quarta-feira, 18 de agosto de 2021

Ócio criativo (parte 2)

Fig.1: Domenico De Masi compreende a necessidade de adquirimos 
uma mentalidade mais compatível aos desafios de nossos tempos.

Ócio é uma palavra associada a tempo livre. É o que ocorre após ou trabalho (leia-se emprego) ou antes dele começar novamente. É o que se chama de folga, que nos remete a vazio. E como vemos o vazio como um nada, e um nada como algo ruim, chamamos de folgado aquele que amplia seu ócio em detrimento do tempo de trabalho (leia-se emprego). Mas fica fácil perceber que julgamos pessoas e ideias  baseado numa concatenação de definições e em narrativas acerca do que é bom e mal. Por isso é importante nos atermos aos princípios.

Fig.2: Ócio e condição para criatividade. Elimine o ócio e você mata junto a criatividade.

Criativo é aquele que tem capacidade de criar. É criador de conceitos, formas de vida, aparatos, métodos, ideias, expressões. É característica marcante dos gênios e dos santos. Essa capacidade de geração é produto de esforço multimilenar do espírito, que através de uma intensa assimilação da realidade (interior antes, e depois exterior) adquire uma capacidade ímpar em associar, perceber, trabalhar. 
Fig.3: Criatividade é o melhor produto do ócio. É o ápice do pensamento pautado por intensa paixão.
Ela não é apenas o melhor efeito do ócio, mas essencial para a evolução da espécie (3ª Lei da vida enunciada por Ubaldi).

Logo, ócio criativo é uma expressão que indica um alinhamento entre uma condição (ócio) e um resultado (criatividade). Praticar o ócio criativo é para poucos - porque poucos sabem fazer uso de suas condições. E essas condições amistosas nada mais são do que a liberdade conquistada pelo ser.

É por isso que na obra ubaldiana justifica-se o uso da força e autoridade: os seres que não sabem fazer uso da liberdade concedida (mesmo que mínima) abusam dela e geram um retrocesso involutivo. É claro que isso é também usado por quem domina para obter vantagens - mas seu erro é explicado pela imaturidade das massas. Isso é um fenômeno muito profundo que ocorre até os dias atuais. 

No século XXI despertam indivíduos com sensibilidade maior, capazes de compreender em certo grau as vidas e passos dados por grandes iluminados que passaram por este pobre planeta. Pessoas com uma capacidade maior de orientar a vida. Pessoas que rejeitam os métodos do mundo, suas regras e todas as narrativas vomitadas através dos meios de comunicação - especialmente redes sociais.

O mundo necessita de gênios de um tipo singular. Pessoas capazes de assimilar o princípio unitário do Universo e, através de suas ocupações, inclinações e habilidades, operar em prol de uma força maior que começa a se manifestar através dos seres. Essa força é uma tentativa final de Cristo nos fazer transladar para a futura civilização do terceiro milênio sem dores descomunais. Caso contrário, a Lei irá fazer a retificação necessária. A dor será descomunal. E apenas quem houver construído sua casa (= vida) em rocha sólida (= crenças e valores) irá garantir que ela (sua vida) não desmorone.

As condições para a realização de um milagre estão citadas no volume A Nova Civilização do Terceiro Milênio. Transcrevo-as aqui para todos terem a receita (nada fácil) de realizar em suas vidas atos verdadeiramente divinos - através de Deus e Sua Lei:

Quais são essas condições? 
Ei-las: 
1) Merecer a ajuda; 
2) Haver, antes de mais nada, esgotado as possibilidades das suas próprias forças; 
3) Estar, de acordo com suas condições, em estado de necessidade absoluta; 
4) Pedir o necessário e nada mais; 
5) Pedir humildemente, com submissão e fé. 

Cap. XI: A ECONOMIA DO EVOLUÍDO 

Vou reforçar os pontos:
Não apenas merecer, mas ter necessidade absoluta - para cumprir sua missão.
Esgotar todas suas forças, até a última gota - arriscar a vida inferior para ganhar a verdadeira vida.
Apenas querer o absolutamente necessário - e nem um centil a mais.
Ter humildade infinita (sinceridade enorme, seriedade), aceitando tudo e crendo no tempo de Deus.

