Herbert
George Wells teve que trilhar um caminho longe da arte da escrita
para que pudesse ter matéria-prima para escrever. Escrever bem.
Muito bem.
Herbert Geroge Wells (1866-1946) |
Me
lembro da época da faculdade. Quando estava nas férias de verão e
fazia estágio. Ia e voltava toda semana. Chegava segunda a noite e
ia embora quinta de tarde. E sempre levava um livro da BC (Biblioteca
Central) comigo. E um dos livros que um dia peguei foi um dos
romances mais famosos e que mais mexia com o meu imaginário: “A
Máquina do Tempo”.
Eu já
conhecia bem a história. Minha infância foi marcada pelo clássico
com Rod Taylor e a bela Yvette Mimieux. Aquele aparato com um disco
girante por trás me fascinava. Era como se fosse possível existir
uma máquina daquelas. Aparentemente simples. Despretensiosa. Mas
capaz de te transportar numa dimensão que nenhum outro aparato da
época – e dos dias atuais – seria capaz.
Me
recordo do preâmbulo do livro (é uma espécie de comentário
inicial que nos convida a uma reflexão sobre a obra ou o autor ou
ambos e/ou assuntos relacionados). Era bem filosófico (do jeito que
eu gostava). Ele começava falando sobre a importância de Wells no
mundo da literatura, comparando as suas ficções com as de seu
contemporâneo Júlio Verne.
Rod Taylor (Wells, o inventor) e Yvette Mimieux (Weena). |
As
histórias de Wells e de Verne eram parecidas em muitas coisas. Os
aparatos que imaginavam não existiam. No entanto, enquanto Verne
“criava” máquinas que estavam prestes a serem inventadas, Wells
criava (realmente criava) máquinas de outro mundo. No limiar da
imaginação. Inventos que estavam (estão) num patamar que possivelmente os netos de nossos netos não chegarão a usar.
Trata-se mais de filosofia do que de ciência.
Com o
amadurecimento, me dei conta de que o interessante na obra de Wells
não são as parafernálias tecnológicas, capazes das coisas mais
fantásticas, e sim o que IMPLICA ter o poder sobre grandezas –
como o tempo.
De
início – no livro – inúmeros paradoxos são lançados contra o
inventor inglês do final do século XIX. Quando este apresenta uma
miniatura de seu invento e a aciona, puf! A máquina (naturalmente)
some. “Mas para onde?”, é a pergunta mais natural. E seus
colegas aristocratas começam a criar teorias sobre o destino do
aparato. Um diz que ela foi para o passado. Mas como, diz outro, se
antes dela ser colocada aqui na mesa não estávamos a vendo? E outro
então diz: “Ela foi para o futuro!”. Mas (diz outro), então ela
deveria estar presente! Porque o futuro dela sempre será nessa mesa,
já que não há interferência. Só que (claro) transladado
cronologicamente do nosso presente. Mas as faixas coincidem...E por
aí vai. Então, com isso só queria mostrar quantas questões
existenciais são levantadas com um simples aparato.
O
próprio futuro distante que o famoso viajante acaba vivenciando pode
ser visto como uma crítica do que a sociedade tende a se tornar, que
não é muito diferente em essência do que existe em nossa
civilização: um grupo (que se tornou uma raça apartada), chamada
de Morlocks, que se alimentam de seres humanos sem nenhum traço de
maldade, com saúde e beleza ímpar, denominados Eloys. E Wells
sabiamente criou uma situação de difícil resolução. Porque o
simples extermínio de um (Morlocks) implica na morte do outro
(Eloys).
"A Máquina do Tempo" |
Explico
melhor.
Os
Morlocks, apesar de dependerem dos Eloys na alimentação de seus
organismos menos depurados, fornecem os alimentos naturais e
saudáveis para estes (são os únicos que os Eloys digerem): frutas,
legumes, grãos e sucos. Isso porque os Eloys, apesar de toda suas
inclinação natural, é uma espécie cuja capacidade intelectual foi
congelada e reduzida à simples subsistência (os livros se esfarelaram e o ato de pensar foi esquecido ao longo dos milênios).
Ou seja, esses seres aparentemente puros são incapazes de se
defenderem e obterem seu próprio alimento, nem sequer perceberem a
mudança das coisas. São manipuláveis. E precisam de quem os
alimente e proteja. E que permitam sua reprodução. Dessa forma,
esses seres humanos elevados são como gado para os outros seres, que
dominam a praticidade do cotidiano e possuem a força física.
Estabelece-se assim uma relação BIDIRECIONAL, o que caracteriza uma
sociedade já não tão simples.
Num
primeiro momento, imaginando que a relação entre Morlocks e Eloys
seja unidirecional (Eloys → Morlocks), é simples se chegar à
solução de que os primeiros devam ser eliminados para que os
últimos vivam em paz. No entanto, estes dependem daqueles, o que
significa que estão INTERLIGADOS.
Ou seja,
a relação que parecia ser
Eloys →
Morlocks
é na
verdade
Eloys ←
Morlocks /
Eloys →
Morlocks
Outro
ponto para Wells, que soube retratar um mundo com complexidades (ou
seja, sempre haverá trabalho a ser feito para melhorar as coisas, e
ele não será fácil).
Uma obra
como “A Máquina do Tempo” é riquíssima fonte para debates
filosóficos em sala de aula, além de permitir análises no campo
das ciências (como era o relevo naquela época?, e o clima?, haviam
indústrias,? como se chegou a tal estado?, qual a causa da aguda
diferenciação biológica entre os seres?, como eram as relações
sociais? e afetivas? e de trabalho? etc).
Existem
muitos temas (interessantes) de muitos autores subaproveitados no
campo educacional e individual.
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