociais/comunicativas, conhecimentos, ferramentas, métodos, títulos, dinheiro, poder, posição social, fama ou atributos físicos. 

“Não acumuleis tesouros na terra, onde a ferrugem e o caruncho os consomem e os ladrões os desenterram e os roubam; mas, pelo contrário, acumulai tesouros no Céu”
(Jesus Cristo)

Eu traduziria isso como: "Não deposite confiança nas coisas perecíveis, tornando-os fins supremos de vossa vida. Eles irão findar cedo ou tarde - e trair-te se te apegares demasiadamente a cada um deles."

Cristo lançou as bases do monismo. A forma mental
humana interpretou seus ensinamentos da forma que
pôde. Tivemos de continuar no monoteísmo, que
ainda é dualista. Mas isso será superado.
É preciso perceber as palavras do Evangelho considerando a evolução da mente, o refinamento da sensibilidade e as conquistas da civilização:

"Mas é necessário compreender que, nos tempos de Cristo, a estrutura social era muito mais simples, de modo que estas aproximações entre extremos tão afastados, ligando religião com distribuição e administração da riqueza, eram mais fáceis. Hoje, estes dois extremos estão por demais sujeitos, cada um a uma sua técnica específica, para que se possam misturar. Os dois campos se tocam, mas não se podem sobrepor e confundir. Levando isso em conta, o Evangelho há de ser entendido, e não tomado ao pé da letra, dado que hoje os problemas tratados por ele no campo econômico apresentam-se numa forma definida com mais exatidão e caracterizados por uma complexidade então desconhecida."
Cristo - Pietro Ubaldi (grifos meus)

Essas observações muito bem colocadas nos remetem à questão dos sistemas político-econômicos. O primeiro ponto é que não podemos divorciar economia de política, pois existe uma relação fundamental entre essas duas ciências humanas - e suas práticas. 

Qualquer um hoje em dia percebe que o poder econômico, em sua forma financeira, controla o sistema político. As decisões dos governos - sejam de esquerda ou direita - são limitadas por normas de austeridade. Reformas são conduzidas pensando-se em balancear a contabilidade. A saúde, a educação, a cultura, a biodiversidade, a qualidade dos alimentos e das relações humanas ficam em segundo plano. Porque foi nos inculcado na mente - via grande meios de comunicação - de que resolver a questão financeira levará a solução de todos outros problemas. Esse é o mantra neoliberal, que atualmente domina o mundo e corrói relações. 

Cada vez mais pessoas percebem a natureza do capitalismo [4]: crescer indefinidamente, cada vez mais, usando artifícios cada vez mais sofisticados. Esse sistema pode ter sido bom para dar um impulso inicial no desenvolvimento do bem-estar geral, através da aplicação da ciência e dando uma relativa liberdade. Relativa porque apenas limitada às possibilidades de aumentar a circulação de bens e mercadorias. Não à toa os ingleses defendiam o fim da escravidão: ela atrapalhava o comércio de seus produtos manufaturados:

"Para conclusão de seu projeto de industrialização a modificação das relações de trabalho e de mercado consumidor eram essenciais. Assim, dava-se maior importância à ampliação de mercados e da produtividade. O trabalho escravo e o monopólio – práticas comuns da exploração colonial – pareciam ultrapassados ao novo modelo, fomentado a partir da industrialização." [5] 

Todo progresso humano se deu por interesses econômicos. Até um ponto não há problema nisso - é nossa natureza atual. Mas estamos num período de inflexão: esses interesses econômicos (financeirizados) adquiriram proporções dantescas. A quantidade de produtos químicos, a potência de destruição veicular e de armas, o mau uso de quantidades enormes de informação, entre outras modernidades, tem o poder de causar mal tremendo em escala, que pode se propagar por gerações e comprometer formas de vida e alterar o clima de forma drástica. Hoje compromete-se muito mais o futuro do que no passado.