Casos de quem cumpriu esse roteiro são raríssimos (menos de um em um milhão). Não à toa milagres não ocorrem e por isso ninguém crê no fenômeno. No entanto, esse blog está aqui para atestar sua veracidade - pois se constrói a partir desse fenômeno.

O autor, fazendo retrospectivas de sua vida, percebe que mais de uma vez cumpriu com esses requisitos. E já viu dois familiares também cumprirem (e obterem a salvação esperada). A vida, após o evento, passa a ser percebida de forma diferente. 

Mas não escrevo aqui para falar sobre milagres (isso deve ficar para outro momento). Mas quem exerce suas condições boas de modo adequado (ou em más condições aceita e cumpre seu carma) provavelmente é aquele que irá viabilizar o milagre de transformação em sua vida.

O ócio criativo exige que a estrutura do sistema econômico mude radicalmente (isto é, pela raíz). Porque ela aponta para a valorização de algo. Esse algo é o 'local' em que ocorre a gênese das criações que tanto valorizamos - e usamos mal. E estando mais próximo à fonte (ponto genético), é possível controlar melhor os fenômenos. Inclusive o destino pessoal e coletivo. É a economia do evoluído (quem vê, ou vê mais) versus a economia do involuído (quem não vê, ou pouco vê).

"O evoluído, que conquistou o conhecimento, sacrifica o valor menor ao maior; o involuído, que ainda não adquiriu compreensão e vive de ilusões, sacrifica o valor maior ao menor. Dessa psicologia se infere que o primeiro dá toda a importância aos valores morais, geralmente menoscabados, e quase nenhuma aos valores econômicos, em geral elevados às nuvens. A economia do evoluído, que referimos acima, é consequência também dessa psicologia, em razão da qual ele, espontaneamente, dá à riqueza valor relativo e subordinado, em vez de valor principal; se deve administrá-la, então o faz, não por apegar-se a ela ávidamente, mas porque é seu dever, e dela se livra quando e se puder, antepondo-lhe o estado de pobreza, protegido apenas pelas forças da Divina Providência."

NCTM, Cap. XI: A ECONOMIA DO EVOLUÍDO  

O valor de nosso mundo reside no que gera barulho, sensações, efeitos imediatos, distrações. Apaga incêndios mas cria o dobro ou triplo de outros - piores. E assim por diante. É possível perceber em que ponto se chega...Já o valor do ser mais centrado, íntegro e consciente de seu papel no Universo reside no que gera sustentação futura, naquilo que previne e liberta, naquilo que é base para as criações concretas (embora aqueles que as valorizem não reconheçam isso). Um mundo é a antítese do outro, e a vitória aparentemente é do passado. Mas a cada ano que passa vai ficando cada vez maior a dose de drogas (incluindo aí eletrônicos, pseudo-cultura e sociabilidade fútil) necessárias para fugir da realidade. Pergunto: você quer contribuir nesse mundo entregando o que ele lhe pede?

O eixo do trabalho é cada vez mais imaterial. Isso não significa que estejamos independentes da agricultura e indústria, mas que nosso ponto de atuação para melhor alavancagem está cada procurando se tornar cada vez mais próximo (mesmo que sem o saber) do íntimo dos fenômenos. 

O ócio criativo entra como uma necessidade para uma humanidade que deseja sair do labirinto que a corrói. Domenico De Masi explica mais claramente o que significa o termo.


Há no Brasil pessoas que também já compreenderam esse aspecto que a vida demanda da humanidade para que esta possa progredir sem atritos. É a Rita Von Hunty. Ela explica e exemplifica os porquês de diminuirmos as jornadas de trabalho. Fala sobre o efeito das tecnologias (que se tornaram nossos chefes em tempo integral sem o sabermos); sobre as demandas (direito ao ócio e não ao trabalho), entre outras coisas interessantes.


Por quê direito ao ócio e não ao trabalho?

O trabalho como nos é apresentado (e como existe) está corrompido. Ele perdeu seu valor e se fundiu ao (vocábulo) emprego. Ou seja, mais trabalho significa mais alienação, postos inúteis e cada vez mais mal remunerados, que rirão gerar mais brutalização - daí pra frente é uma avalanche para o inferno...apertem os cintos.

