segunda-feira, 11 de novembro de 2019

Tempo

Tu, devorador de matéria, de vidas, de civilizações, de comportamentos e mesmo instintos, arrastas tudo rumo ao destino inexorável. Destino de vazio - mas apenas na superfície. Há algo de misterioso no seu 'ser'. O tempo esfacela aquilo que te mede. Ele transforma o modo como te concebemos. Tudo parece ocorrer 'dentro' de ti, meu caro tempo. Mas 'você', esse próprio 'tempo', tende a ser cada vez mais superável - à medida que se adquire consciência de seu real significado (e origem).

Através de sua atuação tudo se transforma, adquirindo força e vitalidade. Mas como o movimento de um ioiô, tudo retorna à sua origem - o não local - de outra forma, com outra orientação. Os ciclos tem amplitudes diferentes, que atingem picos e vales em função de sua complexidade; os períodos de cada forma (de vida, de povo, de construção,...) variam. Mas todos são finitos. Logo, são igualmente corroíveis pelo efeito de sua existência. Mas tu mesmo, que permites o crescimento e a decadência de tudo e todos, também teve uma origem. Isso nos revelou nossa cosmologia, que através do pontapé inicial de Geoges Lemaître (um padre belga), lançou, consolidou e edificou a teoria do Big Bang, que estima com uma precisão coerente a todas observações e lógica científica a idade de nosso Universo. Parte-se do pressuposto da expansibilidade do cosmos.

Salvador Dalí, numa visão repentina, pinta
A persistência da memória, revelando,
através de relógios murchos, a elasticidade da
dimensão tempo. Einstein dá uma veste científica
a essa visão. Arte e ciência sentem a realidade...
Nosso universo não apenas está se expandindo, mas a taxa de afastamento entre a matéria visível aumenta. Fazendo a regressão desse modelo chega-se a uma origem situada no tempo. Esse ponto recebe o nome de singularidade. Aí pressupõe-se que tudo que existe estava concentrado num único ponto. Densidade tendendo a um valor incomensurável. Temperatura também. Incoerências dos mais variados tipos atormentam os físicos com essa condição inicial desse modelo tão claro e coerente. Quando as variáveis e parâmetros de um sistema tendem ao (que se chama popularmente de) infinito, nada mais vale: nenhuma teoria explica o que ocorreu antes nem a gênese desse estado inicial.

Como todas formas de manifestação estavam em germe - inclusive as partículas fundamentais - nada vinculado ao que conhecemos como matéria e energia existiam anterior ao acontecimento. Com a nulidade da matéria extingue-se o espaço. Com a ausência da energia chega-se à nulidade do tempo. E sendo as leis físicas (pensamento diretor) inválidas nesse ponto misteriosamente especial, - e especialmente misterioso - ficamos completamente desnudados em nossa capacidade de compreender com a mente. Não sabemos lidar com fenômenos que escapam aos métodos racionais.

Com o sequencial inexistente (por compressão de tudo), aliado a ausência de todas possibilidades de manifestação de fenômenos, nada mais podemos fazer a não ser recorrer à filosofia e teologia. Eis que, num espaço de apenas 4 séculos, - do início do antropocentrismo embalado pela razão pura, no século XVI ao fim da primeira metade do século XX - nossa ciência se vê na obrigação de recorrer às esferas da vida que havia ignorado por completo.

A religião (no sentido de nos re-ligar à Fonte universal) dá orientação e reaviva a alma de nós, pobres humanos, em nossos tormentos cotidianos. E a filosofia, sua irmã mais próxima, capacita a mente a especular para além das regiões operadas (habilmente) pela ciência. Ela dá fluidez. Faz perguntas e remodela conceitos. Desenvolve o senso de questionamento. Preenche todas esferas da vida, de várias formas, de tempos em tempos. E assim se relaciona com a ciência e a religião. A primeira veste a ciência de dinamismo questionador, encorajando-a a especular para além de suas fronteiras. A segunda dá um senso de absoluto a todas as ações humanas, orientando os relativos e preenchendo de esperança o coração humano. Não uma expectativa vazia, mas uma utopia realizável que as forças da vida concretizam, quer nós queiramos ou não. Participar desse processo é uma glória sem igual. Mas é preciso perceber a reação entre essas três vertentes! É mister adentrar no reino do imponderável, nem que de forma inconsciente, deixando o motor propulsor da evolução e o leme de coordenação da vida agirem através de seu corpo, sua mente e todas suas habilidades humanas. Habilidades limitadas, mas capazes de ímpetos evolutivos sem igual. Para isso devem se submeter a algo mais poderoso do que suas próprias forças...

Mas voltando ao tempo...

Trata-se de uma ilusão. Ela parece real porque nossa forma de vida se apoia nesse devenir. Ele é volátil por se relacionar com o espaço. As três dimensões espaciais precisam da dimensão tempo (considerada a 4ª) para definirem por completo algo no universo - e vice-versa. Mas essa concatenação, apesar de coerente, não revela o esquema universal em sua essência: A Grande Sìntese (AGS) aponta que o tempo não é exatamente a 4ª dimensão, mas a 1ª dimensão de outro sistema ternário: o consciencial.