(o vídeo acima mostra como a perfeição 
existe em meio a tanta complexidade. 
dá para ter uma vaga ideia do que é o S (Sistema),
descrito por Ubaldi em seus livros)

A degradação do meio ambiente e a desigualdade social são incompatíveis com o nível de desenvolvimento almejado pela ONU [6]. A população é grande e é bombardeada com informações que a fazem desejar um padrão de vida incompatível com os limites planetários. A Pegada Ecológica está em 1,5. Ou seja, hoje consumimos 50% a mais (anualmente) do que a Terra pode gerar no mesmo período. Esse índice é superior a 1 desde a década de 70 [7]. Se soubermos mensurar os estoques de cada item (dos seis que compõem a pegada), teremos uma ideia de quando chegaremos ao limite. O recurso limitante são os combustíveis fósseis, base de nosso sistema econômico e modo de vida. 

Os problemas centrais de nossa civilização se resumem à questão ambiental e social.

Quanto ao meio ambiente, temos os problemas de aquecimento global, biodiversidade, uso de terras, redução de áreas de florestas, acidificação dos oceanos, degradação da camada de ozônio e fontes energéticas não-renováveis. Todos esses vetores se relacionam, direta ou indiretamente. 

No âmbito social os maiores problemas estão na esfera redistributiva (tributação). Ela se relaciona direta ou indiretamente às políticas de gastos sociais e de infraestrutura. Esses investimentos aumentam a eficiência do sistema econômico, que fornecendo subsídios à saúde, educação, transporte e segurança,dá às famílias a oportunidade de consumir outros bens como alimento, cultura e viagens. Esses princípios são, à fundo socialistas. Os recursos fundamentas à vida tem acesso facilitado (saúde, educação, moradia, segurança, transporte, previdência, etc.) ao passo que bens de consumo são disponibilizados ao setor privado, que pode dentro de limites - que consideram o bem-estar geral, a longo prazo, do planeta e da humanidade - comercializá-los:


"In a true democratic socialist economic system, consumer goods such as clothing, food, perfume, and jewelry remain in the private sector, while capital goods and basic raw materials are owned, at least in part, by public interest." [9]

("Num sistema econômico verdadeiramente socialista, bens de consumo como vestimenta, alimento, perfumaria e jóias permanecem no âmbito do setor privado, ao passo que bens de capital e matéria prima ficam na esfera, pelo menos em boa parte, da esfera pública.")

Sobre bens de consumo e bens de capital (ou industriais), segue link explicativo:
https://www.investopedia.com/ask/answers/050415/how-are-industrial-goods-different-consumer-goods.asp

Eu venho adquirindo o hábito de fazer afirmações cada vez mais cuidadosas sobre certas coisas. A verdade é que não sabemos exatamente sobre nada. Não sabemos o que é matéria nem o que é espírito - tente defini-los à fundo e você verá que estamos longe da última realidade. Da mesma forma, na política, estamos muito longe de compreender a natureza de diversos sistemas político-econômicos tais como o capitalismo e o socialismo. É preciso ir à raíz dos termos. Saber sua definição precisa, o contexto histórico em que as teorias surgiram (o porquê) e os motivos que levam tanta gente a adorar ou abominar determinadas palavras e ideias. Sendo assim recomendo ao leitor uma pesquisa refinada sobre palavras como conservadorismo, liberalismo, capitalismo, socialismo, comunismo, fascismo, entre muitos outros.

A Doutora em Economia Política Sabrina Fernandes, em um de seus vídeos no canal Tese Onze, está formando um glossário de palavras relacionadas à sua área de atuação. Sendo assim podemos compreender melhor o que é o socialismo - e se de fato ele existiu nesses termos em nossa História.


Acredito que a relação entre: (a) consumo conspícuo; (b) consumo; (c) classe e; (d) socialismo também deve ser esclarecida - e aí recorro também à especialista no tema: 



O conceito de propriedade também é importante. Ubaldi nos diz exaustivamente em sua Obra que no nível humano atual é preciso haver o direito à propriedade. Mas ao mesmo tempo ele esclarece que essa propriedade deve ter função social. Se ela não cumpre essa função, está em descompasso com as forças da vida e a tendência é que ela saia das mãos daquele que não cumpre sua função.

O que é função social?

