domingo, 16 de março de 2014

QUANDO O PÚBLICO SE TORNA PRIVADO E O PRIVADO SE TORNA PÚBLICO

Zygmunt Bauman [1] é um sociólogo polonês com uma visão muito clara do mundo em que vivemos. Essa clareza foi revelada (a mim) quando ele falou sobre um fenômeno que vem se pronunciando cada vez mais. Se trata da inversão de valores em nossa sociedade.

É evidente para qualquer pessoa de bom senso de que em nossa sociedade existem elementos que devem ser públicos e outros que devem ser privados (ou pessoais). Para avaliar o que deve ser uma coisa ou outra basta fazer a si mesmo uma pergunta simples: trata-se de algo singular, que só diz respeito a ti, ou a algo universal, cuja apropriação tende a prejudicar outros?

Apesar de simples, me parece que essa pergunta não vem sendo feita por nós mesmos quando emitimos – ou omitimos – nossas opiniões a respeito desse tema. E mesmo pelo modo com o qual atuamos na sociedade.

A primeira distorção – muito evidente – se encontram nos famosos “reality shows”, na qual a vida privada de um grupo de pessoas (de preferência jovens, com corpos que atendam os padrões de beleza, com “sonhos” e com uma inteligência suficiente apenas para não ameaçar o 'establishment') é exposta diariamente para milhões. As cenas mais banais, que não dizem nada a respeito de nossas vidas, são divulgadas e comentadas por milhões de pessoas.

Outra distorção do tipo pode ser vista nas revistas que mostram milhares de fotos de pessoas famosas e “bem sucedidas”, com seus filhos, netos, amigos, amigas e etc, em seus iates e carros de luxo e restaurantes de luxos e namoradas(os) com roupa e corpos da moda e coisas do tipo (interessante que essas pessoas parecem não estudar nem trabalhar...). E todos esses fatos importantes são despejados em público. Gasta-se milhões na divulgação de algo que, ao invés de elevar a humanidade como um todo, desperdiça recursos materiais e energéticos (1), desperdiça tempo das pessoas que veem e divulgam isso (2) e – mais lamentável – aprisiona a mente da grande parcela das pessoas “sem sucesso”, colocando um norte que não condiz com a sua real vontade (3). Muito menos com o progresso do mundo.

E eis um dos efeitos mais petrificantes: quando o que deveria ser privado se torna público, me parece (não sei se há alguma correlação) que o que deveria ser público começa a ser incorporado pelo mundo privado. Exemplos abundam: criação de condomínios fechados via anexação de áreas públicas; aumento do espaço (ruas, avenidas, estacionamentos) dedicado a meios de transporte individual em detrimento de calçadas, praças, parques e ciclovias; educação básica e superior; saúde; espaços culturais (bibliotecas, museus,...); apresentações musicais publicas; e muito mais. Isso gera efeitos nefastos na sociedade, conforme irei explicar a seguir.

Quando vemos o mundo privado (o mercado) mercantilizando bens universais e de direito de todo ser humano [leiam a Declaração dos Direitos Humanos segundo a ONU*], começa-se um processo de EXCLUSÃO SOCIAL. E como esse próprio mundo, para ter seu sucesso (relativo e restrito) acaba, por sua própria natureza insustentável, gerando um grupo de pessoas sem condições de “pagar pelos seus direitos” [vejam que paradoxo], ele comprova sua própria insustentabilidade e incompatibilidade com os princípios morais estabelecidos há 2 mil anos.

Em troca a sociedade recebe inúmeros “benefícios” via meios de comunicação: vida de astros, de celebridades, dicas de como ser, como levar sua vida, como ser bem sucedido, como ser forte e rico e etc. Forma sem conteúdo. Dicas vazias. Dicas que soterram e não libertam. Dicas que aprisionam. Que induzem a pessoa a se tornar uma peça do sistema vigente, fazendo-a atuar em benefício de uma economia que é insustentável e anti-fraterna. E – ao mesmo tempo – fazendo a pensar que está satisfazendo seus sonhos.

Agora eu tenho uma notícia animadora: perceber todos esses fenômenos não requer erudição nem um tijolo de títulos. Basta ter BOM SENSO e VONTADE.


Conheço pessoas cultas, estudadas, especilaistas e experientes, com muitos recursos e tidas como bem sucedidas que, no entanto, são incapazes de perceber as necessidades de mudança e a relação entre seres. Ao mesmo tempo, já ouvi pessoas sem qualificação alguma e muito ignoradas que ao se expressarem revelaram os traços da mais fina SABEDORIA. Isso remete ao que Montaigne ** disse a respeito de sabedoria: ela não está diretamente relacionada ao grau de estudo atingido ***.

Através de anos de observação eu pude constatar esses fatos. E apoiado nas observações de pessoas como Z. Bauman, M. de Montaigne, B. Russell e J.S. Mill pude comparar suas observações com esses fatos. E daí concluí que a teoria descreve o que vem acontecendo.

A descrição profunda, em sua substância, indo muito além das aparências, foi feita por um conjunto de sábios que permeiam nossa história recente. Mas ao mesmo tempo os meios de eliminar as mazelas foram apresentados.

Minha recomendação é a seguinte: se você se sente um pouco inquieto com o rumo que alguns (ou muitos) acontecimentos vem tomando, vá à biblioteca ou livraria ou internet e começe a ESTUDAR esses sábios. É um medicamento muito bom que pode prevenir e remediar males. É inclusive, na minha opinião, a base para a reforma planetária. E após sua compreensão, recomenda-se a APLICAÇÃO dos ensinamentos.


Os sábios, ao contrário dos poderosos, libertam sua mente.


A que grupo daremos atenção daqui pra frente?



Fontes:
* http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm
**http://pt.wikipedia.org/wiki/Michel_de_Montaigne
*** Quando Montaigne disse que a sabedoria não se relaciona unicamente com grau de estudo ele não estava excluindo o importante papel das universidades na formação de pessoas, e sim dizendo que esta instituição não irá necessariamente trazer sabedoria a uma pessoa, pois esta pode ser encontrada de várias formas.

[1] http://pt.wikipedia.org/wiki/Zygmunt_Bauman

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