segunda-feira, 10 de fevereiro de 2020

Intercâmbio de misérias

Através do tempo é possível ir aglutinando uma quantidade crescente de informação a respeito dos rumos que esse país vem tomando. Quando falo "esse país" me refiro ao destino da imensa maioria (99% ou 99,9%). Destino cada vez mais conduzido por intercâmbio de misérias - sejam elas consideradas como tal ou não. O fato é que a humanidade reluta em adquirir um mínimo de consciência a respeito do que realmente ocorre no mundo. No Brasil isso me parece mais grave. Parece que quanto mais "garantida" uma pessoa está, mais essa pessoa tende a fazer vista grossa dos problemas mais dolorosos, cuja causa reside na estrutura sistêmica - que se perpetua através de um modelo mental pautado no ódio, no gozo ilimitado, na falta de memória e na covardia.

Quando falo "covardia", me refiro àqueles(as) incapazes de tomar qualquer postura a respeito do que vem ocorrendo à sua volta. Seu medo (em perder sua imagem de pessoas "sérias", "alinhadas com o progresso", com as "tendências da modernidade", etc.) é tão intenso que, ao menor sinal de denúncia da realidade das pessoas é vista como algo a ser evitado. Ignora-se por não se saber encarar a realidade de frente. É triste constatar o que já se sabia há muito tempo, por vias intuitivas: quanto mais misérias materiais, de instrução, de títulos, de cargos, de ocupações, de remunerações relativamente boas, de opções de lazer (e aí inclua clubes, sexo desmensurado, comida industrializada, seriados, fofocas, carrões, casarões, viagens carrões, etc.) temos ao nosso alcance, menor a tendência a nos engajarmos num processo de transformação. Claro...existem exceções. E os graus de adesão à miserabilidade de uma vida de confortos também varia.

O centro diretor tende a se tornar cada vez mais apto a
capturar realidades do espírito. No humano, chegamos-se ao
 auge em termos orgânicos. Agora a evolução se torna cada
vez mais intangível.
Minha postura em relação à vida é muito simples, muito clara e muito aberta: me conscientizar cada vez mais a respeito da nossa origem, nosso destino, a dinâmica da dor e do processo evolutivo. Conhecer mais profundamente, vivendo, a Lei de Deus. É preciso (se) vigiar constantemente. E observar o comportamento dos semelhantes. Seus medos, reações, gestos e atitudes ficam muito triviais a partir de um momento. Ver à fundo o oceano da realidade traz à superfície a verdadeira deficiência coletiva - que insistimos em manter. De repente o livre-arbítrio humano se torna um determinismo triste. Determinismo que os poderes conhecem muito bem, a gerenciam - tal qual um cientista de laboratório controla as condições, durações e tipos de resultados que deseja de seus experimentos. Esse gerenciamento é feito através da mídia. Sim: somos escravos dos meios de comunicação E da maioria. 

O ser humano moderno aprendeu que se pautar pelas tendências coletivas traz acesso a várias comodidades. No entanto ainda não percebeu que num dado momento esse comportamento começa a lhe trazer uma cristalização das possibilidades que seu íntimo almeja. 

Após subirmos um andar na escalada evolutiva, a tendência é assimilarmos tudo de útil daquele piso, incorporando em nossa personalidade o que os desafios (dores) tem a nos oferecer. Saber usar as novas capacidades intelectivas (razão) e sensíveis (intuição), coordenando-as, para construir a nossa personalidade, libertando-a dos eventos de superfície, que nos induzem a persistir numa trajetória circular, fechada, enquadrada num férreo determinismo que não nos permite expandir os modos de conceber a vida, a evolução e de interpretar os acontecimentos. Para o pioneiros, o caminho é solitário. Mas na mesma intensidade em que a solidão é um fato, a irreversibilidade também o é. 

Voltemos ao meu primeiro grifo:

"a humanidade reluta em adquirir um mínimo de consciência a respeito do que realmente ocorre no mundo."

O que realmente ocorre no mundo?, as pessoas vão se (e me) perguntar. E eu digo que basta observarmos com desprendimento o que ocorre à nossa volta.

A questão ecológica é cada vez mais crítica. Os efeitos do aquecimento global já são visíveis. Vários países sofrem com enchentes, maremotos, furacões, seca e conflitos relacionados. A destruição da infra-estrutura gera problema de refugiados. Falta de alimentos também. As pessoas se deslocam em função da sobrevivência. Catástrofes ambientais que são causadas por humanos (mas denominadas 'naturais'), como Brumadinho e Mariana, ambas em Minas Gerais. Trata-se de verdadeiro crime contra biomas, comunidades, sociedade. No entanto, o (anti-)sistema que vigora garante que não haverá responsabilização das corporações que causam tanta dor às pessoas.

