quarta-feira, 28 de agosto de 2019

Da biosfera à noosfera

Teilhard de Chardin (1881-1955) foi um padre jesuíta francês. Paleontólogo, filósofo e teólogo. Usou todo seu tempo, conhecimento e (possivelmente) dor para construir uma visão do universo, englobando ciência e religião. Escreveu livros que versam sobre a gênese da vida a partir de um ponto de vista das espécies, tangenciando todo o manancial teológico, físico e químico relacionado às origens e desenvolvimentos de todas formas vivas*.

"Através de suas obras, legou para a sua posteridade uma filosofia que reconcilia a ciência do mundo material com as forças sagradas do divino e sua teologia. Disposto a desfazer o mal entendido entre a ciência e a religião, conseguiu ser mal visto pelos representantes de ambas.[1] (grifos meus)

A noosfera inicia a se erguer. Aos poucos a
humanidade percebe que cumpre uma função. 
Todo aquele que busca conciliar opostos da vida - tidos como inconciliáveis - começa a sofrer uma resistência tremenda do meio. Seja por limitações íntimas que emergem do subconsciente, preso ao remoto e seguro passado, ou de reações de grupos e instituições humanas, a titânica tarefa de integrar teorias científicas, pensamentos filosóficos e valores religiosos  é ingrata. Se a unidade a ser feita envolver inter-relações (ex.: ciência-religião), a tarefa é muito mais (in)tensa.
Contemporâneo de Ubaldi, o padre francês buscou criar uma Obra de mesma potência. O místico da Umbria ficou a par do seu colega próximo (em espírito, dores e pensamentos), chegando a dedicar um capítulo de seu livro A Descia dos Ideais ao padre.
"Em Teilhard encontramos os seguintes conceitos: transformismo, evolucionismo, estrutura orgânica do universo e tendência do ser a alcançar um estado cada vez mais orgânico, de unificação. O homem é um elemento consciente, que, existindo em função de um todo organizado, é destinado a se tornar sempre mais consciente desse todo e dessa organicidade. A evolução é orientada por um íntimo impulso telefinalístico, em direção a um ponto conclusivo: Deus. O fim supremo da existência é a convergência das diversas consciências individuais na consciência única e total do centro Ômega, último momento e fim da evolução: Deus. Teilhard nada mais acrescenta. Mas tudo isto implica e deixa entrever a possibilidade lógica de que este ponto possa ser também o Alfa de todo o processo, que, para ser completo, deve conter ainda a sua contrapartida involutiva precedente, como demonstramos claramente no volume O Sistema."
A descida dos ideais - Cap. IV: Encontro com Teilhard de Chardin
(grifos meus) 

Chardin abordou a fase evolutiva de nosso universo físico-dinâmico-psíquico. Sistematizou a parte ascensional (processo evolutivo) do ciclo involução-evolução vislumbrado e descrito por Ubaldi. Admite a existência de um ponto definido de criação de tudo que conhecemos e antevê o telefinalismo da vida. Também admitiu a imanência divina na criatura, isto é, em todos os fenômenos que se manifestam no universo, desde os infra-humanos até os 'sobrenaturais' (além de nossa parca compreensão), passando pelo reino humano. Faltou apenas concluir o grandioso pensamento, fechando o ciclo através de uma visão clara da criação original e da queda.
Ciclo involução-evolução. A substância (ômega)
permeia tudo e viabiliza a salvação. Do estado
espírito puro (alfa) decaímos ao estado de inconsciência
plena (gama). A energia (beta) intermedeia o processo.

No ciclo (ver figura ao lado) a queda é a involução. A evolução é redenção, ou seja, recuperar, com o próprio esforço (suor do rosto) a perfeição perdida. A Grande Síntese descreve a evolução do átomo ao espírito puro. Foi concluída em agosto de 1935. Para a teoria ficar completa, seriam necessários 16 anos de produção literária formidável. Deus e Universo é escrito numa rapidez impressionante. Um surto que se despeja na forma de seiva divina. Vinte noites, vinte capítulos. Uma visão da criação original, do Absoluto, como ninguém antes fora capaz de conceber. Essa é o último volume escrito na Itália, em 1951 - logo após o retorno de sua longa viagem ao Brasil. Assim, a primeira parte da Obra é concluída na metade do caminho (1931-1951), estabelecendo um edifício conceitual inigualável. As próximas produções estariam mais relacionadas à assimilação das profundas revelações obtidas e à implementação da Lei de Deus na vida cotidiana.

