quinta-feira, 22 de agosto de 2019

Renascença do ideal

O ideal jamais perece. Porque ele não pertence ao plano da consciência, da matéria e da energia. O ideal é uma emanação do espírito. É imortal, belo e incompreensível à mente humana. É uno, e portanto coerente. Ele embala as  ideias revolucionárias que impulsionam vetores evolutivos: ciência, fé, arte, organização social, instituições, pensamento, afetividade, tecnologias, indústria, comunicação,...Dá tom ao ritmo de transformação de um período, caracterizando uma época.

Só se percebe a importância de certos indivíduos/atos após sua passagem/conclusão por este mundo. No momento da gênese das coisas mais incríveis, que se desenvolvem de acordo com planos predeterminados, ninguém percebe o que nasceu. Os desenvolvimentos são igualmente relegados à escuridão das percepções humanas. Pobres percepções, que só são acionadas com barulhos inquietantes, piadas repetitivas, ruidosas e cansativas. Percepções grosseiras que apontam para a constituição psíquico-nervosa do biótipo predominante. Mas é esse tipo que faz a verdade. Porque no plano do intelecto (consciência de superfície), a mente é refém dos instintos, sejam eles mais ou menos virtuosos. 

 É melhor ter um bom ego do que um mau ego. Mas continua sendo um ego. O problema é não perceber que nos momentos críticos a evolução se dá na vertical. Essa vertical é a quebra de paradigmas. A superação através de uma dor profunda (vivência), que revela que aquele método...um certo modo de agir ou conjunto de modos...não levará o ser que deseja realmente criar algo novo a lugar algum. Não levará àquele "local" especial, desejado, vislumbrado em sonhos e esboçado em ensaios idealistas com uso de ferramentas do presente. 

A memória do passado deve estar além da interpretação unidimensional. A teoria das probabilidades nos leva a conclusões equivocadas. Pietro Ubaldi discorre sobre isso de forma magistral em sua Obra:

"A história jamais caminhou uniformemente, mas sempre por ações e reações, por impulsos e contrachoques, progredindo no tempo não como um rio canalizado em margens feitas pelo homem, mas como um curso d’água que, deixado livremente vagar pela planície, por ela serpenteia da maneira que o seu dinamismo lhe permite. Este processo de ação e reação contraria o que presume o cálculo das probabilidades, de modo que amanhã pode suceder o contrário de hoje. Essa é a lei da vida, que não está baseada na continuação indefinida de estados idênticos e constantes, mas sim na compensação de contrários e no seu equilíbrio. Sabemos que a oscilação entre contrários, isto é, entre um extremo positivo e um extremo negativo, em que cada fenômeno se inverte no seu oposto, é a base da luta, da evolução e da própria percepção."

Ascensões Humanas (Cap. XV: O atual momento histórico)
(grifos meus)

O que ocorre? Qual o fenômeno que não captamos adequadamente com a mente, atrasando assim a sedimentação de uma grande verdade em nosso subconsciente?

A lei da compensação (ou do equilíbrio) estabelece uma oscilação entre diversas dualidades, não-linear, que é compensada de maneira exata no desdobrar do tempo. Essa lei é a base da luta, que não apenas caracteriza a ascensão humana, mas igualmente a busca pela evolução orgânica, das espécies, das galáxias e dos elementos subatômicos. Das formas de energia e das ideias. É uma lei que vem enquadrar a teoria da probabilidade numa ordem mais vasta, que lhe dê sentido, carreando fileiras de criaturas desesperadas num turbilhão evolutivo. Esse turbilhão será ordenado e conduzido pelas ferramentas mais aptas em assimilar o fenômeno e forjar os meios terrenos para a consolidação de novas formas. É um trabalho titânico em seu momento genético e de desenvolvimento. Comumente o condutor perece de exaustão e incompreensão no meio do caminho - para outro continuar o trabalho de forma mais potente. E tempos depois reconhece-se seu valor inestimável. E vem as formas primitivas de reconhecimento, que consistem em erguer estandartes do gênio, santo, místico ou herói morto, para criaturas exercerem seus egoísmos através de rituais. Mas dessa forma alguma coisa se assimila do ideal. 

 Se a probabilidade de um evento ocorrer é considerada baixa, essa conclusão se dá porque diversos acontecimentos pretéritos comprovam a ideia de que certas coisas nunca ocorreram em determinadas condições. Quantas vezes não ouve-se o outro dizer, com segurança paleolítica, frases como "Isso nunca irá ocorrer. A História demonstra isso." Mas esse não é o ponto. Aliás, é apenas um aspecto do fenômeno. 