Elas querem o que produzem (de bom). Apenas isso.
Elas são muitas. Se somarmos eles, são praticamente a
humanidade toda.
As corporações se tornaram mais poderosas do que os governos. O Estado, outrora estrutura de máxima autoridade e portanto influência, se vê como um apêndice poderoso de um centro diretor que determina qual é o rumo da humanidade. Esse centro diretor é o neoliberalismo, e hoje quem mais o representa é o capital financeiro seguido de mega-corporações.

É verdade que as massas humanas, mesmo tendo adquirido uma certa inteligência (de superfície, na terminologia de Ubaldi), conseguem levar uma vida mais ágil e esclarecida em relação aos ancestrais de 200, 300 ou 500 anos. No entanto, a magnitude dos desafios demanda uma inteligência diversa, capaz de sintetizar o oceano de ruído que nossas tecnologias e meios de comunicação fazem questão de propagar despudoradamente. Deve-se ser capaz de pensar por si só - e não seguir tendências por mera comodidade. Mas isso é muito difícil ao biótipo médio. No entanto isso deve ser feito para que não haja risco de retrocesso involutivo.

Observando bem a nossa sociedade podemos concluir que estamos nos tornando uma Idade Média altamente tecnológica.  Ou seja, desafazimento dos laços comunitários, do único órgão diretor do desenvolvimento social (Estado), e um medo crescente. Se a consciência do ser humano pouco ou pouquíssimo evoluiu nos últimos cinco séculos, o mesmo não é o caso do desenvolvimento científico e tecnológico. E isso constitui um risco muito maior do que a detonação de bombas atômicas - apesar do risco incluir, dentre muitas dores pontuais e misérias persistentes, esse tipo de catástrofe para formar o mosaico da miséria do século XXI. 

Escrevo esse ensaio me recuperando de uma febre cíclica. Um sintoma que não vem acompanhado de outros tipos de sintomas - cuja junção poderia auxiliar a dar uma ideia mais precisa do tipo de patologia que o autor sofre. Não há vômito, diarreia, entupimento das vias nasais nem dor de cabeça (ela veio e passou logo). A febre é baixa (até 38,5 ºC) e oscila durante o dia (ontem durante o dia desaparece, e à noite retorna...hoje desaparece...e assim continua). Somado a isso outro fato estranho: a febre não vem acompanhada de um sentimento de frio. Nem tremores ou calafrios. Dorme-se com um certo calor. O fenômeno não está dentro dos parâmetros da normalidade. Trata-se de um organismo que apresenta comportamentos não enquadráveis pelos modelos clássicos da medicina - o que sugere justamente que tensão espiritual-nervosa influencia fortemente o organismo. Isso se torna visível no momento em que e procura fincar as bases do Alto nesse mundo.

Aproveito esse início de recuperação para me lançar à escrita. É muito importante registrar o desmoronamento do mundo que as pessoas aprenderam a sustentar e viver. Se agarrar a um modelo que não é mais útil é equivalente a se agarrar a um cadáver esperando que ele possa dialogar e viver contigo numa vida plena de comunicação e afeto. Tudo indica que o capitalismo se tornou esse cadáver. No entanto, isso não significa que podemos nos extinguir em breve.

Ficou impresso na mentalidade coletiva de que "é mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo". Isso é triste e comprova que o ser humano - ao menos em sua média, que é o que dita os rumos da espécie e do planeta - ainda está mais focado no Anti-Sistema do que no Sistema.

Colocar um sistema econômico à frente de todo o planeta, com sua sabedoria multimilenar (ao quadrado), de bilhões de anos, é atestado de loucura. 

Muitos ainda não perceberam que o Universo está em processo de transformação. Para o caso de locais em que a vida emerge, isso se torna acelerado. Quando nasce o psiquismo - primeiro veículo de manifestação efetiva do espírito, esse processo não apenas se torna exponencialmente mais rápido, como adquire um dinamismo fora do comum. E brota uma chispa de livre-arbítrio.