Voltando a falar de Teilhard, acredito que sua maior contribuição tenha sido antever a formação de uma nova camada evolutiva global denominada noosfera [2].

O que é exatamente isso?

Sabe-se que Biosfera é a esfera da vida (bios). Noosfera seria a esfera do pensamento humano (nous = pensamento), que começa a ser formada a partir da explosão tecnológica da segunda metade do século XX.

A partir do início deste século vivenciamos um ritmo evolutivo sem precedentes. O ser humano está sentindo coisas - às vezes as mesmas - de um modo que nunca sentira antes. O ritmo das mudanças, a intensidade e variedade das conexões, o fluxo de informações, a mudança frenética dos valores, a oscilação da personalidade,...tudo isso se relaciona com a integração que estamos tendo com as tecnologias.
Teilhard de Chardin, em 1947.
O advento da internet foi o primeiro passo para criar uma comunidade global, onde informações circulam como nunca antes. Conhecimento é compartilhado, construído e destruído. A rotina das pessoas muda, incorporando rituais cada vez mais normais, alimentados pelo sistema e valorizados pelo senso comum. Há muita desorientação nessa fase, com indivíduos perdendo capacidade de concentração e distorcendo informação (quase sempre contra seus próprios interesses pessoais e de classe!). No entanto, há também indivíduos que aproveitam os meios para o progresso humano, abarcando a esfera da compreensão e da redução do sofrimento das pessoas.
Sinto que este espaço virtual se coloca como um minúsculo ponto de um grande turbilhão fenomênico global, que se difunde a uma taxa cada vez maior, e se consolida de forma profunda da cultura humana - seja ela qual for.

Todas as barreiras que as intempéries e distâncias colocavam estão sendo suprimidas. Da mesma forma, os mecanismos de inteligência artificial, redes neurais e automação possibilitam a tradução de textos, a busca relâmpago por vocábulos que dão resultados de todos tipos, indo além da definição  (ex.: relações). Os vídeos, podcasts, apresentações dinâmicas mostram de formas mais amigáveis conhecimentos e ideias profundas. A acessibilidade permite a deficientes se expressarem. A portabilidade dá mais agilidade ao registro. E os custos decrescentes permitem àqueles(as) munidos de vontade, repletos de conhecimento e com traços de sabedoria espalharem ao mundo uma ideia unificadora que tenderá a conduzir todos a um grande pensamento central, capaz de abarcar uma verdade mais vasta. Trata-se de uma concepção de Deus, de telefinalismo, de evolução, de criação, de amor, de ciência, de governo, de utilitarismo, nunca antes esboçada.

Está tudo ficando mais claro. A aurora da História já começou por trazer luzes de pensamento e de paixão. Grandes ensinamentos transportados através das capacidades fora do comum de criaturas tremendamente evoluídas. Seres que vieram com muita antecipação. Seres que revelaram grandes verdades - hoje sendo retomadas com as ferramentas, métodos e conhecimentos mais atuais. É desnecessário citar. O íntimo os conhece.

noosfera, assim como a biosfera e a geosfera, precisa ser nutrida. Apenas muda o tipo de alimento, que agora se dá mais no terreno imaterial, psíquico nervoso do intelecto - e já apontando para o germe da intuição.

"Na teoria original de Vernadsky, a noosfera seria a terceira etapa no desenvolvimento da Terra, depois da geosfera (matéria inanimada) e da biosfera (vida biológica). Assim como o surgimento da vida transformou significativamente a geosfera, o surgimento da conhecimento humano, e os consequentes efeitos das ciências aplicadas sobre a natureza, alterou igualmente a biosfera. 