Todos que possuem uma casa e a utilizam para desenvolver sua vida, se alimentando, cozinhando, estudando, cuidando da higiene, dormindo, fazendo seus trabalhos, convivendo, adquirindo cultura, se divertindo, etc. está garantindo que sua propriedade cumpra essa função.

Se alguém possui muito dinheiro e é dono de uma grande fábrica, e com todo dinheiro das vendas ele: remunera seus funcionários de forma justa, cuida da manutenção, investe em pesquisa e nas pessoas, distribui os lucros de forma justa, produz algo útil ao bem-estar das pessoas sem atropelas princípios ecológicos, entre outros detalhes, essa pessoa garante que sua propriedade exerce função social.

Como se vê, é possível possuir muito e ser merecedor desse muito. Mas não podemos fazer mau uso dos recursos. Eles devem, de alguma forma, servir ao progresso da civilização, seja na forma de empregos dignos, salários satisfatórios, investimentos (sociais, infraestrutura ou pesquisa) ou caridade.

Guilherme Boulos nos dá uma ideia do que é de fato um movimento social. Na entrevista abaixo (de mais de 1 hora) temos a oportunidade de ver como é por dentro um acampamento do MTST, e porque esse tipo de associação existe.


(aqui podemos ter a oportunidade de compreender melhor
a realidade de quem não tem teto. muitas desmistificações.)

O problema ocorre quando a propriedade não cumpre essa função. A partir daí vemos a ineficiência, o egoísmo em ação. Propriedades que nada produzem. Não ocupadas por ninguém. Ou que servem a interesses que drenam a capacidade econômica de uma comunidade, nada produzindo de bens e serviços - e servindo de intermediários de operações financeiras, com altas taxas de juros (existem vários tipos, como de comércio, cheque especial, cartão de crédito, etc.). Esse tipo de propriedade não serve à sociedade e portanto está prejudicando-a. Os movimentos sociais como o MST e o MTST ocupam propriedades improdutivas e ilegais, que não cumprem função social.

Esse conceitos devem ser trabalhados nas mentes. Julgamos sem conhecimento de causa. 

Nos apoiamos no que mais é dito e mais é cômodo acreditar, e assim o ser humano serve de ferramenta do diabo.

Nesse aspecto começamos a perceber a relação entre Justiça Social e os ensinamentos de Cristo.

“Trust none of what you hear, some of what you read, and half of what you see.”  
—  Nassim Taleb
("Não confie no que você ouve, confie um pouco no que você lê, confie em metade do que você lê ")

Tudo está sujeito a desenvolvimentos. Este texto aqui inclusive! O próprio Ubaldi, que trouxe a visão mais abrangente, profunda e detalhada da fenomenologia evolutiva, da dor, de nossa origem e nosso fim, abraçando todas formas de saber e manifestação para se exprimir, disse que ainda restam paradoxos a serem explicados, e devem surgir seres que irão absorver todas essas teorias, compreendê-las e ir além.

Estamos muito longes de compreender a Realidade - a Física quântica e a Cosmologia nos mostram isso a cada dia.

É por isso que devemos manter a mente aberta a muitas ideias e rever com cuidado a História - sujeita a muitas interpretações.

Referências
[1] http://leonardoleiteoliva.blogspot.com/2017/11/o-farao-monista.html
[2] https://pt.wikipedia.org/wiki/Or%C3%ADgenes
[3] https://pt.wikipedia.org/wiki/Baruch_Espinoza
[4] https://www.monbiot.com/2019/04/30/the-problem-is-capitalism/
[5] https://www.infoescola.com/historia/abolicao-da-escravidao-pela-inglaterra/
[6] https://www.google.com/search?q=metas+da+ONU&oq=metas+da+ONU&aqs=chrome..69i57j0l5.2020j0j7&sourceid=chrome&ie=UTF-8
[7] https://www.google.com/search?q=pegada+ecol%C3%B3gica&oq=pegada+ecol%C3%B3gica&aqs=chrome..69i57j69i60l2j69i61l2.2214j0j4&sourceid=chrome&ie=UTF-8
[8] https://www.theverge.com/2019/3/10/18258134/alexandria-ocasio-cortez-automation-sxsw-2019
[9] https://medium.com/utopiapress/the-end-of-capitalism-7f791f44bce1

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