A vida surge assim que o planeta estabelece as condições propícias: proporção de dióxido de carbono, gás metano, oxigênio, nitrogênio, pressão, temperatura, correntes e ciclos, estruturas geológicas, entre outras. 3,8 bilhões de anos atrás isso ocorreu. Assim que esse globo incandescente se resfria, a água se faz em meio a um regime multimilenar de chuvas torrenciais que vão resfriando a superfície, e as concentrações de nutrientes na água atingem uma proporção estequiométrica que é capaz de "chamar" no campo do pensamento puro a gênese (manifestação) de formas de vida já adequadas à quele ambiente. Pobre para nós. Mas ideal para os primeiros seres (considerados) vivos que habitaram - e ainda habitam - esse planeta. 

Para compreender esse fenômeno é preciso expandir o conceito de 'vida'. Pois a vida (orgânica) só pode surgir de uma outra forma rudimentar de vida - mesmo que não a denominemos como tal. É preciso estender o conceito de 'vida' (bios) por aprofundamento de consciência, percebendo que as formas orgânicas são apenas as manifestações mais evidentes à sensibilidade humana e sua mente analítica que classifica e sistematiza.Minha incapacidade descritiva e baixeza (até vileza) espiritual me força a recorrer à fonte que mais me inspira:

"Geralmente, procurais a vida em seus efeitos, não em suas causas; na forma, não no princípio. Conheceis da vida as últimas consequências, mas descurastes, a priori e de propósito, seu centro gerador. Tivestes até a ilusão de poder reproduzir a gênese dos processos vitais, provocando os fenômenos últimos e mais afastados da causa determinante. Ora, a verdadeira vida não é uma síntese de substâncias proteicas, mas sim o princípio que estabelece e dirige essa síntese; a vida não reside na evolução das formas, mas sim na evolução do centro imaterial que as anima; a vida não está na química complexa do mundo orgânico, mas sim no psiquismo que a guia."

AGS - Cap. LI: Conceito substancial dos fenômenos biológicos
(grifos meus) 

A biologia moderna compreendeu toda a estrutura do DNA e como se dá o processo de replicação (para transmissão) dos genes. Ela destrinchou o mecanismo de coordenação. Mas não sabe o que o causa (o porquê). Qual a lógica por trás dessas formações perfeitas. Qual o princípio diretor. A coordenação obedece ao princípio diretor divino. Assim a forma se molda e se adapta. Assim as coisas renascem. Do lodaçal imundo brota a bela flor de lótus.

Na natureza infra-humana os fenômenos são perfeitos - porque alinhados com o pensamento divino. No reino humano ainda não há fenômenos. Existem processos. Estes são produtos da mente racional-analítica. As criações são artificiais e destacadas do Todo. O pensamento é sequencial e restrito aos limites dos paradigmas. As atitudes são frouxas, sem firmeza, sem convicção que dá segurança. São como uma chama bruxuleante, que a qualquer brisa ameaça se extinguir. O progresso se torna muito lento dessa forma. E doloroso. 

Os olhos já dizem tudo. Gestos e palavras são pobres.
Retomo o conceito tratado aqui, da lei de compensação. Trata-se de um aspecto que a ciência probabilística (se é que podemos denominá-la como tal) enxergou um seu aspecto limitado - e que o ser humano, julgando tudo conhecer com base nisso, desenvolveu conclusões equivocadas, que desanimam seus ímpetos advindos da alma. 

Quanto mais tentativas de realizar algo tendo em mente o ideal fracassam, maior a probabilidade de que a realização desse ideal se dê no futuro. 

O acúmulo de erros constitui a base sob a qual os pioneiros do futuro irão forjar sua couraça material, mental e espiritual. Esse acúmulo de fracassos é uma garantia de vitória definitiva de Deus, que sabiamente opera fora dos limites do tempo e do espaço. Fora da limitada consciência, que só pode conceber até certos limites. Mas é preciso que as tentativas estejam alinhadas com o ideal! Bem intencionadas. Sinceras e sérias. Assim a expansão de um polo (conservador) traz dentro de si sua exaustão, dando cada vez mais espaço para um novo movimento, totalmente oposto, se consolidar (progresso). Eis como a vitória de um acaba sendo seu futuro fracasso - e os sucessivos fracassos de outro consolidam sua vitória subsequente. 

Como a humanidade ainda ensaia sua forma de consciência nova, intuitiva, ela se apoia na argumentação e na forma para fazer valer princípios superiores. Esses meios são fracos para o que se deseja construir. Dessa forma novos sistemas econômicos e políticos não conseguem se estabelecer de modo efetivo. Quem gere melhor o paradigma atual é aquele lado que se aproveita do ódio e da miséria. Eis a direita hodierna, que assume uma forma assombrosa no Brasil. 

À esquerda cabem as falhas e erros. No entanto seu programa é o único que esboça - de alguma forma - os rumos de uma nova civilização

Mas para ter força é preciso abraçar a vertente mística da vida humana. É preciso combinar reforma íntima com justiça social - uma coisa só manifesta em seu aspecto individual e coletivo. E a partir daí se ganhará uma nova forma de atuar. Não mais reação sem reflexão. Afeto orientado e não mais argumentação interesseira.

Esse século deve consolidar na psique humana essa nova forma de ser.

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