quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

H.G. Wells e seus Mundos

Herbert George Wells teve que trilhar um caminho longe da arte da escrita para que pudesse ter matéria-prima para escrever. Escrever bem. Muito bem.

Herbert Geroge Wells (1866-1946)
Me lembro da época da faculdade. Quando estava nas férias de verão e fazia estágio. Ia e voltava toda semana. Chegava segunda a noite e ia embora quinta de tarde. E sempre levava um livro da BC (Biblioteca Central) comigo. E um dos livros que um dia peguei foi um dos romances mais famosos e que mais mexia com o meu imaginário: “A Máquina do Tempo”.

Eu já conhecia bem a história. Minha infância foi marcada pelo clássico com Rod Taylor e a bela Yvette Mimieux. Aquele aparato com um disco girante por trás me fascinava. Era como se fosse possível existir uma máquina daquelas. Aparentemente simples. Despretensiosa. Mas capaz de te transportar numa dimensão que nenhum outro aparato da época – e dos dias atuais – seria capaz.

Me recordo do preâmbulo do livro (é uma espécie de comentário inicial que nos convida a uma reflexão sobre a obra ou o autor ou ambos e/ou assuntos relacionados). Era bem filosófico (do jeito que eu gostava). Ele começava falando sobre a importância de Wells no mundo da literatura, comparando as suas ficções com as de seu contemporâneo Júlio Verne.

Rod Taylor (Wells, o inventor) e Yvette Mimieux (Weena).
As histórias de Wells e de Verne eram parecidas em muitas coisas. Os aparatos que imaginavam não existiam. No entanto, enquanto Verne “criava” máquinas que estavam prestes a serem inventadas, Wells criava (realmente criava) máquinas de outro mundo. No limiar da imaginação. Inventos que estavam (estão) num patamar que possivelmente os netos de nossos netos não chegarão a usar. Trata-se mais de filosofia do que de ciência.

Com o amadurecimento, me dei conta de que o interessante na obra de Wells não são as parafernálias tecnológicas, capazes das coisas mais fantásticas, e sim o que IMPLICA ter o poder sobre grandezas – como o tempo.

De início – no livro – inúmeros paradoxos são lançados contra o inventor inglês do final do século XIX. Quando este apresenta uma miniatura de seu invento e a aciona, puf! A máquina (naturalmente) some. “Mas para onde?”, é a pergunta mais natural. E seus colegas aristocratas começam a criar teorias sobre o destino do aparato. Um diz que ela foi para o passado. Mas como, diz outro, se antes dela ser colocada aqui na mesa não estávamos a vendo? E outro então diz: “Ela foi para o futuro!”. Mas (diz outro), então ela deveria estar presente! Porque o futuro dela sempre será nessa mesa, já que não há interferência. Só que (claro) transladado cronologicamente do nosso presente. Mas as faixas coincidem...E por aí vai. Então, com isso só queria mostrar quantas questões existenciais são levantadas com um simples aparato.

O próprio futuro distante que o famoso viajante acaba vivenciando pode ser visto como uma crítica do que a sociedade tende a se tornar, que não é muito diferente em essência do que existe em nossa civilização: um grupo (que se tornou uma raça apartada), chamada de Morlocks, que se alimentam de seres humanos sem nenhum traço de maldade, com saúde e beleza ímpar, denominados Eloys. E Wells sabiamente criou uma situação de difícil resolução. Porque o simples extermínio de um (Morlocks) implica na morte do outro (Eloys).

"A Máquina do Tempo"
Explico melhor.

Os Morlocks, apesar de dependerem dos Eloys na alimentação de seus organismos menos depurados, fornecem os alimentos naturais e saudáveis para estes (são os únicos que os Eloys digerem): frutas, legumes, grãos e sucos. Isso porque os Eloys, apesar de toda suas inclinação natural, é uma espécie cuja capacidade intelectual foi congelada e reduzida à simples subsistência (os livros se esfarelaram e o ato de pensar foi esquecido ao longo dos milênios). Ou seja, esses seres aparentemente puros são incapazes de se defenderem e obterem seu próprio alimento, nem sequer perceberem a mudança das coisas. São manipuláveis. E precisam de quem os alimente e proteja. E que permitam sua reprodução. Dessa forma, esses seres humanos elevados são como gado para os outros seres, que dominam a praticidade do cotidiano e possuem a força física. Estabelece-se assim uma relação BIDIRECIONAL, o que caracteriza uma sociedade já não tão simples.

Num primeiro momento, imaginando que a relação entre Morlocks e Eloys seja unidirecional (Eloys → Morlocks), é simples se chegar à solução de que os primeiros devam ser eliminados para que os últimos vivam em paz. No entanto, estes dependem daqueles, o que significa que estão INTERLIGADOS.

Ou seja, a relação que parecia ser

Eloys → Morlocks

é na verdade

Eloys ← Morlocks /
Eloys → Morlocks

Outro ponto para Wells, que soube retratar um mundo com complexidades (ou seja, sempre haverá trabalho a ser feito para melhorar as coisas, e ele não será fácil).

Uma obra como “A Máquina do Tempo” é riquíssima fonte para debates filosóficos em sala de aula, além de permitir análises no campo das ciências (como era o relevo naquela época?, e o clima?, haviam indústrias,? como se chegou a tal estado?, qual a causa da aguda diferenciação biológica entre os seres?, como eram as relações sociais? e afetivas? e de trabalho? etc).

Existem muitos temas (interessantes) de muitos autores subaproveitados no campo educacional e individual.

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