No Conceito da Noosfera do filósofo francês Teilhard de Chardin, assim como há a atmosfera, existe também o mundo das ideias, formado por produtos culturais, pelo espírito, linguagens, teorias e conhecimentos. Seguindo esse pensamento, alimentamos a Noosfera quando pensamos e nos comunicamos.[2] (grifos meus)

Espalhar ideias e emitir opiniões é uma forma de "regar" essa esfera. Esfera de pensamento que está sendo formada. Nós estamos mudando profundamente nos últimos anos devido a tecnosfera que possibilitou ao ser humano lidar com uma multiplicidade de fenômenos. Antes era possível ser rei, mas apenas de um local, porque estes eram desconexos e o elemento força era a única forma de poder. Hoje isso não é mais possível, pois o domínio é compartilhado. Hoje, para dominar, é preciso seguir regras complexas que estão mudando a todo momento. É preciso adquirir a inteligência e a sinuosidade das palavras. É preciso cavalgar no indomável turbilhão evolutivo que arrasta a tudo e a todos.

A melancolia pode ser vista como a fase de desespero.
Percebe-se a fraqueza dos métodos do mundo. O olhar é
profundamente negador. Mas a partir do abismo da indiferença
que deverá brotar a plenitude de algo novo.
Aqueles que estão adiante, antevendo uma esfera mais pura e radiante, tem uma vida árdua. Devem conduzir o processo, antevendo e fazendo uso de elementos que já sentem como arcaicos.

Aqueles que estão atrás dessa grande marcha se veem forçados a evoluir. Dos instintos à mostra para a astúcia pensada. Da força fisica para a força econômica e psicológica. Do amor individual a um amor comunitário.

"A transição biosfera-noosfera é o resultado direto do aumento exponencial de complexidade biogeoquímica e a consequente liberação de “energia livre” devido à aceleração da transformação termo-químico-nuclear dos elementos." [idem]

O desgaste dos mundos (esferas) inferiores é a forma como a natureza reverencia as potencialidades do espírito, que na forma humana deve assumir o compromisso de criar uma nova esfera, perfeita como as outras - só que em seu nível. Nível de ideias, de pensamentos, de conhecimentos e métodos. Nível que dá o primeiro passo no universo do imaterial, que remete ao sublime. É o momento mais crítico e majestoso da humanidade. Como todas grandes transformações, é dolorosa enquanto não é compreendida em sua essência. Para isso devemos recorrer às grandes almas do passado e trabalhadores do presente, que forjam os meios - mesmo sem o saberem - para a trilha ser menos lamacenta.  

Aí vemos o conceito de ressurreição que Cristo nos trouxe. Morrer (o que já está desgastado) para renascer (apto a novas criações). É preciso evoluir os significados para manter a única força que nos mantém vivos atuante em nossa alma. Deus é indefinível. Apenas a experiência direta de Sua Lei trará o impulso necessário à evolução.

"Um dos indícios de noosfera é traduzido pelo crescente aumento de pessoas tendo a mesma ideia praticamente ao mesmo tempo, mesmo estando isoladas. Seguindo Leis físicas, a explicação para isso seria dada por uma relatividade divergente de velocidade presente entre a matéria e a energia, ou entre o cérebro e a noogênese, na qual as informações acessadas já estariam dispostas na Noosfera, mesmo que de forma primordial" [idem]

É como se estivéssemos alimentando uma camada com o passar do tempo. Forma-se uma corrente de pensamentos que circula pelo planeta. O acesso não é apenas tecnológico, mas mental.

Tudo isso foi previsto já em 1931, quando Sua Voz passa a Ubaldio desdobramento da evolução nas próximas décadas

"O progresso científico, principal fruto de vossa época, ainda avançará no campo material, no entanto está acumulando energias, riquezas e instrumentos para uma nova e grande explosão. Imaginai a que ponto chegará o progresso mecânico, ampliando-se ainda mais, se tanto já conseguiu em poucos anos! Não mais existirão, na verdade, distâncias; os diferentes povos de tal modo se comunicarão, que haverá uma sociedade única." 
Mensagem de Natal (1931) (grifos meus)

Estamos diante de um momento único. É hora de sintonizar-se à corrente evolutiva que começa a se formar. 

Observações:
* Teilhard também lecionou física e química no colégio jesuíta. Como todo seminarista, acabou estudando múltiplos temas relativos à ciência, filosofia e religião, adquirindo uma cultura geral invejável. 

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