O ócio é a única condição de reorganizarmos nosso sistema de trabalho. Porque gerando o terreno (=condições) propícias pode ter certeza de que surgirão grandes almas que irão fazer bom uso disso. Podem ser poucas, muito poucas - mas sua contribuição será imprescindível.

É claro que deve ser uma implementação ordenada, gradual, já que chegamos a uma sociedade global e de transmissão instantânea - e cheia de notícias distorcidas. Mas ela deveria ter iniciado faz quarenta ou cinquenta anos. A única justificativa para esse atraso é a forma mental humana - que é incapaz de perceber a centralidade do tema. E assim essa forma mental sustenta uma estrutura sistêmica (capitalismo) podre. Logo, criamos um circulo vicioso que está nos corroendo a cada década cada vez mais, comprimindo as possibilidades até uma escala que irá resultar no esmagamento da sociedade tal qual a conhecemos hoje. 

O sistema hodierno dá direito ao ócio àquele que tem condições de se manter sem precisar estar empregado. Quem não possui os recursos não pode se dar ao luxo de parar para contemplar. Mas o pior não é isso: 99,9% dos que tem os recursos (que são 10 a 20% da humanidade) empregam de forma mal ou insuficiente. Não estão trabalhando para o despertar. Exemplos? Aí vai:
  • TV's enormes usadas para assistir programas de baixo nível (incluindo o que muitos consideram bom);
  • Carros luxuosos (nota zero em eficiência);
  • Muitas casas, e enormes, caríssimas, luxuosas, forradas de parafernalhas que não são realmente úteis;
  • Propriedades enormes que exploram mais que empregam;
  • Preocupação doentia com estética e com isso procedimentos caríssimos;
  • Roupas e calçados caríssimos, trocados frequentemente;
  • Refeições caríssimas (e nem tão boas) em restaurantes;
  • Compras incessantes.
Nossa economia precisa estar estruturada na evolução. Se antes todo esse mal-estar estivesse servindo aos propósitos evolutivos, ainda haveria sentido em tantos terem uma vida tão limitada. Mas a questão é que o objetivo disso tudo é gerar mais alienação, mais consumo conspícuo, mais atritos, mais novidades vazias. E depois...com o caos armado, gerenciá-lo. Como? Criando mais tecnologias, distrações digitais, bodes expiatórios, prazeres efêmeros, etc.

Fig.4: Tripé TEL. Sem um pilar, os outros dois estão comprometidos e a sociedade não se sustenta.  
Fonte: [1]

Sem o estudo o trabalho tem baixa eficiência - e a riqueza é baixa.
Sem o trabalho o estudo não é viabilizado - pois ele requer condições mínimas.
Sem o lazer não há vontade e inspiração para estudar ou trabalhar.

Integrando essas esferas de ocupação humana estaremos potencializando o processo criativo. Mas essa integração deve ocorrer de modo virtuoso. Ou seja, 
  • não deve gerar uma riqueza que destrua a geosfera e a biosfera; 
  • não deve concentrar além do justo e necessário essa riqueza; 
  • não deve cair num ciclo estático, em que repete-se a mesma coisa indefinidamente.
Atualmente essa integração se dá de forma emborcada, isto é, com interesses particulares e muitos estão iludidos com a ideia sem perceber que estão sendo manipulados. O que demonstra que mesmo valores de um mundo futuro podem ser usados para perpetuar os vícios do passado.

As pessoas tem o dever de exigir o direito ao estudo, ao lazer e ao trabalho. De forma equitativa. Porque o universo é um organismo integrado, em que matéria, energia e espírito coexistem simultaneamente, em todo ser, em cada situação, de várias formas. Há um entrelaçamento sutil nas coisas. Nossas construções (sistemas) devem estar permeadas desse princípio. 

Com isso eu termino uma primeira aproximação do tema. 

Referências:
[1] http://reflexeseconmicas.blogspot.com/2018/05/teremos-sabedoria-de-ocio-criativo-de.html


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