A Teoria da Relatividade Especial (1905) se une
à relação de equivalência matéria-energia (E=mc2),
formando a Teoria da Relatividade Geral (1915).
Fonte: [1]
Pensar em 'tempo' como uma 4ª dimensão nos dá uma ideia de continuidade. Faz parecer que a base do tempo é igual aquela das três dimensões espaciais. Mas trata-se de algo diverso. Porque o devenir que permite a transformação dá os fundamentos da vida. Vida que permite a manifestação da consciência em estados cada vez mais elaborados. É o movimento que permite à vida orgânica possuir taxas de intercâmbio tão intensas e com alta variabilidade. Isso torna o ciclo dos seres vivos serem muito mais curtos do que os da matéria, com um aumento de complexidade tanto maior quanto mais curto o ciclo de vida materializada. Isso tudo é muito bem (e muito melhor) descrito por Sua Voz no volume AGS.

Com a junção entre Teoria da Relatividade Especial e a equivalência matéria-energia, Einstein obteve a Teoria da Relatividade Geral, associando assim a gravidade a esse caldo de  formulações.

O próximo passo para compreendermos melhor o conceito de 'tempo' é perceber seu sentido. À primeira vista não há nada no campo da Física que impeça o tempo de fluir ao contrário. Mas não observamos (no nível macroscópico ao menos) balões se restituírem (após explodir) ou ovos se reintegrarem (após cair). É estatisticamente improvável que isso ocorra. E para explicar isso existe a Lei da Entropia, profundamente relacionado à dimensão tempo, que nos leva a um sentido geral de desenvolvimento do mesmo. Digo geral porque a Lei dos Grandes Números (LGN) aponta para uma tendência universal, apesar de que, numa massa imensa em marcha, alguns elementos constituintes podem apresentar momentaneamente um comportamento contrário à tendência média, sem no entanto alterar o curso do movimento do conjunto - que sob uma ótica macro acaba levando cada micropartícula que a constitui, seja molécula, célula, seres ou civilizações, a um destino final. Eis a inexorabilidade do destino atuando sobre o universo.

A entropia indica a tendência para a desordem natural das coisas. Podemos ter diminuição local de entropia, constantemente, ao longo do tempo (por exemplo, a vida de uma criatura). Mas às custas de um aumento de entropia maior do ambiente, de tal modo a causar, no conjunto ser-universo, um aumento de entropia. Ou seja, a complexidade (vida) se elabora às custas de um aumento de entropia para o todo (degradação do meio). Essa conclusão é muito interessante e nos leva a pensar em determinadas questões como: qual o sentido da vida?

A variação de entropia se relaciona à quantidade de calor
trocada e à energia interna de um sistema - que aponta para
a temperatura do mesmo. 
No mundo quântico (ou subatômico) a entropia não faz muito sentido. Logo, a famosa seta do tempo deixa de ter uma relevância, colimando numa outra conclusão, igualmente real, para um outro mundo: de que no mundo quântico a irreversibilidade é uma possibilidade não apenas factível, mas que deve ocorrer a todo momento. Dessa forma, no nível microscópico, tempo é uma ilusão.

Mas seres macroscópicos (como nós) são constituídos de uma miríade de entidades que por sua vez se apoiam em outras (ainda menores), cujo comportamento é regido pelo mundo quântico. O que significa que nós, seres vivos, também devemos ter alguma relação com esse mundo onde o tempo é ilusório. Ou não?

Avancemos para o 'tempo biológico' a título de melhor compreender essa dimensão tão presente e, ao mesmo tempo, tão misteriosa.

A sensação de tempo que nós humanos - e todos seres vivos - possuímos está muito relacionada aos ciclos. O dia e a noite permite nos organizarmos: período de repouso e atividade. Intensidade das atividades. Momento de alimentação. Momento de gasto de energia. Etc. Os dias da semana, os meses e todas atividades que se repetem, de variadas formas, acabam ditando a sensação que temos de tempo. Melhor dizendo: nossa relação com o tempo se torna especial à medida que incorporamos a natureza de nosso corpo, percebendo os ciclos dos sistemas (digestivo, respiratório, circulatório, etc.) e tendo uma ideia de como controlar o organismo para melhor obter certo desempenho. Isso é feito sabiamente pelos automatismos celulares e orgânicos - e de modo incerto pela consciência racional.

Elevando nossas mentes ao psiquismo, sentimos um tempo cujo significado se dá devido à memória. O concatenamento de várias delas nos dão um conceito de tempo. Cada qual possui uma sensação sua, que torna a vida mais ou menos arrastada, com atritos mais ou menos desgastantes, que refletem num fluir de atividades mais ou menos eficiente.

