quarta-feira, 8 de janeiro de 2020

O canto da História

A disciplina de História sempre me interessou. Desde os primeiros anos do ginásio minha atenção para esse ramo era especial. Achava interessante saber sobre os acontecimentos. No princípio - e durante muito tempo - minha mente só se atinha aos eventos. Especialmente aqueles que chamavam atenção pelo estrondo causado. Um ruído de superfície. Com o passar dos anos, à medida que minha vida tropeçava pelas inseguranças, limitações e dores, fui percebendo o seguinte: aqueles eventos eram apenas efeitos que se concatenavam com outros (efeitos), paralelamente ou em sequência. E que existia um fio condutor situado em outro domínio (as leis, ou princípios) responsável por aqueles momentos. O motivo (porque), as lógicas (como) e os momentos (quando) começaram a ser investigados pela minha pessoa.

O filme já está feito. Seu desenrolar nos revela
o infinito. Infinito cindido, tornado finito.
Assimilando os inúmeros finitos começa-se
a vislumbrar o único infinito.
Observar o passado como algo vivo é vê-lo como realmente ele é: uma trajetória construída coletivamente (e inconscientemente, salvo raras exceções) cuja consolidação fornece a estrutura psíquica das sociedades de nossos dias. A História é tanto mais viva quanto mais percebemos que a interpretação da mesma alterna nossos comportamentos e atitudes presentes quanto a compreensão do passado, elaborando narrativas mais sofisticada e completas. As instituições, as tradições, os hábitos, as culturas, os medos, as esperanças, os conhecimentos e as tecnologias: toda essa miríade de conquistas humanas foram construídas através de objetivos menores. Dificilmente alguém vislumbrava o que estava sendo criado no momento inicial. Uma ideia que nasce. Uma forma de organização social. Um invento. Uma sinfonia. Um movimento. Nada é previsível para o intelecto - que opera em prol do poder. Tudo é visível à consciência. 

Eu diria que a verdadeira alquimia da História (ou seja, o cumprimento de sua missão) se dá quando a arquitetura milagrosa do passado é percebida, nos dando criatividade e ousadia para encarnarmos as impossibilidades do futuro. A filosofia da história é de uma magnanimidade impressionante. Através desse estudo, com outros olhos, nos damos conta de que deve haver um elemento misterioso coordenando os acontecimentos. E que alguns atores históricos que assumem a liderança momentânea podem ou no ter percepção de seu papel.
Existe uma alquimia misteriosa .
A vasta esteira do tempo encampa o período limitadíssimo de história humana. Em especial, da espécie sapiens (a nossa). São apenas 100 ou 150 mil anos aqui neste planeta. Face aos 3~4 milhões de anos da existência do gênero Homo, é pouquíssimo. Encarado do ponto de vista de formas de vida pluricelulares (centenas de milhões de anos) é insignificante. Se considerarmos a vida do ponto de vista biológico, com os primeiros seres (unicelulares), as cianobactérias, surgidas há 3,8 bilhões de anos, acabamos de surgir. No entanto, existem cursos inteiros destinados a estudar aspectos puramente humanos - ou derivados deles - nas universidades. Em 100 mil anos encampamos mais complexidade e criatividade do que qualquer outra coisa. Em especial, se formos abarcar apenas os últimos seis milênios de civilização, temos um repertório magnânimo e profundo - bárbaro e superficial também - de coisas a contar e estudar. Essa é a potência do Homo sapiens: transcender limites externos e a si mesmo.

O vídeo abaixo é a entrevista a Yuval Noah Harari. Ao longo da breve e interessante conversa sente-se a capacidade do historiador de vislumbrar cenários futuros com base em sua visão ampla do passado humano.


Ser capaz de construir cenários prováveis não é exclusividade de pessoas que se doutoraram - apesar de poderem fazer isso mais naturalmente e de forma mais sistematizada. Basta sentir a vida cantar de várias formas ao longo da esteira do tempo.

Repare: você não precisa fazer uma faculdade de História (ou Ciências Humanas) para ser capaz de olhar criticamente a sociedade. Basta ter um interesse pela vida e uma ânsia de busca pela verdade. O resto vem como consequência: a leitura dos livros, os filmes, os artigos, as conversas, a elaboração de textos, as interpretações, reflexões e os exercícios de imaginação. Sentir o pensamento diretor da vida se manifestar nos (e através dos) fenômenos históricos é uma experiência inesquecível. É belo perceber que todo nosso passado sintetiza uma série de experiências. Mais: ele aponta para uma tendência. A não-linearidade é regra do nosso Universo imperfeito, em que ímpetos milagrosos de perfeição emergem de oceanos locais de imperfeição.

O caos é veloz e voraz. Ele vence batalhas e esmaga seus oponentes.
A ordem é vagarosa e ponderada. Ela aceita perder batalhas.

Bifurcações: resultado do conflito S-AS.

Caos: voraz, vencedor, esmagador...
Ordem: ponderada, paciente, discreta...

Nada é isolado no Universo. Perceber as vidas adjacentes à sua trajetória pode dar uma melhor ideia das receitas a serem adotadas em sua jornada. Visualizar com clareza os estratos hierárquicos do mundo pode fornecer o roteiro para lidar com as imperfeições. Sentir as transformações locais com um senso de finalidade suprema global pode ser a chave para a paz interior e a potência criativa.

O passado pode ser visto de várias formas.

Podemos lê-lo como fatos desconexos.
Podemos estudá-lo como processos paralelos interligados.
Podemos senti-lo como uma força viva que muda paralelamente ao nosso ser.
Podemos vivê-lo na forma de um resgate de possibilidades a serem realizadas.

A fusão ocorre no momento em que a História se torna um quadro dinâmico que aponta para um destino.

Cabe a nós darmos o tom às coisas. O Ser potencializa as coisas através de sua criatividade infindável e sua ânsia em atingir o vértice da unidade com Deus e o Universo. 

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