Através do ser humano a vida se torna eminentemente psiquica. As outras espécies possuem latente seu psiquismo, mas as possibilidades orgânicas das mesmas impede o seu desenvolvimento. Cabe aos espírito cuja evolução permitiram se vestir com uma roupagem humana desenvolver plenamente seu órgão diretor (cérebro e sistema nervoso) e sua suas funções (pensamentos), refinando-os até ao patamar de ter inserido no seio do organismo as capacidades para perceber realidades mais profundas. Sensibilidade e pensamento. O ideal é um desenvolvimento paralelo, sem grandes distanciamentos ,pois, a partir de certo ponto, essa delta entre capacidade de pensar/sistematizar e sensibilidade para se orientar pode resultar numa convulsão.

As pessoas votam contra seus próprios interesses e não reagem a acontecimentos absurdos justamente por esse desequilíbrio. Tudo se resume a isso, em sua essência.

A falta de sensibilidade tira a coragem do ser. Se não sentimos os horrores que é passar fome, não ter um teto ou uma ocupação digna, ou um mínimo de instrução, água, higiene, afeto, não iremos nos incomodar cm suas consequências. Nem em nós - muito menos nos outros. Para transformar o mundo...para imprimir ímpeto criativo e vontade voraz em nossas atitudes e atos, é preciso antes de mais nada sentir. Isso significa adquirir consciência.

Enquanto as pessoas se sentirem satisfeitas com uma vida de misérias, repleta de distrações e de movimentos superficiais que nada deslocam a locomotiva humana da civilização de seu rumo perdido, nada mudará.

No presente momento assiste-se a destruição de um país (Brasil). Uma política levada a cabo de forma muito calculada, sustentada por narrativas incompletas, que trazem mentiras à tona usando fragmentos de uma realidade que não pode ser vista de forma descontextualizada. Aquele que se diz Ministro da Economia de fato é um Ministro de Destruição (M.D.). É claro que nunca houve um funcionamento virtuoso nesse ministério, mas sempre se tomou o cuidado de não destruir as bases que mantém o mínimo de vida civilizada neste país. Agora assistimos a uma ofensiva desesperada para destroçar todas as instituições (e profissionais) que podem atender a imensa maioria da população.

A fala do M.D. (agora irei denominá-lo assim) revela o desejo do poder: colocar os 180~190 milhões de brasileiros que de alguma forma dependem do serviço público para sobreviver contra os 12 milhões de servidores que garantem isso. Coloca-se uma parte da população contra a outra, ambas acabando por viabilizar a destruição de seu próprio futuro, brigando por misérias. Enquanto isso (e assim) o governo da destruição pode trabalhar com relativa paz. Sem mobilização não há enfrentamento. O governo, implementador do sonho do capital financeiro (e pesadelo dos seres humanos), pode marchar de forma consistente, garantindo ao capital os restos mortais da sociedade, dos trabalhadores, da cultura e tudo que realmente possui valor.

A Anti-Sistema funciona assim: usa-se uma aparência (verdade frouxa) para distrair grupos que são vistos apenas como algo a ser explorado.

Quem perde com a destruição do Serviço Público? Todos. Os servidores, não tendo condições, tenderão a abandonar ou fazer um serviço cada vez pior - por falta de condição. As pessoas que dependem de seus serviços (inclusive os próprios) também. Somente as elites não se preocupam, pois elas dominam tudo.
Funcionalismo público em diversos países do mundo. Fonte: [1]
As classes altas - porém não donas dos meios de produção - são os capatazes desses interesses minoritários. São médicos particulares com suas clínicas, juízes, grandes advogados, procuradores e outros profissionais liberais que muito bem ganham. Esses são os capatazes que ganham 30 mil, 40 mil, 80 mil por mês. Não são a elite mas a servem. Constituem potencialmente 5% do país. Se somarmos outros um pouco abaixo (que também sonham que um dia serão ricos, e que isso é o ideal), temos uns 10 a 20% do país. Essa parte do topo, em sua grande maioria, reprime de várias formas o povo e a si mesma. E mais triste: até a população pobre se sabota. Mas sua responsabilidade é menor - pois menor é seu poder e influência. No entanto somos todos responsáveis pela miséria que há.

Haverá um colapso iminente nessa nação e nesse planeta. Pelo visto o Brasil deseja estar na dianteira do regresso involutivo - último suspiro das forças do AS antes que uma Nova Terra brote - das entranhas de um mundo passado, pútrido, arcaico, formado por massas não-pensantes presas a rituais e tecnologias, fazendo uso desagregador de quase tudo.

Cavar a própria cova e fiar tranquilo, em paz, é o maior sinal de insanidade odiosa.

O tempo revelará se o que se diz está de acordo ou não.

Nenhum comentário:

Postar um comentário