Nesse reino (biológico na forma orgânica) o 'tempo' também pode ser ilusório.

No âmbito psíquico o tempo torna-se verdadeiramente maleável. Não apenas se contrai ou expande, mas ganha significado qualitativo. Isso se deve à mescla mais íntima entre o sentimento que incorporamos em atividades executadas ao longo da esteira do tempo, tornando-nos

É interessante a ideia de tempo prospectivo e retrospectivo, muito bem elaborado por Lenka Otap [1]:

Contagem prospectiva é quando tentamos contar (ou medir) sem instrumentos o tempo. Já a contagem retrospectiva é tentar dizer quanto tempo já se passou. A autora aponta para o fato de que as sensações de uma mesma atividade são tão mais diametralmente opostas quanto mais intensa a experiência. Por exemplo: numa viagem de férias o tempo que aguardamos na fila do voo parecerá longo quando estamos imersos nela - mas será curto (pouco lembrada, sentida) quando olharmos para trás nas memórias, reservando muito mais 'tempo' às experiências que passaram rápido (diversão, momentos bons) quando ocorreram.

O senso subjetivo de tempo é mais elaborado que a mera sistematização objetiva do mesmo. Nesse reino entram o contexto, o estado emocional, os estímulos, entre outros fatores. A compreensão passa a ser mais vasta, com possibilidades que só fazem sentindo na esfera do intangível, em que nem os instrumentos de medição, nem as sistematizações da lógica e teorias científicas, são capazes de abordar satisfatoriamente.

Segundo o ensaio [1], alguns artigos neurocientíficos apontam para o fato de que não teríamos livre-arbítrio.

“What we consciously perceive as free will is presumably preceded by unconscious neural computations that are responsible for making decisions.” — Buonomano, Dean. Your Brain Is a Time Machine.

"O que conscientemente assumimos com livre-arbítrio é presumivelmente precedido de computações neurais do subconsciente que são responsáveis pelas decisões que tomamos"

De fato, estudos comprovam que antes de tomarmos uma decisão conscientemente nossos neurônios e o sistema nervoso começam a se mobilizar para executar a ação que iremos conscientemente tomar - como se soubessem o que faríamos. Desse ponto de vista seríamos meros autômatos. Escravos de nosso organismo biofísico, pois ele age em sintonia com o que faremos, antes. Por outro lado, colocando o fator espiritual, as coisas ficam diferentes.

Se existe um corpo imaterial, não detectado (um corpo quântico), cuja vontade se plasma no momento de mobilização celular inconsciente, estaremos admitindo que não somos escravos da matéria, mas sim senhores da mesma. A questão é que não temos consciência desse domínio espiritual sobre os elementos naturais!

Dessa forma estabelece-se uma camada entre mente consciente (superfície, razão) e espírito (profundidade, intuição), que é dada pelo organismo biofísico (instinto, automatismos), que reflete de modo instantâneo e perfeito a vontade do corpo imaterial. Esse fenômeno ocorreria porque a razão ainda está em construção. O ser humano se encontra em estágio de elaboração de sua psique, ao passo que o espírito - o que realmente somos, nossa essência - já é desperta mas jaz em trevas (corpo físico), e portanto ainda não consegue uma comunicação direta, fluída, cristalina e portanto eficiente com a psique humana.

Orientações podem ser encontradas na obra A Grande Sìntese. O capítulo LXIX, A SABEDORIA DO PSIQUISMO, dá pistas para o avanço da neurociência:

"Nos altos níveis da vida, à sabedoria química do íntimo metabolismo celular acrescentam-se também a sabedoria da técnica de construção de órgãos e a sabedoria da direção de seu funcionamento, para uso das finalidades da vida, internas e externas ao ser. O complexo edifício é um transformismo dirigido para a luminosidade do psiquismo."
(grifos meus)

"Todos os segredos da mecânica, da química e da eletricidade são utilizados: surgem patas, asas, antenas, chifres, tenazes, bicos, presas, ferrões; desenvolve-se a sutil arte dos venenos, da fosforescência, do hipnotismo, das ondas elétricas; o psiquismo retifica no olho as imagens visualizadas; a arte dos sentidos, sempre de atalaia, produz outros cada vez mais refinados e complexos. Não há descoberta humana que não tenha sido antes encontrada e utilizada pela natureza."
(grifos meus)

Mas a partir daqui não ouso avançar. O que não está profundamente assimilado pela mente racional não pode ser transmitido de maneira convincente. É preciso esperar chegar o tempo apropriado.

De degrau em degrau, avançamos no conceito de tempo. O edifício construído se torna mais imponente e menos sujeito às intempéries dos incautos e dos elementos. É cada vez mais imaterial - e portanto resistente ao tempo. É mais completo e assim explica o que outrora era incapaz de abordar. Assim ganha-se potência, e a ascensão, paralelamente, se dá de forma mais intensa e ordenada.

Referências:
[2] UBALDI, Pietro. A Grande Sìntese.

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